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Vantagens de construir com terra

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Terminologias

Terminologias

Jana contou que, durante os rituais, esse espaço circular no chão se tornou uma espécie de altar. Esse objetivo não estava previsto nos desenhos, mostrando que o uso também é capaz de alterar o projeto. Quem se apropria do espaço é também coautor. Esse tipo de interferência evidencia que um projeto de arquitetura nunca vai poder abarcar a totalidade de possibilidades e experiências que um espaço pode promover.

Segundo Jana: “O Fogo está representado no sim, na vontade e fé de comungar desta verdade que o templo Canto do Uirapuru carrega. ”

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Ela me contou que quando chove durante os rituais, a água da chuva que entra pela abertura da cobertura também faz parte do processo. Os quatro elementos que nos regem e que nos compõem estão presentes em tudo e todos. Eles interferem no espaço, eles são o espaço. Os elementos são autores.

As janelas dos banheiros fazem referência aos símbolos dos quatro elementos: Terra, Fogo, Água e Ar. Durante os rituais, é muito importante o livre acesso ao banheiro. Ao mesmo tempo, elas não desejavam que fosse tão próximo a ponto de permitir que o bater de portas, descargas, torneiras, e toda a movimentação relacionada ao banheiro fossem ouvidas. Por isso, pensamos que o banheiro pudesse ser externo ao espaço. Foi proposto dois sanitários e uma pia, resultando em uma área total de 8,76m², sem contar com beiral. O saneamento ecológico do banheiro é feito através de biodigestor10 .

Para projeto de construção com terra, dois aspectos são muito importantes: elevação do solo e beirais generosos. A elevação do solo protege as paredes de terra da umidade de capilaridade ascendente. No Canto do Uirapuru, tivemos uma elevação de aproximadamente 25 cm. Os beirais protegem das chuvas, quanto maior o beiral, maior a garantia de proteção da parede toda, inclusive, das chuvas fortes que vêm na diagonal. Os beirais indicados no projeto foram de um metro de extensão que, segundo alguns profissionais da área, é o ideal para uma boa proteção de uma parede de um pavimento. Na execução da obra, pela disponibilidade das peças, o beiral ficou com aproximadamente 85 cm.

1

antes

1 planta e corte do templo Planta Baixa do Templo Planta Baixa do Templo

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3,50 3,50

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A princípio havíamos 3,50 previsto uma mão francesa para suportar a carga do telhado, que seria de telha PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION cerâmica. Diante do peso e do desconforto que a mão francesa geraria ao uso do espaço, optamos por uma telha mais leve. Outras mãos A francesas foram adicionadas, nesse caso, suportando as demais vigas. A

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Planta Baixa do Templo

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projeto construído

3,35Planta Baixa do TemploPRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

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No canteiro, percebemos que seria interessante aumentar a angulação das paredes para enfatizar o formato de estrela. O beiral precisou ser diminuído por causa da disponibilidade das peças das vigas. Desenhos da autora (2020)

N

5m 5m

antes planta e corte do banheiro

1

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projeto construído

1 N

0,8

0,8

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Interagindo com os desenhos no canteiro.

A vivência no canteiro de obras

Aqui não há intenção em romantizar o canteiro de obras, mas ampliar o leque de possibilidades oferecidas por esse espaço. Esse canteiro, mesmo fora do espaço universitário, foi uma das experiências mais importantes da minha graduação. Toda noção aprendida através de aulas teóricas dos sistemas construtivos se materializava, semana após semana, in loco. Eu pude aprender sobre instalações elétricas e hidráulicas na prática, perceber os fluxos de obra e sua gestão, me apropriar dos recursos disponíveis no local, interagir com o espaço e com as pessoas. Pude ver o projeto tomando forma, perceber espacialmente o que significam “47m²” e até mesmo reconhecer as falhas de projeto, e o que poderia ter sido previsto...

Esse processo foi bem interessante porque pude começar a amadurecer a noção do que de fato é importante ser representado no desenho e o que pode ser deixado para ser decidido no canteiro. Se cada estudante de arquitetura passasse um semestre no canteiro, trabalhando na obra, pegando na enxada, batendo massa, assentando bloco, pedindo ajuda aos pedreiros, ouvindo o que o eletricista tem a dizer e o que o ajudante pode ensinar, acredito que teríamos arquitetos mais atentos aos processos construtivos e que veem no espaço do canteiro um espaço rico em aprendizado e trocas.

