Breve análise das tensões e relações entre o carnaval de rua oficial e o não oficial no RJ hoje

VIII Seminário Internacional

políticas culturais 23 a 26 de maio de 2017 - Rio de Janeiro

Anais Organizadores Lia Calabre Maurício Siqueira Marcelo Viana Deborah Rebello Lima

ISBN: 978-85-7004-356-6

Seminário Internacional Políticas Culturais (8. : 2017 : Rio de Janeiro, RJ) Anais do VIII Seminário Internacional de Políticas Culturais, 23 a 26 de maio de 2017, Rio de Janeiro / Organizadores, Lia Calabre... [et al.] – Rio de Janeiro : Fundação Casa de Rui Barbosa, 2017.

1 ebook (1.224 p.).

Modo de acesso: World WideWeb: <URL> ISBN 978-85-7004-356-6 1. Política cultural. I. Calabre, Lia, org. II. Siqueira, Mauricio, org. III. Viana, Marcelo, org. IV. Lima, Deborah Rebello, org. V. Fundação Casa de Rui Barbosa. VI. Título.

CDD 306

Anais do VIII Seminário Internacional de Políticas Culturais

Organizadores Lia Calabre Maurício Siqueira Marcelo Viana Deborah Rebello Lima

Rio de Janeiro 2017

Apresentação O Setor de Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa apresenta os anais do VIII Seminário Internacional de Políticas Culturais, que foi realizado nos dias 23 a 26 de maio de 2017, no Rio de Janeiro. O evento tem por tradição reunir trabalhos de pesquisadores, professores, estudantes, gestores públicos e gestores da sociedade civil. Nas vinte e cinco mesas de comunicações, que ocorreram ao longo do Seminário, foram discutidas questões referentes às políticas culturais pelos mais diversos recortes temáticos, por diferentes delimitações territoriais e geográficas, ou vieses de abordagem.

Os preparativos para o Seminário Internacional de Políticas Culturais tiveram início seis meses antes de sua realização com a abertura de inscrição de textos completos. O conjunto dos trabalhos que compõem o evento nos permite, a cada nova edição, avaliar o fortalecimento do campo de discussão que, gradativamente, vai constituindo uma nova área de conhecimento - ou de interesse.

Mesmo em tempos muito sombrios para a área da cultura, com seguidos cortes de orçamento, descontinuidade de políticas que vinham sendo consolidadas há mais de uma década e a manutenção de um governo sem legitimidade democrática, podemos avaliar que os resultados dos trabalhos, debates e trocas intelectuais foram muito produtivos. E, mais ainda, devemos reafirmar que em tais conjunturas estudos realizados com autonomia de pesquisa pelas instituições e ensino superior e institutos de pesquisa cumprem um papel fundamental na avaliação das políticas, programas e ações implementados, registrando resultados, lacunas, dificuldades operacionais, experiências exitosas, assim como as consequências e desdobramentos de desmontes e descontinuidades que seguem sendo feitas.

O Seminário reuniu pesquisadores de todas as regiões do Brasil e de alguns países vizinhos da América Latina. Metade dos trabalhos apresentados (50,9%) se originaram de pesquisas

de estudantes de pós-graduação e 13% de docentes. O restante deles se distribuiu da seguinte forma: 18% foram produzidos em órgãos de pesquisa, sendo interessante destacar que 13% dos trabalhos resultaram de experiências de gestão pública e 5% de gestão na iniciativa privada. Tais índices demonstram que o desenho escolhido para o evento, desde suas primeiras edições, era acertado, que é possível e necessário o diálogo entre a gestão, a pesquisa e os estudos realizados nas pós-graduações das universidades.

A área da cultura chegou tardiamente ao campo das políticas públicas e, consequentemente, aos estudos e pesquisas sobre tal campo. Uma série de mudanças ocorridas no último quartel do século XX e início do XXI colocou as políticas culturais em um lugar de destaque, vista, contemporaneamente, por alguns estudiosos, como uma área estratégica.

Em abril de 2002, o filósofo Leandro Konder publicou uma crônica no jornal O Globo, onde afirmava que a cultura era um terreno fértil, um lugar especial onde se plantam os valores mais duradouros de uma sociedade, onde estão enraizadas as convicções mais permanentes de uma sociedade. Konder continuava dizendo que é “na cultura – e só nela – que os seres humanos poderão desenvolver, ampliar e aprofundar a consciência efetiva do convívio democrático, que lhes permitirá se governar sem exploração ou opressão de uns pelos outros”. Ao restringir o conceito de cultura ao de entretenimento o Estado está privando os cidadãos de um conjunto de direitos e dificultando a possibilidades do florescimento de uma sociedade mais democrática. O estudioso peruano, Victor Vich, aponta para a necessidade de entendermos as políticas culturais como dispositivos que devem servir para a ativação de novos processos sociais, que extrapole o campo dos eventos. E avança afirmando que “nenhuma reforma política que não seja acompanhada de uma verdadeira mudança cultural pode chegar a ser efetiva”.1 O Seminário Internacional de Políticas Culturais conta com a parceria do Observatório Itaú Cultural, desde as primeiras edições do evento.

O Observatório tem uma tradição no incentivo à eventos científicos e a realização de pesquisas, muitas vezes através da contratação de consultores, pesquisadores e especialistas. Para a área de gestão cultural, especificamente 1 VICH, Victor. Desculturalizar la cultura: la gestión comoforma de accíon política. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2014. p.16 e 17.

a de pesquisa já tivemos duas edições do edital Rumos que resultaram em publicações e em apresentações dos trabalhos em edições anteriores do Seminário Internacional de Políticas Culturais.

Entre os 23 a 26 de maio de 2017, além das comunicações, foram realizadas mesas redondas, conferências e apresentações de pesquisas que serão objeto de uma publicação específica, realizada em todas as edições, também em parceria com o Itaú Cultural. Na presente edição foram apresentadas duas pesquisas realizadas sob os auspícios do Observatório Itaú Cultural. A primeira sobre formação e profissionalização do gestor de cultura e a segunda sobre financiamento, reforçando essa vocação do Seminário como um lugar de debate de pesquisas especificamente acadêmicas, mas também não acadêmicas.

