O Fio de Ariadne

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O Fio de Ariadne

Ghisleni

Abreu

Vianna

Adriana Vitorino Elisabete

Moraes

Edra

Christine

CĂŠlia Musilli

Samantha





O Fio de Ariadne

Ghisleni

Abreu

Vianna

Adriana Vitorino Elisabete

Moraes

Edra

Christine

CĂŠlia Musilli

Samantha


Copyright © 2014 ISBN 978-85-62586-39-2 Londrina - 2014-03-17 1ª Edição Coordenação Editorial Christine Vianna Capa, Projeto Gráfico e Editoração Marco Tavares Ilustração de Capa Daniele Stegmann Produção Christine Vianna Edra Moraes Apoio Cultura Inglesa

Rua João Pessoa, 103 A - Londrina-PR - CEP 86020-220 atritoart@gmail.com - www.atritoart.com.br


Ă?NDICE

Adriana Vitorino. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07 CĂŠlia Musill. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Christine Vianna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Edra Moraes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 Elisabete Ghisleni. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Samantha Abreu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37



adriana vitorino


Ninho Eu não preciso de você Eu posso comer amora no bosque Eu posso dormir dançando na chuva Eu não preciso de você Estou no ninho com a asa quebrada dilacerada Você vagando por aí... Se você cantar pra mim Te convido Pra voar comigo.

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Precipício Quero um amor como um vício sem sacrifício Quero um amor como um vício sem precipício

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Fenda Deus me olha estou de รณculos escuros o amor desce as vendas cura as fendas 10


Chama de rom達 Olho-me no espelho do orvalho da manh達 hora do xam達 que chama rom達

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cĂŠlia musilli


Advertência Posso me apaixonar, senhor? Olha que o desejo não é pianíssimo, é urro, gemido de floresta no escuro, sinfonia selvagem. Ainda assim, visto azul para disfarçar evidências, até quando? Bandeira, adereços esvoaçando nos pulsos, transparência cigana, tambores cardíacos, vitalidade explícita como o sexo em que tudo é rítmico, um figurino de dança. Antes mesmo já sabemos a resposta. Posso me apaixonar, senhor? A imaginação toma corpo, fetiche de tecido orgânico, vestido de tule, camadas que se desfazem na própria pergunta. Não era mais questão de saber. Quando a mulher despe organzas, a última fita nos quadris a coloca disposta a rumbas. Erotismo, indício de estrelas incandescentes, matéria diáfana com uma potência dos diabos. 14


Paixão em origami (uma carta, quase um blues) Não fuja baby, há muita história pra rolar, geografias a percorrer, uma aventura a dois tem um grau de intimidade que nos tira do chão e nos coloca num espaço inimaginado, onde não há razão, só coração, órgão máximo da delicadeza, vaso onde nascem flores de origami que moldamos entre os dedos, fazendo carícias, descobrindo formas de amar. Quando a aventura é grande e a viagem longa, entregamos as identidades e os RGs, vamos em busca daqueles outros que habitam em nós, embora nem sonhássemos com eles na vizinhança. Você tirou algumas outras de dentro de mim, aquelas que dançam rumba, vaporizam perfume no ar, celebram a vida, pelo fato de serem carne que se entrega e arrepia, muito além de um osso duro de roer. Havia tantas lá dentro. Escondidas entre os véus, me espreitando como odaliscas que me habitavam e eu nem sabia. Ou havia esquecido, entre um passo de dança e a necessidade urgente de voltar pra casa, colocando uma a uma em disciplinado silêncio, sem música para não despertar seus sentidos.

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Mas estes desdobramentos, estas vozes, estas mulheres teimam sempre em acordar do seu sono profundo, nascidas das memórias que as fazem únicas, herdeiras da aventura de amar. Penélopes e Alices, Helenas e Yokos sopram em meus ouvidos uma canção de coragem, um ato de ternura que irrompe como um animal, entre dengos, sobressaltos e murmúrios. Elas permanecem ali, por um tempo, inspirando-me histórias de Sherazade, num plano de criatividade ao qual dou voz, neste instante, narrando a mesma história, que parece sem fim... Era uma vez tantas vezes. Então, não fuja baby. Há muita história pra rolar, acontecimentos que não se adivinham. Quando nos despimos pra valer há um encontro indizível, uma possibilidade de descobertas que só se fazem a dois, antes que o dia amanheça e a gente pegue o RG como se fossemos um, embora tenhamos sido tantos outros que emergem, se escondem, viajam até as estrelas, desembarcam no quarto. Até a próxima vez, quando o pássaro nos acordar do mistério. (Texto do livro Todas as Mulheres em Mim/ 2010)