No canteiro do Canto do Uirapuru, os profissionais que fizeram parte da obra foram:

-Marcos, engenheiro civil responsável e bioconstrutor; -Eguinelson, ajudante de pedreiro, esteve presente do início ao fim da construção; -Seu Zé Lito, pedreiro que executou a fundação, o piso e o telhamento da cobertura; -Seu Aécio, encanador e eletricista, executou a passagem dos tubos hidráulicos e fez a instalação elétrica; -Seu Antônio, Mestre carpinteiro, executou toda a parte estrutural em madeira e a cobertura; -Léo, ajudante de carpinteiro; -Rocío, arquiteta bioconstrutora, trabalhou como voluntária na etapa de reboco grosso; -Lívia, bioconstrutora, trabalhou na etapa de reboco fino; -Kanéa, Júlia e Leiliane foram voluntárias após a vivência realizada; -Para os registros fotográficos profissionais, contamos com o olhar sensível de Camila, Kin e Milene.

Além desses profissionais e voluntárias, contamos com a presença da família como um todo, amigos, amigas e tantas outras pessoas que auxiliaram na construção, seja no mutirão, na vivência, ou organicamente ao longo do processo.

Fundação

A fundação e o piso foram executadas através dos métodos construtivos industrializados. Para fundação, vigas baldrames e brocas pontuais nos pilares. O projeto estrutural foi desenvolvido por Marcos Botelho. A execução da fundação levou um pouco mais de uma semana, entre marcação do espaço, escavação, compactação do solo, montagem da armação metálica e concretagem. Para este processo, contamos com a execução de Seu Zé Lito, Eguinelson e Marcos. Nesta fase, eu estive presente durante a marcação e escavação.

Eguinelson e Marcos Botelho no preparo de massa.

Na primeira foto, escavação para a fundação do banheiro.

Na segunda foto, escavação para broca pontual do pilar. Na terceira foto, blocos canaleta e armação metálica colocadas.

Na quarta foto, perímetro do banheiro escavado com tubulação hidro-sanitária instalada. Na quinta foto, vigas baldrame e brocas concretadas.

Nas fotos da página ao lado, registros da fundação desde a escavação até a elevação do piso com blocos.

Estrutura de madeira

Tivemos a presença de um grande mestre na obra: seu Antônio. Ele contou com o trabalho de seu ajudante, Léo. Carpinteiro daqueles que quase não usa ferramenta elétrica, usa régua e esquadro, mas o olho já está treinado e nem sempre precisa medir o que vai cortar: o seu Saber está no corpo inteiro.

Curiosamente, ele nunca havia trabalhado com madeira roliça. Mas a experiência é tanta que nem mesmo esse detalhe atrapalhou Seu Antônio. A presença dele foi de extrema importância para a boa execução da estrutura. Ele trouxe muitas sugestões que não haviam sido previstas no projeto e a tranquilidade de executar as vigas recíprocas, desafio inédito para todos do canteiro.

Acima, Seu Antônio que “no olho” sabe a angulação necessária das peças.

Ao lado, registros dos encontros das peças de madeira executadas pelo Mestre e seu ajudante, Léo.

Detalhes dos encontros das peças de madeira.

No Canto do Uirapuru, a estrutura de madeira é composta por pilares, vigas e mãos-francesas. Para vencer o vão de 9 metros, propomos o desafio de vigas recíprocas na cobertura, as quais descreverei melhor no tópico seguinte.

A supra-estrutura11 da construção foi feita com madeira roliça de Eucalipto. O tratamento em autoclave do Eucalipto é por vezes considerado nocivo, além de seu plantio que, por ser em forma de monocultura, não segue os princípios agroecológicos de produção, que têm como base a biodiversidade. No Brasil, tem sido amplamente usado por conta da facilidade de acesso e preço reduzido.

O potencial da madeira para a construção, porém, é grande. Quando analisamos estudos comparativos entre estrutura de madeira e estrutura de concreto armado, percebemos que para a produção de Eucalipto menos CO₂ é emitido e o consumo de energia para sua produção é menor (VARA, 2015).

Eu acredito que, com o incentivo da pesquisa, seja possível aprimorar as técnicas de tratamento e, através de métodos agroecológicos, cultivar o Eucalipto de maneira integrada com o sistema de plantio.

Ao lado, Seu Antônio e Marcos conversando sobre a estrutura.

Na segunda foto, instalação do primeiro pilar do banheiro e na terceira, estrutura do banheiro finalizada, inclusive o madeiramento da cobertura.

Na página ao lado, estrutura de madeira do templo, pilares e vigas colocadas, mãos francesas ainda em processo de instalação.

Na segunda e terceira fotos da página ao lado, Seu Antônio e Léo trabalhando na estrutura do templo.

Estrutura recíproca

Consiste em uma estrutura feita de vigas que se apoiam mutuamente em um circuito fechado (POPOVIC, 2008). Propus esse tipo de estrutura para a cobertura do templo, que possui um vão de 9m. São seis vigas ao total, apoiadas, cada uma, em um pilar.

Na medida que aumentamos a inclinação das vigas, aumentamos a abertura central. No caso, tivemos vigas com aproximadamente 20% de inclinação e 60 cm de abertura central, em forma de hexágono.

Ao lado, estudos do princípio de reciprocidade com palitos de bambu.