As temáticas das mesas de comunicações são estruturadas, anualmente, em consonância com os trabalhos propostos e aceitos para o evento.

Algumas problemáticas, como a das políticas do audiovisual, da história das políticas culturais, do patrimônio material e do patrimônio imaterial, tem tido presença constante em todas as edições do Seminário. Como foi anteriormente comentado é seminário pode ser revelador de uma série de tendências atuais nesse campo de estudos.

Podemos, por exemplo, observar a alternância de temáticas como economia criativa e economia da cultura ao longo dos últimos quatro anos. Ou ainda, verificar como temas como a das políticas para museus vem ampliando o escopo de discussão com a entrada de temas (e de estudos por especialistas em diversas áreas) como acervo, identidade, patrimônio, etnias, turismo e acesso.

A questão da territorialização das políticas, dos programas e das ações ganhou um maior destaque na presente edição do Seminário. Podemos ter como hipótese que parte dessa tendência se dá pela maior ênfase que estudos internacionais, em especial os franceses, vem dando a problemática da cultura e do território. Porém, parte dessa tendência também pode ser atribuída a um processo de ampliação da municipalização das políticas culturais no Brasil, tributária, por um lado, do trabalho de construção do Sistema Nacional de Cultura; e, contraditoriamente, por outro lado fruto de um contínuo processo de desconstrução das políticas culturais no governo federal.

Com presença constante em outras edições do Seminário tivemos ainda as discussões sobre o Programa Cultura Viva e os pontos de cultura, um dos mais bem- sucedidos programas criados na gestão do Ministro Gilberto Gil, transformado em política e em lei, mas também ameaçado pelo estrangulamento orçamentário da área da cultura implementado, ainda mais fortemente no presente ano, pelo governo federal.

Temáticas como diversidade cultural, direito cultural, financiamento à cultura e gestão, podem ser considerados como plenamente estruturados no campo de estudos das políticas culturais, assim como as políticas focadas especificamente nas mais diversas linguagens artísticas.

Essa apresentação não poderia terminar sem um agradecimento especial a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa que sempre tem apoiado a realização do Seminário Internacional de Políticas Culturais, ao conjunto dos servidores que trabalham intensamente para que tudo funcione a contento e aos colegas do Setor de Políticas Culturais pelo incansável trabalho de preparação que dura meses.

Gostaria de fazer alguns agradecimentos especiais. Primeiramente ao curso de produção cultural do Instituto Federal de Educação, Ciência e Técnologia (IFRJ), campus Nilópolis, destacando o prof. João Guerreiro que, há vários anos, vem mantendo uma importante parceria, incentivando aos alunos a colaborarem, como estagiários voluntários, com o Seminário. Em segundo lugar, aos bolsistas do setor de políticas culturais, sem os quais seria muito difícil realizar o Seminário nas suas atuais dimensões. E, por último, um agradecimento superespecial as Pesquisadoras Associadas do Grupo de Pesquisa em Políticas Culturais Déborah Rebello Lima, Clarissa Semensato e Renata Duarte, que trabalharam incansavelmente na realização do Seminário e na preparação dos presentes anais.

Sem essa grande força de trabalho, organizada de maneira extremamente colaborativa, nada disso seria possível.

Boa e proveitosa leitura para todos.

Lia Calabre Rio de Janeiro, 20 de junho de 2017.

Marina Bay Frydberg1 Alex Kossak2 Maria Emília Ribeiro Vasconcelos3

RESUMO: Este artigo busca compreender os processos de oficialização que o carnaval de rua do Rio de Janeiro vem passando nos últimos anos. Esse processo de classificação e categorização da festa, assim como dos blocos e bandas, geram tensões e relações que serão problematizadas em especial entre o poder público e os blocos e ligas/associações. O carnaval dos blocos de rua passa a ser pensado como um campo de disputa por representações em torno de formas diversas de apropriação da festa carnavalesca e da própria cidade do Rio de Janeiro.

PALAVRAS-CHAVE: carnaval dos blocos de rua, poder público, oficialização, disputas.

1 Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense no curso de graduação em Produção Cultural e no Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades. Coordena a pesquisa “Eu quero é botar meu bloco na rua”: Cultura e economia no carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro, que conta com o financiamento da Faperj e CNPq – UFF. marinafrydberg@gmail.com 2 Graduando em Produção Cultural na Universidade Federal Fluminense, bolsista CNPq-UFF no projeto “Eu quero é botar meu bloco na rua”: Cultura e economia no carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro. alexkossak@hotmail.com 3 Graduanda em Produção Cultural na Universidade Federal Fluminense, bolsista Faperj no projeto “Eu quero é botar meu bloco na rua”: Cultura e economia no carnaval dos blocos de rua no Rio de Janeiro. mariavasconcelos00@gmail.com

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BREVE ANÁLISE DAS TENSÕES E RELAÇÕES ENTRE O CARNAVAL DE RUA OFICIAL E O NÃO OFICIAL NO RIO DE JANEIRO HOJE

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O PROCESSO DE OFICIALIZAÇÃO DO CARNAVAL DE RUA CARIOCA

Levando em consideração que é a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro através da Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur), que organiza e regulamenta o carnaval de rua carioca, é caracterizado como carnaval oficial aquele que ocorre dentro das exigências burocráticas que o citado órgão exige. Ou seja um bloco é classificado como oficial quando o mesmo se insere dentro dessas exigências cumprindo assim todos os requisitos institucionais para desfilar nas ruas da cidade durante o período pré-carnavalesco, assim como o de carnaval.

