Literatura, identidades e carnaval: Uma abordagem comparativa de crônicas de Lima Barreto e João do

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LITERATURA, IDENTIDADES E CARNAVAL: UMA ABORDAGEM COMPARATIVA DE CRÔNICAS DE LIMA BARRETO E JOÃO DO RIO Idemburgo Pereira Frazão Félix, DSc ¹

A presente pesquisa se insere em um estudo mais amplo, que desenvolvo, há alguns anos, na Unigranrio, sobre as identidades e a memória, no carnaval, em obras da literatura brasileira. Mais especificamente, este estudo trata das crônicas de Lima Barreto e João do Rio que têm como tema o carnaval e conta com a participação da bolsista Eveline Roberta Câmara de Jesus, do segundo período de Letras. Menos que tratar dos folguedos carnavalescos, em termos gerais, tais estudos aprofundam reflexões sobre a forte presença do carnaval na memória cultural e na literatura brasileiras. Em um primeiro momento, desenvolvi um estudo intrínseco sobre a crônica enquanto gênero híbrido, que envolve a linguagem, o trato de elementos propriamente literários e a busca da ficcionalidade presente (ou não) nas crônicas de Lima Barreto. Em uma segunda fase, partindo dessa fundamentação nos estudos literários, ponho em diálogo duas crônicas: Sobre o Carnaval, de autoria de Lima Barreto e O bebê de Tarlatana Rosa, de João do Rio. Nessa parte do trabalho, discuto a relação das crônicas com o seu tempo, a Belle Époque, no início do século XX . O texto e o contexto são destacados durante a interpretação, simultanemante à demonstração das diferenças estilísticas e identitárias presentes nas obras. Em um momento em que a noção de identidade vem sendo reavaliada, como se pode peceber na leitura de obras como as de Stuart Hall, Homi K. Bhaba e Zygmunt Bauman, refletir sobre as figurações do carnaval nas crônicas de Lima e Paulo Barreto (João do Rio), torna-se relevante. Tal relevância se amplia, quando acrescentamos que as obras desses dois autores polêmicos, que podem ser considerados marginais, por suas posturas pessoais e artísticas, envolvem também questões que passam por problemáticas como as da exclusão social, das minorias, da etnia e dos gêneros, temas caros às ciências humanas, na contemporaneidade. As crônicas de Lima Barreto e João do Rio são ricas em detalhes sobre o cotidiano do Rio de Janeiro, então Capital Federal, por isso tornaram-se objeto de estudo de inúmeros autores no campo das ciências humanas, com destaque para a história. O período de governo do prefeito Pereira passos, com a modernização do centro urbano da cidade, a construção de monumentos marcantes da identidade carioca e, por extensão, brasileira efetivamente se apresenta como campo importante de estudo. Os estudos literários da última década do século XX e da primeira do terceiro milênio também destacaram o período da chamada bela época, dando relevância às obras de Lima Barreto e João do Rio. Obras como as de Richard Sennet (O declínio do homem público) e as de Walter Benjamin foram utilizadas para refletir sobre as instâncias da modernidade. Benjamin, com seus estudos sobre tipos humanos característicos do final do século XIX, como os boêmios, os flaneurs e os dândis, auxiliou os pesquisadores em sua busca de compreender não apenas as ocorrências do período da Belle Époque, como, principalmente, perceber as semelhanças e diferenças marcantes nessas duas "viradas de século". Minhas pesquisas e a de minha orientanda do Projeto de Iniciação Científica (PIIC) têm como resultado a percepção de que embora, em temos literários, os perfis de Lima Barreto e João do Rio sejam bastante diferentes, no que diz ao trato da exclusão social, há alguns elementos convergentes. O centro e a periferia da cidade, destacados por esses dois escritores, podem ser comparados a espelhos identitários, em que as atitudes dos cronistas diante dos fatos jornalísticos transformados em crônicas, também refletem o posicionamento pessoal de cada um. Ou seja, enquanto João do Rio parte das luzes, dos aspectos feéricos do início do século XX, apontado para a agitação e para as mudanças da cidade, Lima Barreto arma seu front, na periferia. João do Rio é um flaneur que paira sobre a cidade, apresentando características peculiares marcantes. Mesmo sem deixar de apresentar

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