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Profissionais das áreas de manutenção e limpeza enfrentam indiferença e baixos salários

Essenciais, mas pouco valorizados

Indiferença da sociedade em relação aos trabalhadores das áreas de manutenção e limpeza tem raízes no nosso passado escravocrata, avalia sociólogo

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Fernando Bertrand Luca Ferrari Mauro Sigrist

Os trabalhadores da área de limpeza e manutenção de espaços públicos são, de forma geral, desvalorizados. Muitas vezes passam despercebidos, sem receber um simples “bom dia”. Esses profissionais realizam funções essenciais para a sociedade. Uma prova disso é que eles estavam dentre os profissionais que não puderam se dar ao luxo de trabalhar de casa e, assim se proteger contra o novo coronavírus, durante a fase mais dura da pandemia de Covid-19. Muitos deles contraíram o vírus e morreram. Uma pesquisa feita pela Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) em junho de 2020 em 23 capitais do país mostrou que o número de trabalhadores da limpeza urbana infectados pelo coronavírus foi quase cinco vezes e meia maior que o de infectados na população brasileira em geral. O número de profissionais mortos pelo vírus foi seis vezes a mais que o resto da população.

Os riscos que esses trabalhadores enfrentam são muitos. Rodrigo da Silva e Cláudio dos Reis são funcionários da área de manutenção do Condomínio Porto Seguro, localizado no bairro da Casa Verde, na zona norte de São Paulo. Eles afirmam que frequentemente correm perigo de levar um choque ou sofrer uma queda, pois trabalham muito com a parte de elétrica do condomínio e estão o tempo todo subindo em andaimes e escadas. Rodrigo lembra de uma situação em que ele estava instalando uma das bombas da piscina do condomínio. “Tomei um choque e passei mal por um bom tempo. Fiquei alguns dias com o braço doendo e meio dormente. Até hoje tenho receio de voltar a fazer esse tipo de serviço.”

O acidente com Cláudio dos Reis ocorreu quando ele precisou fazer uma manutenção em um quadro de luz. “Quando eu ajoelhei para mexer no quadro, acabei apoiando meu joelho em uma poça d’água e tomei um choque feio.”

Rodrigo e Cláudio destacam que gostam do trabalho na área, pois mantém amizade com todos da equipe e com os moradores. “Os momentos de bate-boca são poucos, só quando alguém vem gritar ou brigar com a equipe”, afirmam.

Vânia do Nascimento, trabalhadora da equipe de limpeza de uma das torres do Condomínio Porto Seguro, diz que os funcionários podem correr muitos riscos, por exemplo, quando estão limpando as escadas e a luz acaba apagando sozinha, por ser de interruptor em vez de sensor. Nesse caso, sempre há a chance de tropeçar no escuro, ao procurar o interruptor. “Dependendo dos produtos que usamos na limpeza das áreas comuns, precisamos usar equipamentos de proteção, pois muitos são perigosos em contato com a pele”, completa.

William Moreira da Silva, trabalhador da área da limpeza do campus Higienópolis da Universidade Presbiteriana Mackenzie também elenca alguns riscos. “Um dos perigos é quando vou mexer nas lixeiras para trocar os sacos e posso acabar encontrando alguma coisa que corte, tipo um vidro ou palito de churrasco.” Para evitar esse tipo de acidente, ele é bastante cauteloso na hora de retirar o lixo. “Para os alunos me ajudarem, seria interessante tomarem mais cuidado com o que jogam nas lixeiras”, diz, em tom de um pedido.

O professor de História e Sociologia João Pedro Mendonça destaca que para entendermos por que os trabalhadores da limpeza e da manutenção não são valorizados precisamos voltar ao nosso passado colonial, para analisar como a nossa sociedade foi sendo formada. “No perfil desses trabalhadores existe um claro recorte de raça e classe social e esse recorte determina a maneira como a sociedade os enxerga, com os estereótipos. Antigamente, esses trabalhos eram realizados pelos escravizados [os povos africanos sequestrados da África pelos portugueses] e, por isso, eles não têm um prestigio social”, explica.

Após a Lei Áurea, a mão de obra passou a ser remunerada, mas João Pedro Mendonça explica que, mesmo com a abolição, esses profissionais não seriam bem vistos. “Isso pelo fato de se tratar de empregos mais insalubres. São trabalhadores que, independentemente dos documentos que tiverem e apresentarem, sempre serão explorados e mal remunerados”, completa.

Da esquerda para a direita: Rodrigo e Cláudio que trabalham na área de manutenção

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