A prefeitura se utiliza de decretos para manter a organização dos blocos de rua e do próprio carnaval da cidade. As políticas de regulamentação do carnaval de rua iniciaram-se em 2009 com o mandato do prefeito Eduardo Paes. O primeiro decreto, que data de 09 de fevereiro de 2009, tinha como objetivo traçar uma série de exigências para que um bloco pudesse desfilar e determinava os órgãos competentes

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A festa do carnaval de rua hoje na cidade do Rio de Janeiro indica uma grande mobilização em torno da folia. Só no carnaval de 2016, podemos pensar em cerca de 600 desfiles de blocos durante o período pré-carnavalesco - entendido como um mês anterior ao carnaval - e carnavalesco - iniciando no sábado de carnaval e se estendendo até o domingo posterior a quarta-feira de cinzas. Somente o carnaval de rua mobilizou no último ano cerca de cinco milhões de foliões, sendo um milhão de turistas, segundos dados oficiais da prefeitura do município do Rio de Janeiro. Dentro da grandiosidade expressa pelos números do carnaval dos blocos de rua hoje podemos imaginar a heterogeneidade de expressões e organizações que a festa carnavalesca integra. É dentro desta multiplicidade de expressões carnavalescas de rua que apresenta-se um debate sobre os processos de oficialização do carnaval, entendido por alguns como medidas para a organização da festa, e por outros como a burocratização do carnaval. Estas medidas de oficialização da festa são tomadas, em grande parte, pelo poder público, especificamente a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, que através de ações legalistas oficializa o carnaval de rua carioca e categoriza blocos, bandas, ligas e manifestações carnavalescas como oficiais ou não oficiais.

Este artigo busca, a partir desse panorama, esboçar uma primeira análise sobre as tensões - em especial as econômicas e políticas - e as relações - materiais e simbólicas - entre o carnaval oficial dos blocos de rua e o carnaval não oficial na cidade do Rio de Janeiro hoje. Para tanto partimos do pressuposto que o carnaval dos blocos de rua hoje caracteriza-se como um campo de disputa de identidades (o que é o não um carnaval autenticamente carioca) e seus consequentes desdobramentos políticos e econômicos (visíveis em termos de investimento/financiamento e de políticas públicas de valorização da festa).

Entender as intersecções entre o campo cultural, político e econômico, com suas diferentes influências e graus de autonomia (BOURDIEU, 1996), constrói-se como objetivo geral da nossa abordagem. Para isso realizamos entrevistas com os agentes públicos e privados responsáveis pela organização da festa e acompanhamos de maneira sistemática notícias e debates em torno do carnaval de rua carioca tanto na mídia hegemônica, quanto nas novas abordagens midiáticas (blogs, redes sociais, etc.). A partir das informações coletadas discutiremos o carnaval oficial e o não oficial a partir dos seus processos de oficialização da festa; das tensões do carnaval não oficial com o poder público; e por fim, das disputas políticas em torno da festa oficial e não oficial dos blocos.

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INTRODUÇÃO

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na organização da festa. Após anos de holofotes voltados exclusivamente para a Sapucaí, os blocos de rua finalmente mereceram atenção do governo a partir de ações de regulamentação e da gestão mais efetiva da festa.

A primeira ação de regulamentação do carnaval de rua realizada pela prefeitura foi o decreto nº 30.453 que Determina as normas e procedimentos para a realização de desfiles de blocos e bandas carnavalescas no âmbito do Município do Rio de Janeiro e dá outras providências. Foi a partir deste decreto que a Riotur se tornou responsável pela organização e logística do carnaval de rua. Foi estabelecido um requerimento a ser preenchido pelos representantes dos blocos contendo informações como: nome do bloco ou banda; número de integrantes; público estimado; local de realização; local de concentração; horários de início e término; formas de apresentação (parado ou móvel); se haverá ou não alguma exposição da marca de algum patrocinador, caso haja, qual o local seria exposta essa marca, se nas vestimentas, nos adereços, nos instrumentos e/ou no carro de som; entre outros.

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(Imagem retirada do decreto 30.659/094) No mesmo ano houve também a publicação do decreto nº 30.659, revogando o decreto anterior, que Dispõe sobre as normas e procedimentos para os desfiles de blocos carnavalescos no Município do Rio de Janeiro, onde foi orientado aos representantes dos blocos para entrarem com os pedidos de autorização na Riotur até o dia 30 de agosto do ano anterior ao desfile com o requerimento preenchido com cópias da documentação do responsável também, quando houver, a da própria banda ou bloco. A Riotur emitiria, assim, uma autorização preliminar, a definitiva seria expelida até o dia 30 de outubro do 4

Retirado de RIO DE JANEIRO (cidade). Decreto 30.659, de 07 de maio de 2009.

Em 20 de maio de 2013, houve a emissão do decreto nº 37.182, criando a “Comissão Especial de Avaliação de Blocos de Rua”5 como o objetivo de avaliar as solicitações de desfiles dos blocos de rua para o próximo ano seguindo os critérios subsequentes: I - a tradição do Bloco de Rua; II - as características do Bloco em relação ao Carnaval de Rua do Rio de Janeiro; III - as características do Bairro/Região onde pretende desfilar o Bloco; IV - a relação que o Bloco de Rua mantém com a localidade/comunidade;V - o local de realização do desfile pretendido; VI - a estimativa de público; e VII - os possíveis impactos que possam interferir no dia-a-dia da localidade. Neste mesmo ano tivemos também a publicação do decreto nº 36.760, proibindo a demarcação de “áreas privadas” nos blocos de carnaval por meio de cordas ou seguranças, com exceção do espaço delimitado para integrantes da bateria ou banda, e também aqueles ligados diretamente na organização do desfile. Em caso de descumprimento do disposto no decreto, ficariam automaticamente cassadas as autorizações já realizadas para os desfiles.

