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Luis Horacio Escobar Parada: “A finalização

A finalização no tratamento ortodôntico

Luis Horacio Escobar Parada

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Médico dentista. Diretor do Máster de Ortodontia da Universidade à Distância de Madrid (Espanha). Diretor do Centro de Estudos de Ortodontia Gnathos. Diretor e docente de cursos da Fundação Gnathos na Europa. Diretor da Orthoquick. Ortodontista de prática exclusiva em Madrid.

Ciência e prática

Introdução

A finalização no tratamento de ortodontia é o término de um longo processo terapêutico que começou com o diagnóstico, a planificação e a seleção dos procedimentos mais apropriados. Não é uma fase desprovida de um objetivo já traçado e à qual o clínico deve enfrentar com a surpresa do imprevisto.

Claro está que, por muito rigorosa que seja a planificação, o desenrolar da correção nunca é linear. Qualquer tratamento ortodôntico, que se caracteriza pela evolução a longo prazo, estará condicionado por variações impostas pelas estruturas alveolares, musculares e funcionais, pelos hábitos e atitudes próprias do paciente e pelas intervenções do clínico.

Se a estas peculiaridades juntarmos as dificuldades próprias do tratamento – não se reveste da mesma complexidade um tratamento com extrações e um tratamento sem elas – poderíamos chegar à fase de finalização, com um aspeto clínico diferente do esperado. É aqui que devemos começar a falar do tema deste artigo.

Uma vez definido o plano de tratamento, o clínico deve estar disposto a monitorizar permanentemente todos e cada um dos passos previstos e constatar se se vão cumprindo os objetivos sem se afastar da rota establecida. Se em algum momento surgem desvios, mais ou menos significativos, é necessária a implementação de medidas oportunas para evitar o descontrolo da situação. Quero dizer com isto que a fase de finalização não pode ser uma fase de recuperação de rumos perdidos nem se podem esperar milagres que salvem o caso. Assim sendo, neste artigo abordaremos as manobras clínicas necessárias para acompanhar a evolução de um tratamento relativamente bem supervisionado. Portanto, vamos enfatizar os tópicos mais importantes desta fase de finalização. Interessa-me apresentar o final de um tratamento com extrações dadas as peculiaridades destas terapias.

Desenvolvimento

Depois da mecânica de fechamento de espaços, que deverá ser aquela que cada um de nós mais domine, encontraremos as arcadas com pontos de contacto e um somatório de pequenas mal posições dentárias individuais. Estas são fruto dos movimentos parasitas gerados durante esta fase.

É frequente, naqueles casos de grandes fechamentos de espaços, que tenhamos perda de torque, inclinações mesio- -distais e desníveis das peças dentárias adjacentes. Será necessário, numa grande percentagem dos casos, recimentar brackets com o intuito de fazer uma correção significativa e ganhar tempo para se alcançar o objetivo.

Esta recimentação está relacionada com o tipo de assenta

mento oclusal dos segmentos posteriores e com o grau de

Fig. 1. A imagem retrata um caso de classe II com extrações de pré- -molares superiores. Quando se concluiu o fechamento de espaço, perdeu-se o controlo do plano oclusal superior. Mesio-inclinação dos segmentos posteriores, disto-inclinação dos caninos e intrusão e perda de torque do grupo anterior. Esta soma de movimentos parasitas exigirá uma longa fase de assentamento e finalização.

Fig. 2. Caso terminado com uma deficiência transversal do maxilar que se manifesta no lado direito. Esta descoordenação transversal afeta a qualidade do overbite.

overjet e overbite. Definitivamente, perseguimos sempre os conceitos duma oclusão mutuamente protegida. A correta colocação vertical dos brackets no setor anterior é fundamental para se conseguirem as guias anteriores.

Relativamente a esta questão, vamos recapitular alguns detalhes da importância na interdigitação dos segmentos posteriores. É óbvio que para establecer uma correta relação intermaxilar deve haver uma adequada coordenação transversal das arcadas. Há uma diferença significativa da repercussão vertical que existe entre um contacto cúspide/fossa e um contacto cúspide/cúspide, que se reflete na relação do overbite anterior. Esta última, cúspide/cúspide, afetará diretamente o entrecruzamento anterior (overbite).