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Ariadne morreu distraída Ela tinha uma visão de vidro que iluminava escuros, dedos que faziam arabescos em superfícies frias, sabia o gosto das lágrimas porque era íntima do sal, ouvia passos de insetos em silêncios insondáveis, adivinhava o perfume em frascos vazios. Tinha os sentidos multiplicados como um alarme orgânico cujo DNA transbordou. Por isso, acusava alegrias e angústias como um sismógrafo e acidentava-se com facilidade. Morreu ao tomar 30 soníferos enquanto assistia a um filme, confundiu as pílulas com pipocas. A vigésima nona engoliu às pressas, achou que o espasmo na boca era a cena final. Fechou os olhos ao beijar James Dean, isso sim era amor. Diante disso, o laudo médico apontando clonazepam no sangue não tinha a menor importância. Sempre soube que a realidade padecia de uma falta enorme de imaginação. O laudo poético seria: Ariadne morreu distraída. Muito mais bonito.

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christine vianna


I wonder if you still remember all the things we used to do I wonder if you still remember All the things we used to do I wonder if you still remember All the things we used to do Algumas coisas são melhores se ditas ou escritas em inglês Ela lembra das coisas que não fizeram e procura por fotos suas no facebook ou algum indício que você esteja sozinho I wonder if you still remember All the things we used to do Nada impede esta maldição Ela já tentou pó de hóstia, água benta, dente de alho só serviu pro mau hálito, outros lábios foram bem vindos, mas de nada adiantaram O amor é surdo até aos esconjuros das bruxas… 20


Se amor é vício te encontro no precipício escuta bem não esquece vou te dizer ao pé do ouvido fada era bruxa príncipe era sapo e há três coisas entre nós que são um desacato: riscos na madrugada teu cheiro no corredor a outra não lembro mas se amor é vício (te) encontro no precipício.

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Pra ser lido ao som de um blues não sei se entende mas antes que eu beba esta última dose de whisky eu tenho (te) que dizer talvez eu deixe a porta aberta pra você entrar sem bater talvez depois você diga que a ama mas eu ofereço minha nuca em sacrifício o irremediável canta em meus ouvidos e eu não tenho forças pra resistir meus demônios bebem vodka e não querem que eu escape de você talvez eu queira que você dance comigo a noite inteira meus demônios bebem vodka e não querem que eu escape de você

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Repara A foto ainda não amarelou e você já quer fazer as malas não quer mais minha mão pra atravessar a rua nossa memorável dança onde rodávamos até quase cair já não mais atrai. Você podia amadurecer mais um pouco antes de ir Podia pedir panqueca Sanduíche na esquina ou pra passear no lago Repara que eu to fazendo um malabarismo pra não imergir Você podia amadurecer mais um pouco ante de ir Mas nunca somos nós que damos as cartas E isto nunca foi segredo. 23



edra moraes


o deserto pensando ainda ser mar sonha, faz onda e muda as brancas dunas do lugar

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e se não for amor, como eu me perdôo deste cio selvagem, desta exposição de entranhas destas palavras ridículas.

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do nosso leito de mentiras vigio a verdade que nos espia do guarda-roupas vazio

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eu te queria num parto inverso nĂŁo em verso parir-te, enfim, para dentro de mim

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elisabete ghisleni


Chuva no bananal folhas secas farfalham nas falhas enquanto isso as garças comem carrapatos as falas do japura´ nas calhas do lambrequim distraem o colibri atento à flor suspensa flor que exala sua cor a curruira busca restos de outono galhos finas folhas secas macias painas para fazer um ninho dentro do oco de um crânio que um dia foi os olhos de uma vaca vaca atenta às canelas finas de um sabiá sabiá que procurava ávido por borboletas distraídas flutuando no outono o bem te vi está em toda parte parte de um todo que um dia foi a casa dos que não mais existem seus bosques ficaram seringueiras paineiras laranjeiras 32


e mangas ai mangas enquanto isso eu e minha bananeira lรก no fundo do quintal esperamos eu pela florada na paineira ela pela chuva no bananal