Os decretos foram se complementando ao passar dos anos e com a evolução das experiências carnavalescas, ao passo que o decreto nº 37.182 elabora não só uma construção burocrática do grande evento, mas também uma construção territorial e subjetiva. O decreto em questão aciona termos que são julgados subjetivamente, como a relação do bloco com o local de origem e a comunidade, além da construção de noções subjetivas de tradição ligadas ao próprio carnaval de rua do Rio de Janeiro. Desta forma, o avanço da legislação acerca da oficialização dos blocos buscou traçar mais claramente uma relação com a cidade, tornando oficial o bloco que justificasse sua identidade carioca.

Identificamos uma tentativa de manter uma tradição, e consequentemente uma memória, principalmente pelo decreto nº 36.760, em que proíbe “áreas privadas” no carnaval, apoiado na manutenção da festa de rua do Rio de Janeiro tal qual ela foi proposta ao longo do tempo, de forma gratuita. Para além da proteção ao modelo que hoje é exportado de outras festas carnavalescas, como o carnaval de Salvador, a legislação age também na proteção de um modelo caracterizado como exclusivamente carioca, prezando a gratuidade e a valorização da “espontaneidade”, independente de que significado essa noção possa assumir.

A oficialização da festa fica, assim, a cargo da burocracia, de prazos, de documentação, e embora estejam explícitos nos decretos as questões que envolvem território e memória, estas são negligenciadas. Podemos afirmar que esses decretos disciplinam diferentes procedimentos quanto aos aspectos organizacionais e logísticos do carnaval de rua carioca. Mas o processo de oficialização não se restringiu aos blocos e bandas, mas atingiu a gestão da festa organizada pela própria prefeitura.

5 A comissão é composta por representantes das: I - Secretaria Municipal de Turismo - SETUR/RIOTUR; II Coordenadorias das Áreas de Planejamento (Subprefeituras); III - Secretaria Municipal de Transportes - SMTR; IV Companhia de Engenharia de Tráfego – CET RIO; V – Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos - SECONSERVA; VI – Companhia Municipal de Limpeza Urbana - COMLURB; VII - Secretaria Municipal da Ordem Pública - SEOP; VIII - Guarda Municipal – GM-Rio; IX - Secretaria Municipal de Saúde - SMS; X - duas Entidades representativas dos Blocos e Bandas Carnavalescos, tendo em vista sua tradição e representatividade.

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I – ciência às autoridades de segurança pública e defesa civil do Governo do Estado do Rio de Janeiro, quando aplicável, através de correspondência protocolada; II – ciência à COMLURB, através de correspondência protocolada; III – ciência à Secretaria Especial da Ordem Pública, através de correspondência protocolada; IV – demais exigências inerentes às peculiaridades de bairros e ruas,sempre a critério das Coordenadorias de Áreas de Planejamento (Subprefeituras).

(RIO DE JANEIRO, Decreto nº 30.659, de 07 de Maio de 2009)

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ano anterior ao desfile. A autorização definitiva só aconteceria quando o organizador da banda ou bloco recolhesse a documentação obrigatória em outros órgãos públicos como:

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O CARNAVAL NÃO OFICIAL E AS TENSÕES COM O PODER PÚBLICO Em contraposição ao carnaval oficial se constrói a noção de um carnaval não oficial. Este não é caracterizado pelo contingente de foliões que acompanham cada bloco, ou quantitativo de integrantes da bateria/banda, mas porque o desfile dos seus blocos não ocorrerem dentro das exigências proferidas pela prefeitura. Ou seja, os blocos que não constam na listagem publicada pela Riotur, são considerados blocos não oficiais.

Ser um bloco não oficial no carnaval de rua da cidade do Rio de Janeiro segundo a Riotur implica não estar de acordo com com os requerimentos necessário citados para desfilar, deixando de passar pela triagem da prefeitura sobre o circuito, o tempo de desfile, a expectativa de público, acarretando consequências em toda a logística realizada acerca dos desfiles. Os blocos não oficiais geram à prefeitura 6 Retirado de, http://www.mprj.mp.br/home/­/detalhe­noticia/visualizar/20901;jsessionid=8ktSUPI4f4+wqMs6CjKGrFbP.node1 acessado em 16/01/2016.

7 Retirado de: <http://g1.globo.com/rio­de­janeiro/carnaval/2016/noticia/2016/01/tj­revoga­decisao­que­obrigava­aval­ dos­bombeiros­blocos­patrocinados.htm>l, acessado em 23/01/2016.

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parte da prefeitura, a mesma seria multada em R$100 mil por desfile. Ainda segundo a notícia, “deve ser traçada uma distinção dos blocos que se revelam verdadeiras manifestações culturais populares daqueles blocos com caminhão de som, intenso e planejado merchandising, que levam multidões para as ruas e fazem a exibição de marcas”. Contudo, dias após a decisão, a mesma foi revogada pelo mesmo juiz que a proferiu, segundo reportagem do dia 22/01/2016, O Globo, o “Juiz levou em consideração que o Corpo de Bombeiros recebe uma prévia comunicação da prefeitura sobre quais desfiles foram autorizados, permitindo estabelecer um planejamento com antecedência.”7. O fato fortalece a ideia de que há uma grande influência do campo econômico sobre a regulamentação de políticas para a organização do carnaval de rua carioca. Demonstra, assim, como as ações de oficialização da festa são atravessadas pelo campo econômico, campo este inerente ao próprio processo de legitimação do que seja o carnaval oficial.

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Com a criação do Caderno de Encargos e Patrocínios em 2009, instaurou-se uma parceria-público privada para a organização da festa, nota-se que o aspecto econômico é de extrema relevância para o poder público. Desde o início é uma única empresa que ganha a licitação, a Dream Factory, mesma produtora do evento Rock in Rio. Nos últimos anos a empresa patrocinadora master do carnaval é a Ambev, responsável por credenciar os ambulantes que vendem somente os seus produtos durantes os desfiles. O entendimento da organização e da logística do carnaval de rua pelo poder público se deu por um viés econômico, em que tanto a prefeitura quanto os blocos que conseguirem maior aporte financeiro e de foliões tornam-se mais adequados para o carnaval oficial.