Por outro lado, a relação sagital dos segmentos posteriores também compromete a função. Numa reabilitação ortodôntica procura-se um assentamento cúspide/rebordo marginal. Disto dependerá que os caninos inferiores se posicionem adequadamente com o seu antagonista. Aqui se consolida ou não o overjet.

Fig. 3. Caso terminado sem alteração transversal do maxilar. O overbite é suficiente e funcional.

Fig. 4. Na imagem observa-se um leve desvio da classe molar para uma classe II. Leve descoordenação transversal das arcadas, posicionamento de tubos e brackets muito para oclusal. Tudo isto impede um bom assentamento dos segmentos posteriores.

Vamos analisar um pouco mais detalhadamente a classe molar. Todos sabem que os molares em classe I e classe II não têm a mesma relação com o seu antagonista. Isto leva implícito uma alteração na posição individual do molar superior.

Figs. 5 e 6. Na imagem representa-se, com a linha vermelha, a posição do tubo para a classe I e classe II. Note-se que os molares na classe II são perpendiculares ao plano oclusal.

Figs. 7 e 8. Na imagem representa-se, com a linha azul, o eixo do canino em classe I e, com a linha vermelha, o eixo do canino em classe II.

Se o molar superior não tem a mesma posição nestas relações, será então necessário cimentar o tubo de um primeiro molar de classe I de maneira diferente ao tubo do molar de classe II. Esta diferença só se manifesta nos primeiros molares superiores.

A alteração da posição individual das peças dentárias, de uma classe para outra afeta também o canino. O canino superior de classe II é mais vertical que o canino de classe I, por este motivo a cimentação do bracket también deve assumir esta mudança de inclinação.

Para garantir a funcionalidade das guias anteriores deveria haver um entrecruzamento anterior (overbite) de pelo menos 2,5 mm. Este entrecruzamento resultará funcional na medida que o plano oclusal se encontre nivelado ou com uma mínima Curva de Spee. Para alcançar este objetivo poderia ser necessária a recolocação vertical dos brackets no grupo anterior, de canino a canino.

Temos de ter em consideração que a extrusão das peças antero-inferiores pode provocar um aumento da Curva de Spee, pouco desejável se tivermos em conta a perspetiva funcional. E a extrusão anterosuperior pode afetar a estética pela modificação da exposição dentária. Sendo assim, a recolocação vertical deve fazer-se sempre com ligeiras variações.

Se, durante o desenrolar das outras fases do tratamento, tivermos tido o cuidado de corrigir os conflitos verticais posteriores, agora, na fase de finalização, as relações de overbite deveriam estar muito próximas das corretas. É frequente que a ausência de contacto anterior seja provocada por um excesso de contacto posterior.

É conveniente, para organizar as ideias, estabelecer prioridades e que estas nos permitam implementar uma cronologia de objetivos. Para isso vamos definir que a arcada mais importante é a arcada inferior.

Esta declaração de princípios está fundamentada porque é sobejamente referido que a arcada inferior tem maiores limitações/restrições e, efetivamente, é a mais importante quando fazemos a planificação.

Será então mais importante terminar a arcada inferior em ótimas condições. Que seja esta a arcada melhor organizada e que sirva de referência à arcada superior que, por sua vez, deveria adaptar-se às condições impostas pela inferior.

Figs. 9 e 10. Overjet e overbite funcionais.

Fig. 11. Modelo articulado onde se confirma o nivelamento do plano oclusal posterior.

Destaquemos o que sería desejável encontrar na arcada inferior: • Plano oclusal posterior reto. Sem dúvida, os segundos molares devem ser incluídos na sequência de arcos para que tenhamos todas as peças do segmento posterior niveladas. Mas para considerar nivelado o segmento posterior devem estar os rebordos marginais dos molares e pré-molares todos ao mesmo nível. • Bordo incisal nivelado. Os quatro incisivos inferiores devem estar posicionados de forma tal, que os quatro bordos incisais representem uma linha contínua e que resultará fundamental para dar suporte, estabilidade e função anterior. Este objetivo, que poderíamos considerar de máxima importância, deve-se conseguir pela correção individual das peças, por subtração de tecido dentário ou por adição de material de restauração. • Os caninos inferiores devem ter um aumento de meio milímetro acima dessa linha reta, que é o bordo incisal. • Definida a prioridade e os objetivos avançamos com a fase de finalização.

