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Contrastes (ou a viagem do vagalume).
“¡Aguente! Já devemos estar perto. O que acontece é que já é tarde da noite e devem de ter apagado a luz no povoado. Mas pelo menos você deveria ouvir se latem os cachorros. Faça por ouvir.”
“No oyes ladrar los perros”, “El llano en llamas” - Juan Rulfo.
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Os grandes contrastes entre o campo e a cidade, as diferenças marcadas entre a vida rural do interior e as grandes cidades, em função do desenvolvimento tecnológico, os problemas econômicos, sociais, de infraestrutura e serviços que são causa e efeito das imigrações em massa do campo para a cidade, em busca de melhores esperanças de vida, sem ser um fenômeno recente, são uma das mais prementes problemáticas do mundo contemporâneo. Nos países da América Latina, especialmente no contexto histórico, econômico, político e social, gerou nas últimas décadas, um aumento sem precedentes das cifras de imigrantes do campo à cidade. Como se tratasse de uma viagem em direção à luz, o homem-pirilampo perseguindo o sonho do progresso.
Contrastes (ou a viagem do vagalume) é uma exposição que propõe através das obras visuais dos artistas Gerson Fogaça e Pitágoras Lopes, um comentário crítico ao redor das problemáticas sociais e meio-ambientais que, como resultado das imigrações do campo à cidade, entre outras razões, geram superpopulação das grandes cidades. A poluição ambiental, a superlotação, a marginalidade, a pobreza, a violência, o stress, o medo, a desumanização do indivíduo, a perda de identidade, o consumismo e a banalização, o horror do tráfego, da velocidade, do movimento, e as múltiplas máscaras com as que o homem-pirilampo se disfarça para sobreviver na selva de asfalto são os temas que nos remetem a obra de cada um desses dois artistas. Seus autores também são homens-pirilampos, e em primeira pessoa nos narram sua experiência de viver entre as luzes da cidade grande.
Contrastes (ou a viagem do vagalume), também é um chamado de atenção para uma maior tomada de consciência e alvedrio político do desenvolver cultural, econômico e social das cidades do interior. Neste sentido, Contrastes é um realce dos valores do campo, de sua cultura e de sua gente, em contraposição à vida agitada das grandes cidades; é uma homenagem às tradições e à vida nas cidades do interior do Brasil, e de Britânia, particularmente. Não é um olhar bucólico ao campo, mas sim um reconhecimento aos seus rasgos genuínos e autênticos que conformam a alma brasileira. Seus autores são artistas de trajetória internacional, e quiseram fazer uma viagem inversa, por um momento, às problemáticas comuns. Este pequeno gesto pode servir de espaço de diálogo.
Gerson Fogaça e Pitágoras Lopes querem trazer até Britânia um fragmento da luz da cidade grande contida em suas telas. Mas sem falsas miragens. Esta grande cidade é uma cidade que uiva e resplandece e explode de cor. Escutemos. A cidade está perto, já se ouve latir os cachorros.
O mundo que conhecíamos não é mais o mesmo, os acontecimentos internacionais dos últimos anos apontam para uma realidade cada vez mais distópica e apocalíptica. Não é apenas a pandemia de covid 19 que nos fez reconectar com nossos demônios físicos e emocionais, naqueles dias de confinamento que duraram meses, e que já ficaram como uma marca imperecível na memória coletiva de várias gerações. Nem a crise econômica mundial à porta da esquina, nem os conflitos internacionais que se multiplicam além-fronteiras e que pressionam por uma nova geopolítica e uma nova ordem mundial, em meio a conflitos sociais e lutas por direitos humanos fundamentais, invisibilizados durante séculos e que agora emergem sob a pressão coletiva das redes sociais. E sim, não é só isso, embora sejam todas causas e consequências, diluídas aqui e ali, mas nada mais são do que a ponta do iceberg de uma realidade ainda mais perigosa e alienante: uma sociedade global que caminha para o seu próprio desaparecimento, como espécie que literalmente comeu o solo sobre o qual anda, secou as águas e poluiu o ar; e isso transformou os seres humanos em autômatos consumistas e egoístas.
Nós homens construímos um mundo tecnológico baseado em recursos que estão se esgotando e estamos ficando sem suprimentos em um curto prazo. Nós, homens, como muitas espécies animais, também estamos em perigo de extinção. De que serve então a arte se não tentar salvar a vida? De que serve a sensibilidade artística senão tocar, onde os outros não alcançam, o sentimento humano? A obra pictórica dos artistas Gerson Fogaça e Pitágoras Lopes representa esse compromisso de salvar vidas através da arte. Cada um deles, a partir de suas pesquisas e experiências individuais, desenvolveu uma carreira que os distingue. Gerson Fogaça desconstruiu repetidamente a paisagem, quebrou o espaço e as formas, para derivar numa abstração que, no entanto, continua a falar dessa realidade latente e avassaladora que nos rodeia. As explosões de cores, traços e texturas são cada vez mais eloquentes ao comentar o caos do ambiente e do espírito. Parece que pouco resta culturas, notícias, mídia e a própria realidade, até mesmo criando seus próprios mitos. E não são estes, os de inventar asas para voar e mundos possíveis, mais do que estratégias de sobrevivência para o ser humano? Os vaga-lumes, aqueles insetos luminosos que evocam a nostalgia do cheiro do orvalho e do pôr do sol do campo, correm o risco de extinção, pois a luz e a poluição ambiental das grandes cidades os impedem de se reproduzir em seu habitat natural. O Cerrado não escapa disso, sendo uma das regiões do Brasil onde as diferentes espécies de vaga-lumes diminuíram significativamente nos últimos anos, o que constitui uma medidor biológico dos danos ao meio ambiente na região.
Os humanos não têm a capacidade de emitir luz, mas alguns escolhidos podem reproduzir a luz e as cores do mundo, e recompô-las em uma tela. Trata-se, então, de um convite de dois conhecidos mestres, Gerson Fogaça e Pitágoras Lopes, para acompanhá-los no seu voo rumo à luz.
Dayalis Gonzalez Miami, 25 de outubro de 2022
Confira a exposição virtual