No entanto, em 2016, no dia 15 de janeiro, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), segundo notícia divulgada no site da própria instituição6, por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção da Ordem Urbanística, obteve decisão na justiça obrigando o município a não conceder autorização para os desfiles de blocos, que recebam qualquer tipo de patrocínio, sem que antes os mesmos tenham obtido uma prévia autorização do Corpo de Bombeiros. Ou, seja, os blocos que contam com patrocínio de maior volume financeiro e logicamente que aglomeram um maior contingente seriam afetados a poucas semanas antes do período carnavalesco. Caso houvesse o descumprimento por

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Site do evento:< https://www.facebook.com/events/501119500070170 >, acessado em 04/01/2016.

9 Retirado de,< http://www.tribunadaimprensaonline.com/2016/01/guarda­municipal­ataca­folioes­com.html> , acessado em 04/01/2016.

10 Retirado de, <http://oglobo.globo.com/rio/carnaval/2016/carnaval­nao­oficial­comeca­com­confusao­entre­ambulantes­ gm­18401860>, acessado em 03/01/2016.

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um maior empenho na organização, visto que não são programados com antecedência agentes efetivos de segurança pública, trânsito, saúde, e as demais áreas envolvidas no processo de oficialização do carnaval de rua. Em entrevista dada à pesquisa o ex supervisor de carnaval da Riotur, Alex Martins, falou sobre a organização dos desfiles e disse que “a função da prefeitura é conciliar o desejo à manifestação com o desejo de que essa manifestação não se torne um grande inconveniente para a cidade”. Ou seja, no discurso do poder público são justificados os inúmeros procedimentos burocráticos para manter o controle sobre o carnaval justificados a partir da necessidade da própria logística de funcionalidade prática no território da cidade, segundo Alex Martins, uma das características dos blocos é ser uma “entidade de interferência urbana”.

Neste contexto, é possível compreender os entrelaçamentos da prefeitura na sua posição privilegiada de órgão ordenador, regulamentador e fiscalizador do carnaval, em que as regras da organização são partes de uma disputa entre territórios, patrocínios, legalizações e oficializações, nas quais os descumprimentos geram uma relação desgastante, conflituosa e repressiva por parte do agente que estabelece a lei, ou seja, a prefeitura, e os blocos e ligas, principalmente as não oficiais. No carnaval não oficial as tensões existentes com o poder público ganham, quase sempre, face de ações repressivas, principalmente com relação às políticas de manutenção da ordem realizadas pela Guarda Municipal (GM) e Polícia Militar (PM), por exemplo.

Em 03 janeiro de 2016, um domingo, houve no centro do município o evento chamado Abertura do Carnaval Não Oficial 20168 , divulgado em inúmeras mídias digitais. O evento tinha a proposta de ser um grande cortejo de inúmeros blocos da cidade que de alguma maneira enquadram-se como não oficiais, mas não exclusivamente destes. Havia também no evento alguns blocos oficiais. O cortejo deu início na Praça XV passando por algumas ruas da proximidade, tendo seu final ocorrido na Cinelândia.

Porém, ao chegar próximo a câmara municipal, foliões foram reprimidos com tiros de balas de borracha e bombas de efeito moral pela Guarda Municipal, dispersando assim todos participantes do cortejo e impossibilitando a continuidade do evento. A reação violenta por parte da GM teria se iniciado a partir do momento que participantes do desfile se posicionaram contra a atuação da guarda em relação a ambulantes que vendiam seus produtos no local.

Esta ação teve grande repercussão na imprensa, com reportagens em inúmeros veículos midiáticos.

Segundo notícia no site do jornal Tribuna da Imprensa do dia seguinte, “por volta das 19h40, quando o grupo de foliões chegaram na Cinelândia pulando e cantando aos som de marchinhas de carnaval, foram duramente reprimidos por Guardas Municipais que jogaram bombas de efeito moral, gás de pimenta e disparos com balas de borracha”9. No jornal O Globo, publicado na mesma noite, “os agentes estavam retirando ambulantes irregulares e começou o tumulto, que também envolveu quem curtia o bloco”10.

Conforme outra notícia do site G1, o desfile em si não terminou ali, “mesmo após a confusão, os foliões seguiram com o desfile pela Avenida Presidente Antônio Carlos, no sentido Aterro do Flamengo, e os

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Retirado de, <http://g1.globo.com/rio­de­janeiro/carnaval/2016/noticia/2016/01/confusao­na­abertura­nao­oficial­ do­carnaval­do­rio­tem­dois­detidos.html> , acessado em 04/01/2016.

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12 Retirado de, <https://www.facebook.com/bloqueata.dadesliga/posts/1245072935507593?fref=nf&pnref=story>, 04/01/2016.

acessado em

13 Retirado de, <https://www.facebook.com/boitolo/posts/1010870115638362?fref=nf>, acessado em 04/01/2016.

14 Retirado de, <https://www.facebook.com/sebastiana.carnavalderua/posts/1080689835275146>, acessado em 04/01/2016.

15 Retirado de, < h t t p s : / / w w w. f a c e b o o k . c o m / Vo o s d a o r q u e s t r a / p o s t s / 1 2 9 2 8 5 7 7 7 4 0 6 3 7 7 0 ? c o m m e n t _ id=1292881184061429&ref=notif&notif_t=comment_mention>, acessado em 04/01/2016.

16 Entrevista concedida ao G1, <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2016/noticia/2016/02/folioesdenunciam-truculencia-da-guarda-municipal-em-bloco-no-rio.html>, acessado em 18/02/17.

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músicos que restavam no grupo continuavam tocando”11. Em geral a mídia apresentou o fato de maneira crítica à ação do poder público frente aos foliões, embora se utilizando de termos que minimizavam as ações da guarda municipal em termos do uso desmedido da força.

