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Osvaldo Bifulco 57 e

Longa é inspirando na peça homônima de Samuel Beckett ESPERANDO GODOT/DIVULGAÇÃO/JC Em nossa sociedade, isto é, em Pindorama, pasmem os céticos, que acreditam na chegada de Godot e o esperam como um Messias, que longe de qualquer contexto religioso seria uma imitação barata e desfocado do original.

Estando em vésperas de eleições, o Godot que poderia chegar ao nosso povo, ou melhor dizendo aos expectadores nacionais, seria o salvador que poderia reduzir a miséria, melhorar a distribuição de rendas, efetivar o saneamento básico, criar novos empregos, reduzir a inflação, amenizar a endemia da corrupção que assola o país, tirar a educação da UTI, sanear a saúde pública e redefinir nossa cultura e tecnologia Obs. Deixo de citar dados, porque a imprensa fornece diariamente os montantes estáticos.

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Vladimir e Estragon talvez se tornem fundamentalista na torcida de que Godot pode chegar, mas o que esperam com doses fortes de torcida nunca vai chegar. Termina o tempo do espetáculo no qual todos vivem a expectativa e para desilusão geral ele não chega.

O Godot destes tempos tem uma noção secreta de sua própria inutilidade, sabendo que só pode fomentar esperanças enquanto não chega para as plateias que o aguardam.

Os povos, especialmente o brasileiro, que na realidade é um mero expectado das mazelas sociais, tem a ilusão de superar a realidade encarando um milagre de um fajuto Messias, ao invés de ir à luta pelos seus direitos.

Aguardam um Godot, seja ele de direita ou de esquerda, com propósitos novos e milagrosos, mas como em vários países da Europa como aqui em Pindorama o despotismo vence.

Os personagens da peça de Samuel Bekett, Estragon e Vladimir se entregam à espera da vinda de Godot. Espalham piadas e divagam, e esperam Godot que como realidade é pura cilada.

E assim passam os ânimos esperançosos, os embates fundamentalistas, a propaganda mentirosa de seus falsos messias, o dinheiro público usado em mordomias escandalosas e o povo inocente e esperançoso com a vinda de Godot.

Literatura e Vida A mulher que tinha certeza dos milagres

Sonia Fernandez

Trata-se de um conto da tradição viva, contido n´O guerreiro invisível e outros contos do tempo (2014) que, como o nome indica, nos remete a um tempo que pode ser o nosso, o do mundo antigo, o dos persas, por exemplo, ou o de qualquer momento da História, em que a pobreza, a tristeza, a frustração, a desilusão e a fome abatem profundamente a vida das pessoas, como acontece com o homem, um dos personagens deste conto. Para o outro personagem, a mulher, sobra, assim como na vida real, sucumbir junto com o companheiro, ser criativa, como se espera nos dias de hoje, ou, para uns raros e escolhidos pela sorte, a certeza de que tudo sairá como o previsto. Essa é justamente a perspectiva da mulher “que tinha certeza dos milagres”. O narrador do conto nos coloca frente à diferença de postura de homem e mulher, captada e transmitida desde tempos imemoriais. Assim, a melancolia e a ingenuidade, a providência divina e as providências humanas são apresentadas de forma exemplar. O imediato e o passo a passo. A figura e o fundo. Mergulhada que ando, há anos, na literatura moderna, havia esquecido da riqueza e beleza dos contos tradicionais, o que pude resgatar participando do curso de fim de semana pensado e levado à vivência pelas competentes Nicia e Julia Grilo, da Escola de Arte Granada, recolhida em São Pedro da Serra, Nova Friburgo-RJ.

Devido aos anos de distanciamento, fui surpreendida pelas sutilezas do conto e minha atenção se voltou, especialmente, para a manifestação do desejo do homem “comer um boi inteiro” - a figura - frente ao repetitivo menu cotidiano - o fundo – manifestação essa, imediatamente acolhida pela mulher. O dizer - a figura - é elevado ao plano do concreto, no qual as atitudes falam mais alto do que o imponderável - o fundo -. Mais surpreendente, ainda, são as atitudes da mulher,

divulgação atitudes derivadas da certeza e a certeza tem tudo a ver com a confiança. Uma confiança que não se explica em termos da realidade, se não em termos ritualísticos. Fiquei fascinada. Quando não se tem nada, resta a esperança. Porém, a esperança dessa mulher, em particular, é uma esperança do verbo esperançar (Paulo Freire por Cortela). Pois ela leva ao pé da letra a manifestação do marido: “um boi macio e dourado no espeto, ... amigos sentados em almofadas macias numa casa nova”. E passa à ação: dá a casa a uns pobres mendigos, corta o tecido para as almofadas, separa a lenha para o fogo e põe-se diante da casa à espera do boi para cozinhá-lo. Não é espantoso?! Enquanto isso o marido se acabrunha diante de tanta “ingenuidade” e se vê miserável, numa escala que foi da pobreza à miséria.