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Tela (bela dona in óleo sobre lago) vento no lago azul petróleo lago largo trêmulo superfície de sem luas profundidade a óleo ela é florista com sua cesta delírios na névoa branca dança seus abalos ígnea louca infinda mulher de sombrolhos grossos deslinda sua nova issa

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ando meio leve meio solta como lingua dentro da boca

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samantha abreu


Faz sol Logo agora que a chuva parou, que voltamos a ter vinis na estante. Agora, bem agora que não queremos mais ter tudo, pois estamos de folga, que não precisamos calçar sapatos, que a lua de mel mora no sofá de veludo. Bem agora. Estava chovendo antes de ser hoje. Antes de ser este cabelo ruivo secando com o vento, antes de ser vida acontecendo a partir das dez da manhã. Mas dormir é sonho que também é noite. Bem agora que dormir é sonho, eu escuto esses gritos lá fora e corro pra ver a morte, o ardor, a bomba. Bem agora, bombas. Explosões que não são coloridas e a gente querendo um banho morno seguido de pijama, cama pra dois, nossa comida. Bem agora que acabou a comida, que o sapato aperta, que a gente desaprendeu a dançar, já não temos cabelos nem sono nem os sonhos. O que é que a gente vai fazer quando a guerra acabar?

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Acaloramento de dentro Tenho a lava que se eleva, um fervor na medula. Nenhuma recomendação de gelo alivia, quando estou no centro do fogo. E se chama, ouço queimar. Não há saída que não seja para o alto, no céu onde ele está, acalorando espaços entre braços e dentes. Quando caí, ficou um sol inteiro orbitando em mim.

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Todo homem é uma ilha Existe um espaço entre eu e você, talvez, um mínimo espaço onde nossa matéria tente ser a mesma, mas não consiga, onde meu corpo insista em ocupar o mesmo lugar do seu, mas ainda seja apenas eu. Existe esse espaço, Feito do mesmo oxigênio presente em um terço da água. Um vão que pode ser água entre nós dois: Todo homem é uma ilha isolada, Sr. John Donne. 40


Manual de Serenata ao Ouvido É como se no centro de todo barulho tudo, de repente, fosse eco. Ressonância dentro do vácuo e todo o cenário em câmera lenta. Eu-estátua enquanto o mundo flutua agitado e implora: pressão nos nervos e pescoço pulsante. Medo do agudo de fora, medo do escuro de dentro, cisma com a música que ele sussurra enquanto entra e faz serenata. Ninguém vê enquanto a vida se arrasta, só eu e você.

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Adriana Vitorino: arte educadora. Sempre escreveu, nunca publicou. Quando enlouquece vira um novelo que desenrola quando canta. Célia Musill: jornalista, cronista, poeta, frequenta labirintos, guarda as pérolas e come as ostras. Na falta de uma linha, puxa o fio de Ariadne. Christine Vianna: professora, diretora do Festival Literário de Londrina e Vila Cultural Cemitério de Automóveis. Fala poemas na Banda Benditos Energúmenos. Quando enlouquecer de vez vai cantar. Daniele Stegmann: formada em desenho industrial, mas atualmente trabalha como artista plástica e ilustradora. Edra Moraes: produtora cultural, idealizadora do Movimento Londrina Criativa. Seu livro de estréia - Da Divina, Da Humana e Da Profana. Senta-se à roca para desfiar a palavra, até que feita fio ela torne-se teia, tecido da vida ou fuga. Elisabete Ghisleni: mesmo um urso sem caverna precisa hibernar. Não dá pra contar a historia completa. Os versos que escreveu: Antologia dos poetas contemporâneos do Paraná: os poetas Curitiba e Noct Lux Samantha Abreu: o fio da sua meada é o livro Fantasias para quando vier a chuva. Escreve o blogue Haute Intimité e a série cômica Mulheres sob Descontrole. Um das curadoras do Festival Literário de Londrina. Desenvolve um projeto de vídeo-poema no youtube.

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