Além da imprensa, a ação teve repercussão principalmente nas redes sociais com inúmeras moções de repúdio à ação da guarda municipal por parte de blocos e ligas, não oficiais como a Desliga dos Blocos12 e Cordão do Boi Tolo13, e oficiais como Liga da Sebastiana14 e a Orquestra Voadora15. Segundo a nota, comentando o evento ocorrido, divulgada pela Desliga dos Blocos em sua rede social, “tudo transcorria em um ambiente de paz e alegria até uma ação desproporcional e truculenta da GM sobre um vendedor ambulante que se encontrava em meio aos foliões na Cinelândia”. O bloco Cordão do Boi Tolo em sua nota apresenta a idéia de que, “não promovemos desordem, estabelecemos uma ordem carnavalesca com as bênçãos de Momo”, e repudia “a violência a qual foliões e vendedores ambulantes foram expostos na operação realizada pela Guarda Municipal na abertura do carnaval não oficial, no último domingo, dia 3”. A liga Sebastiana, mais antiga liga do carnaval de rua carioca e que seus blocos se enquadram como oficiais, também repudiou a repressão da guarda municipal e apoiou a livre manifestação carnavalesca, “a Sebastiana insiste em afirmar que o Carnaval de Rua, que nesta cidade começou ontem, não pode ser atropelado pelos interesses do mercado, nem cerceado em sua liberdade de manifestação.” Já o bloco Orquestra Voadora, assim como a liga Sebastiana, aponta para o aspecto econômico como causador do conflito, “(...)o alvo dos ataques de ontem eram na verdade os trabalhadores ambulantes que não são cadastrados e não vendem a cerveja que patrocina o carnaval”. Observa-se que os representantes do carnaval oficial e não oficial apontam a questão econômica como motivadoras das ações de repressão por parte do poder público.

Para além deste episódio, a mídia também noticiou outra ação da Guarda Municipal, desta vez no dia 13 de fevereiro de 2016, na zona portuária do Rio. O Tecnobloco, que em 2016 não fazia parte da relação de blocos oficiais da prefeitura, saiu da Praça Tiradentes em cortejo até o local onde as agressões ocorreram, na Praça Mauá. Foliões, em entrevista para o site G1, informaram que “foi uma covardia inexplicável e que não houve nenhuma ação violenta por parte dos civis”16. A GM abriu uma sindicância e exonerou o responsável pela equipe naquele confronto, depois de ver diversos relatos em uma rede

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social sobre pessoas feridas, conforme matéria que foi publicada no site da EBC17.

Esses dois casos são exemplos de como a segurança pública do Rio agiu em relação a alguns blocos em 2016, não exclusivamente não oficiais, mas em sua maioria sim. Por conta da não oficialização, a prefeitura não consegue estimar a quantidade de público que esses blocos recebem, no entanto é a falta de preparo específico da Guarda Municipal para lidar com festejos desse tipo que faz com que os encontros acabam em confronto. Desta forma, o desfile que não conseguiu ou não quis oficializar o seu bloco enfrenta algumas dificuldades a mais que o bloco oficial para assuntos como a garantia de agentes para a cobertura do trânsito, saúde, segurança, etc.

Em consequência destes e mais episódios de violência durante o carnaval de rua do Rio, representantes de vários blocos se uniram num protesto chamado Liberdade, Folia e Luta, no qual relembravam o episódio com o Tecnobloco, principalmente. Em entrevista cedida ao G1, o jornalista Bernardo Tabak, que foi uma das pessoas agredidas pela guarda municipal no Tecnobloco, afirma que “é uma forma de resistência. Para mostrar que a alegria não acaba, apesar das agressões. A praça é do povo, não estávamos fazendo nada de errado e fomos agredidos sem justificativa (...)”18. O protesto contou com a participação de integrantes de blocos não oficiais, como o Cordão do Boi Tolo, e oficiais, como a Orquestra Voadora. A organização foi feita pelo Ocupa Carnaval e a Desliga dos Blocos, esta última uma associação de diversos blocos não oficiais. Através dessas matérias e do depoimento de vários foliões nelas apresentados, percebemos que o carnaval de blocos não oficiais sofre uma maior repressão por parte do poder público, principalmente com ações violentas de manutenção da ordem, intensificando as tensões existentes entre as partes que vão muito além da burocratização da festa.

O CARNAVAL OFICIAL E O NÃO OFICIAL NA ARENA DAS DISPUTAS POLÍTICAS

Alguns blocos do carnaval não oficial são conhecidos pelo seu engajamento político frente aos processos burocráticos colocados pela prefeitura para um bloco desfilar e também ao próprio modelo econômico de parceria público-privado responsável pela gestão do carnaval de rua. Aspectos como a questão territorial, política e econômica se entrecruzam em um posicionamento crítico contra as burocracias impostas pelo município.

Um exemplo desse engajamento é a Desliga dos Blocos, que surgiu em julho de 2009, após o prefeito Eduardo Paes dar início à série de decretos que oficializavam o carnaval através da indicação de cadastramento dos blocos do carnaval de rua. Um dos fundadores da Desliga, Luís Otávio da Silva Almeida, afirma em entrevista para a pesquisa, que ela é um movimento que reivindica o carnaval livre, apartidário e com todo direito que o cidadão e folião tem à rua, à diversão e ao carnaval. Foram lançados desde então três manifestos (Manifesto Momesco, 2010; Manifesto do Carnaval Nômade, 2010; Manifesto do Carnaval de Rua Carioca, 2012), nos quais a Desliga reafirma o compromisso com a liberdade nas ruas, contra o processo de cadastramento na prefeitura. Um deles, o Manifesto Momesco, afirma que “o decreto nº 32.664 da Prefeitura aprofunda o ataque à liberdade criativa e à espontaneidade do carnaval do Rio e o processo de “bahianização” da festa, ao obrigar os blocos a pedir autorizações com seis 17 Retirado de:. <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-02/gm-exonera-responsavel-por-violenciacontra-folioes-no-rio>, acessado em 18/02/17.