Uma vez fechados os espaços, é necessário fazer uma reavaliação da posição individual dos dentes, a fim de decidir que peças devem ser recimentadas. Esta atitude clínica é muito mais eficaz e económica do que fazer dobras em arcos ou procurar “truques” para alcançar o objetivo final.

Esta nova posição de brackets e tubos vai obrigar a colocar arcos mais ou menos flexíveis para iniciar uma renivelação das arcadas. Habitualmente, a utilização de arcos trançados retangulares .016 x .022 costuma ser suficiente para iniciar a renivelação e também poderia ser necessária a utilização de um arco retangular super-elástico que termine de corrigir a posição tridimensional dos dentes de forma individualizada.

Como último recurso poderíamos utilizar uma mecânica de assentamento com elásticos intermaxilares que ajudem a melhorar a relação intermaxilar. É conveniente instalar um arco de aço retangular na arcada inferior – pelo menos de .016

Fig. 12. Neste esquema figura a representação dos incisivos inferiores perfeitamente nivelados e o aumento dos caninos.

x .022 – com a intenção de manter a arcada inferior nivelada e que sirva como referência para adaptar a superior sobre esta. A arcada superior deve-se conformar relativamente à inferior, para ajustar-se às variações anatómicas da mesma.

Pode ser que estas manobras clínicas sejam suficientes para nos aproximarmos de uma relação inter-maxilar adequada, no entanto, possuímos ainda mais alguns recursos para conseguir os melhores standards de finalização. Falamos dos ajustes oclusais e a adição de material de restauração.

É importante que ao retirar os aparelhos não existam contactos prematuros posteriores que possam desestabilizar a posição mandibular. Este é, provavelmente, o fator mais importante na estabilidade a longo prazo de um tratamento de ortodontia. Por isso, torna-se imprescindível fazer o controlo oclusal pertinente e eliminar, por desgaste, estes possíveis contactos prematuros posteriores.

Tão importante, como o ponto anterior, será a adição de material de restauração naqueles casos que apresentem dis

Fig. 13. Elásticos de assentamento utilizando como base um arco trançado superior e um arco de aço inferior para manter o formato da arcada inferior. Note-se que os brackets do canino, pré-molar e molar superiores estão cimentados muito perto da cúspide, o que dificulta o assentamento.

Figs. 14 e 15. Modelos articulados onde se observa uma má distribuição de contactos interdentários (lado esquerdo). E o mesmo modelo com a remodelação já executada.

Fig. 16. Na imagem A, a discrepância de Bolton afeta o volume dentário dos incisivos laterais e perde-se a relação de contacto com o seu antagonista. Isto compromete a estabilidade individual dos incisivos.

crepância de Bolton. Esta alteração é extremamente frequente e é habitual manifestar-se a nível dos incisivos laterais superiores. Afeta o volume tridimensional destes dentes.

Nos casos de laterais superiores com severa alteração de Bolton (déficit) teremos duas opções para a sua correção:

• Ou cimenta-se mal o bracket no sentido vertical, isto é, cimentar o bracket mais perto do borde incisal para evitar a exposição para além da coroa anatómica. • Ou faz-se a restauração prévia à colocação dos brackets sempre e quando as condições de espaço assim o permitam.

Fig. 17. Caso sem discrepância de Bolton. Os quatro incisivos superiores estão em contacto com os seus antagonistas.

Conclusão

Neste artigo tentei abordar os pontos mais importantes que o clínico deveria considerar na fase de finalização de um tratamento ortodôntico.

Já dizia o Dr. Robert M. Ricketts que é muito importante manter um equilíbrio entre os casos que se iniciam e os casos clínicos que se terminam. Se não formos capazes de cumprir esta premissa, a nossa prática clínica começará a ficar saturada de casos inconclusivos, aumentando o nível de stress do ortodontista, gerando perdas económicas e frustração profissional.