Mas, ai, entra a surpresa estrutural: o velho improvável, as azeitonas, a oferta de trabalho, o jardim, as flores e a fonte. A água e debaixo dela, a pedra. Em um canto, as moedas de ouro empoeiradas. A necessidade de limpá-las para, ao final de dez dias, receber um terço do tesouro. Ah o tesouro: pura maravilha! Sem ele não há recompensa pelas atitudes corretas. E o bonito é que o homem não titubeia diante da sorte. Com sua parte do tesouro compra a casa, manda embelezar a mulher e que a levem para conhecer a casa sonhada. Que importa que o velho tenha morrido e não tenha deixado herdeiros. Ele fez seu trabalho e a paga é certa. Só não era certo que houvesse a casa para chamar de sua. Detalhes resolvidos, a mulher adentra à casa com a certeza de que tudo aquilo estava previsto. E o mais bonito é que ela não se esquece do boi, desejo manifesto, que servira de mote para que a história se desenvolvesse. A hipérbole vocalizada “um boi inteiro”, guardava uma fome incontida, que merecia a companhia de amigos, para ser aplacada. Para completar, a comodidade das almofadas macias. Abundância e beleza. Tudo que os mais simples almejam. Todas essas mostras de complexidade, sutileza, delicadeza nos são apresentadas, em menos de três páginas. E, em nada essa fome se assemelha à fome que grassou na primeira Buenos Aires. Lembram que fiquei devendo algo dos mitos da história argentina. Pois nada como a lembrança da fome para identificar casos, personagens e histórias fabulosas e verdadeiras que têm modos de aplacá-la ou de lembrar o leitor que mitos são feitos de barro. O mito inaugural da História Argentina, pois, refere-se ao piloto maior, Juan Días de Solís, designado pelo próprio rei Don Fernando “o católico”, para provar ou mandar provar a água do rio da Prata, assim chamado pelos portugueses, o que deveria conferir-lhes a propriedade daquelas terras em oposição à opinião da coroa espanhola que, tendo aprovado o “mar dulce”, provado por Solís,

exigia para si a posse das terras banhadas pelo assim chamado Río de Solís. Com razão ou sem razão das duas partes, o nome que vingou foi o de Río de la Plata. Em compensação, a região ficou mesmo pertencendo à Espanha e não a Portugal. Quanto a Solís, que chegou atirando a torto e a direito e acabou flechado, tanto há registros que atestam que foi comido pelos charruas, na sequência, como há os que negam. Para mim, no entanto, vale que Borges (o escritor Jorge Luis Borges) deu crédito ao banquete em que, digamos, Solís foi o boi servido. Borges deixou prova disto na obra “Fundación mítica de Buenos Aires” e esse foi apenas o começo de uma série de equívocos sobre os povos originários do rio da Prata. O outro equívoco tem mais a ver com a fome propriamente dita do que com a comida. Os querandis (gente com gordura), chamados assim pelos guaranis, pois se alimentavam de gordura de peixe e de guanaco, viviam tranquilamente da caça e da pesca nas terras conhecidas como pampa. Até que Pedro de Mendonza, escolhido pessoalmente por Carlos V, o neto de Don Fernando, o católico, para tomar posse e povoar as terras a que Solís tinha alcançado, mas que ficaram esquecidas até 1536, porque os povos originários não queriam saber de gente que chegava sem ser convidada e sem obedecer as devidas praxes (pois eles também tinham as suas). A princípios desse ano, Mendonza fundou oficialmente a cidade de Santa Maria de Buenos Aires, criando o “Cabildo”, como um dos seus primeiros atos de governo. Ato contínuo, começou a repartir as terras que não eram dele. E isso deu início a um dos equívocos da descoberta e conquista da América, caso particular da Argentina. O equívoco, portanto, residiu no fato de que os querandis, ao contrário do que rezou a lenda, não passavam fome, mas, passaram a passar, conforme os cercos de Mendoza aumentavam e a resistência deles ia sendo minada e a carne de peixe e de guanaco escasseada. A sorte de Mendonza, entretanto, não foi melhor, porque apesar da sua gulodice (é o que consta) voltou à Espanha, depois de muitos contratempos, fugindo justamente da fome que atingiu a cidade de Buenos Aires, depois que ele mesmo contribuiu para dizimar a população de querandis, aqueles de quem também os espanhóis dependiam para alimentar-se (nobres não caçam, não preparam a comida!). A história de Mendonza é exemplar daqueles

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