18 Entrevista concedida ao G1, <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2016/noticia/2016/02/agredidos-embloco-protestam-contra-violencia-em-ritmo-de-carnaval-no-rio.html> acessado em 18/02/17.

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Com isso, não só o Boi Tolo mas também vários outros blocos não oficiais seguem reafirmando o seu compromisso com o carnaval de rua e seus foliões em não burocratizar a festa, seguindo por percursos alternativos, mudando dias e horários, trazendo a imprevisibilidade ao circuito. O Ocupa Carnaval é outro exemplo de movimento político dentro do carnaval de rua do Rio de Janeiro. Este coletivo20 autodenominase um espaço aberto de articulação política onde não só os blocos de carnaval participam, mas também grupos e coletivos de artes e cultura, mídia ativistas, militantes independentes e movimentos sociais.

Organizam-se principalmente por plenárias em praças públicas e grupos de discussão nas redes sociais da internet21. Segue o manifesto do coletivo abaixo: O Carnaval é o mais belo grito do povo! Ocupamos as ruas com estandartes, confetes e serpentinas mostrando que o Rio é nosso: suas colombinas e pierrôs estão vivos e pulsam.

Abaixo as catracas que transformam a cidade em um grande negócio, onde o lucro prevalece sobre a vida, onde o dinheiro é mais livre que as pessoas. Enquanto capitalizarem a realidade, nós socializaremos o sonho.

Viva a energia da rebeldia. Viva a criatividade das fantasias. Viva o Zé Pereira e o Sací Pererê. A cidade não está à venda e nossos direitos não são mercadoria. Foliões, uni-vos!

Ocupa Eles. Ocupa Eu. Ocupa Tu. Ocupa Geral.

OCUPACARNAVAL! (Ocupa Carnaval , página facebook)

Através de um discurso contra a mercantilização do carnaval carioca, contra a repressão do poder público com relação às manifestações nas ruas e a favor de um carnaval democrático com a ocupação do espaço público, o coletivo se posiciona contra algumas ações da prefeitura frente ao carnaval não oficial assim como a gerência e organização do carnaval dito oficial. Com ações como desfiles com temática 19 Manifesto Momesco disponível em <http://desligadosblocos.blogspot.com.br/2010/09/manifesto-momesco.html> acessado em 18/02/17.

20

Página do perfil nas redes sociais, <https://www.facebook.com/ocupacarnaval/>.

21

Retirado de , <https://www.facebook.com/events/240568363062987/>, acessado em 04/01/2016.

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O bloco cumpre um papel político importantíssimo sendo o que ele é, fazendo um carnaval livre de qualquer ilegalidade, que nem é ilegalidade porque é baseado em decretos ilegais querendo tomar a cidade do seu povo. Então, o Boi Tolo é um bloco que é político pela sua essência, mas ele não faz política, muito menos partidária. Qualquer prefeito que entrar ano que vem, ele vai perceber o Boi Tolo do jeito que ele é, com certeza ele vai ser mais ou menos flexível. Mas dificilmente ele vai dar total respaldo porque outros entes da sociedade vão ser contra. Vocês sabem disso, a cidade está em disputa. (Luis Otávio da Silva Almeida, representante do bloco Boi Tolo em entrevista concedida a pesquisa em 19/02/16).

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meses de antecedência e a cumprir inúmeras exigências (...)19”.

Alguns blocos (principalmente os que reivindicam a Desliga como associação representativa) e os foliões entraram em uma verdadeira disputa pelo território da cidade com a prefeitura, acusando-a de burocratizar o carnaval de rua do Rio e defendendo a liberdade na festa. Um dos blocos não oficiais que seguem o movimento de luta política por um carnaval livre de burocracias é o Cordão do Boi Tolo, que também é representado atualmente pela Desliga dos Blocos e por Luís Otávio. O bloco, que surgiu no carnaval de 2006 (três anos antes do primeiro decreto), gosta da imprevisibilidade no percurso e o entendimento do bloco enquanto uma construção coletiva feita por músicos, foliões e pessoas que chegam para brincar o carnaval no dia da saída do bloco. Na mesma entrevista concedida à pesquisa, Luís Otávio fala que:

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Todas essas manifestações carnavalescas não oficiais apoiam-se no discurso da espontaneidade da festa, esta entendida como uma prática pouco ou nada planejada. Todavia muitos desses blocos já encontram dificuldades, dado o grande público presente, em administrar a folia, seja em termos do trajeto escolhido para o cortejo, da segurança dos músicos e foliões ou, ainda, das escolhas estéticas.

Alguns desses blocos acabam, assim, pedindo autorização da prefeitura para desfilar e passam a serem considerados blocos oficiais. Foi o que aconteceu com o bloco Me enterra na quarta que sofreu duras críticas com relação a mudança de categoria por parte dos defensores do carnaval não oficial.

Tanto a Desliga dos Blocos, quanto o Ocupa Carnaval, estão também reivindicando através da festa a apropriação do espaço público pelo cidadão. Compartilhando assim com Lefebvre (1991) o argumenta de que todos possuímos direito à cidade e a vida urbana, e que no modo como a cidade se organiza essa apropriação legítima e necessária do espaço público só é possível em época carnavalesca. O discurso de direito à cidade serve também para criticar a política mercantilizadora realizada pela prefeitura e intensificada por conta dos grandes eventos esportivos que aconteceram no Rio de Janeiro em 2014 e 2016. Esses grupos criticam, dessa forma, a supremacia do campo econômico no campo cultural apoiada e incentivada pelo poder público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de oficialização do carnaval de rua do Rio de Janeiro realizado pela prefeitura nos últimos anos representou um esforço de regulamentação da festa, mas também da sua categorização. Somente a partir de uma série de decretos passou-se a fazer sentido em pensar em um carnaval oficial e um não oficial, ambos tendo como referência as ações do poder público. Com esse exercício de classificação a prefeitura acabou por gerar mecanismos oficiais de construção de distinção entre os blocos e a subsequente legitimação dos mesmos (BOURDIEU, 2007). No entanto os processos de legitimação e distinção do 22 Retirado de,<https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/entretenimento/2017/02/07/blocos-nao-oficiaislutam-pelo-fim-da-burocratizacao-do-carnaval-do-rio.htm> , acessado em 18/02/2017

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“No nosso caso, não existe uma ideologia em ser não oficial, apenas entendemos que atualmente essa é a melhor forma de se participar do carnaval; na folia com simplicidade, com a liberdade de tomar qualquer rumo pelas ruas, com espontaneidade e alegria, onde todos nós somos foliões na grande festa do Momo”, Reportagem de Leonardo Santana, UOL, de 07/02/17.

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política e paródias de marchinhas conhecidas com letras politizadas sobre diversos assuntos como, segurança pública, direito à cidade , transporte público, o Ocupa Carnaval traz para a disputa política efetiva para a pauta do carnaval de rua do Rio de Janeiro.

Segundo reportagem em colaboração para o site UOL do dia 07/02/17, Aurélio Aragão um dos fundadores do Bloco Secreto diz que “tenho a sensação de que cada vez mais pessoas buscam blocos não oficiais porque é a chance que elas têm de fugir das regras”22. O Bloco Secreto foi batizado assim pelos foliões pois a cada ano o desfile é ressignificado com nome, tema, local e horários diferentes, “não somos um bloco, mas um grupo de pessoas que se junta para tocar ocasionalmente. Oficializar o bloco, para nós, é tão longe da ideia de Carnaval que fazemos, presumir trajeto, repertório, logística não funcionaria no nosso esquema”. Ainda na mesma reportagem o representante do bloco não oficial Vem Cá Minha Flor, nascido em 2015, Leonardo Santana quando questionado sobre os blocos não oficiais afirma:

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carnaval oficial e não oficial ganham significados diferentes dependendo dos agentes que estão envolvidos no processo de classificação. O carnaval não oficial, sua organização e vivência passa a ser amplamente valorizado por agentes como a Desliga dos Blocos, por exemplo, servindo como característica distintiva para foliões e blocos. Ao mesmo tempo que o poder público classifica esse mesmo carnaval como mais desordeiro e passível de interferências mais violentas e efetivas justificadas com o discurso da manutenção da ordem pública.

As tensões e relações entre o carnaval oficial e o não oficial passam a externalizar um campo de disputas materiais e também simbólicas sobre a influência desmedida do campo econômico nas manifestações culturais, não só respalda pelo poder público como incentivada pelo mesmo. O carnaval passa a ser assim disputado em suas práticas carnavalescas, em suas categorizações e nos desdobramentos que essa experiência urbana festiva possa ter na vivência do cidadão com a cidade. Poder público, empresas privadas, blocos, ligas e associações carnavalescas estão disputando as representações sobre a festa e, através dela, das políticas urbanas e dos usos da cidade.

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BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras, p. 244, 1996.

BOURDIEU, Pierre. A distinção crítica social do julgamento. Edusp, 2007.

LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo: Editora Moraes, 1991.

RIO DE JANEIRO (cidade). Decreto Nº 30.453, de 09 de fevereiro de 2009. Determina as normas e procedimentos para a realização de desfiles de blocos e bandas carnavalescas no âmbito do Município do Rio de Janeiro e dá outras providências. Diário oficial do município, Rio de Janeiro, RJ, 9 fev. 2009.

Disponível em: <http://smaonline.rio.rj.gov.br/legis_consulta/31123Dec%2030453_2009.pdf>. Acesso em: 1 fev. 2016.

RIO DE JANEIRO (cidade). Decreto Nº 30.659, de 07 de maio de 2009. Dispõe sobre as normas e procedimentos para os desfiles de blocos carnavalescos no Município do Rio de Janeiro. Diário oficial do município, Rio de Janeiro, RJ, 8 mai. 2009. Disponível em: <http://smaonline.rio.rj.gov.br/legis_ consulta/31123Dec%2030453_2009.pdf>. Acesso em: 1 fev. 2016.

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ALMEIDA, Luis Otávio. Representante do Boi Tolo e Desliga dos Blocos. Entrevistadores: Marina Bay Frydberg. Gustavo Portella Machado e Alex Kossak. Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 2016. 1 arquivo .mp3 (89 min.). :

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RIO DE JANEIRO (cidade). Decreto Nº 32.664 de 11 de agosto de 2010. Dispõe sobre as normas e procedimentos para os desfiles de blocos carnavalescos no Município do Rio de Janeiro. Diário oficial do município, Rio de Janeiro, RJ, 12 ago. 2010. Disponível em: <http://doweb.rio.rj.gov.br/visualizar_pdf. php?reload=ok&edi_id=00001021&page=3&search=decreto%20n%B0%2032664%20de%2011%20 de%20agosto%20de%202010>. Acesso em: 1 fev. 2016.

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Diário oficial do município, Rio de Janeiro, RJ, 21 mai. 2009. Disponível em: <https://leismunicipais. com.br/a/rj/r/rio-de-janeiro/decreto/2013/3719/37182/decreto-n-37182-2013-dispoe-sobre-a-criacao-dacomissao-especial-de-avaliacao-de-blocos-de-rua-na-cidade-do-rio-de-janeiro-e-da-outras-providencias>.

Acesso em: 1 fev. 2016.

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MARTINS, Alex, Supervisor do carnaval de rua da cidade do Rio de Janeiro: Entrevista para a pesquisa.

Entrevistadores: Alex Kossak e Gustavo Portella Machado. Rio de Janeiro, 03 de novembro de 2015. 1 arquivo .mp3 (63 min.).

OCUPA CARNAVAL, Manifesto Ocupa Carnaval, 2014. Disponível em:< https://www.facebook.com/ ocupacarnaval/photos/a.270636726438873.1073741827.270596019776277/274827976019748/?type= 3&theater > Acessado em 26 de Novembro de 2015.

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