Abaixo, peças de madeira colocadas exatamente embaixo de onde as futuras vigas recíprocas virão a ser encaixadas, servindo como referência no prumo. Para a execução, primeiro fizemos o estudo com peças de madeira, deixando-as como referência no prumo para as vigas. Com uma peça vertical de apoio, a primeira viga é instalada. Com a instalação de todas as vigas, a peça de apoio é retirada. Para a conexão entre as vigas e pilares, encaixes foram feitos nas peças.

Colocação das vigas recíprocas e a peça de espera por baixo.

Na primeira foto da página ao lado, trabalho com ferramentas manuais de Seu Antônio, que corta viga para ser encaixada no pilar.

Ao lado, a união faz a força para levantar as vigas recíprocas! Na primeira foto desta página, Leo e Eguinelson no encaixe da viga no pilar.

Acima, colocação das vigas comandada por Seu Antônio.

Estrutura recíproca da cobertura finalizada.

Na página ao lado, acima, Instalação do madeiramento da cobertura do templo.

Na página ao lado e abaixo, cobertura com madeiramento e telhas instaladas.

Cobertura

Como as técnicas de terra utilizadas por nós não foram autoportantes, construímos primeiro o “esqueleto” estrutural de madeira, e assim conseguimos instalar a cobertura, para então iniciar o processo com a terra. Essa é uma vantagem ao se construir primeiro a estrutura, pois garantimos proteção das paredes em relação às intempéries no momento da construção.

A cobertura utilizada foi de fibra vegetal impermeabilizada com betume e resina. Segundo o fabricante, mais de 50% do material utilizado é reciclado. Optamos por esse material pois era um tipo de telha facilmente encontrada na região e por ser mais leve que a telha cerâmica, resultando em menos madeira na cobertura.

Como conseguir a terra?

Apesar de ser um material abundante, essa é uma questão quando se deseja construir com ela. A depender do tamanho da construção, do tamanho do terreno e de sua topografia, nem sempre é possível retirar toda a terra do próprio local da obra.

Nós utilizamos parte da terra do terreno, fruto da escavação para a instalação hidrossanitária do biodigestor. Havia também uma terra excedente que havia sido escavada para a cisterna, construída antes de chegarmos.

É habitual que sejam priorizados o emprego da terra do próprio local onde se fará a construção e a utilização de somente um tipo de terra. Porém, algumas vezes, a terra resultante de uma mescla de dois ou mais tipos de solo produz melhores resultados. Em geral, a mescla de diferentes tipos de solo ocorre quando a terra do local é muito argilosa, ou muito arenosa, e quando a incorporação de menor quantidade de outro solo melhora as propriedades que lhe fazem falta. (NEVES, FARIA, ROTONDARO, CEVALLOS, HOFFMANN, 2009, p. 12)

Muitas vezes é necessário trazer terra de fora. Para isso, um caminho possível é quando há excedentes de movimentações de terra em regiões vizinhas. Foi como conseguimos boa parte da terra utilizada. Com o olhar atento, vimos uma caçamba com terra circular pelas ruas de Feira de Santana. Segundo Botelho, foi reconhecido que a terra tinha característica geológica semelhante à do terreno, que já havia sido testada. Entramos em contato com o caçambeiro e como seria descartada, pôde ser deixada no nosso canteiro de obra.

Em meios urbanos, o acesso à terra é ainda mais restrito. Se desejamos estimular seu uso mesmo nesses meios, é necessário desenvolver estratégias para otimização de obtenção e distribuição de terra. Estratégias possíveis seriam a integração entre o transporte de terra excedente, fruto de movimentações de obras, com os locais que utilizarão terra para construir. Em Salvador, devido à topografia acidentada, existe um fluxo de movimentação de terra significativo, apontando a potencialidade do uso de terra para construção na região.

Testes de terra

A terra é produto da erosão de rochas da crosta terrestre. Ela é composta por argila, silte e areia, e as vezes componentes maiores como cascalho e pedras. A engenharia a classifica através da granulometria dos seus grãos, sendo considerada argilosa, siltosa ou arenosa quando houver predominância de determinado grão. Gernot Minke (2015)

Cada um desses componentes atua de maneira diferente e cada porção de terra é única. Por isso, antes de começar a construir com ela, é importante realizar testes para se ter uma melhor noção da sua composição e prever seu comportamento, a estabilizando ou fazendo correção granulométrica, caso seja necessário. No tópico “Adição de materiais à terra” eu compartilho informações complementares a respeito.

Existem testes laboratoriais que apresentam resultados bastante precisos e também os testes possíveis de serem realizados em campo.

Através do tato e observação visual, se faz a classificação inicial, a qual é melhorada através de outros testes expeditos, convenientemente denominados: testes do vidro, do cordão, da fita, de exsudação, da resistência seca, da caixa, entre outros. Estes testes, que indiretamente avaliam a granulometria, a capacidade de trabalho e a retração do solo, verificam a textura e o comportamento da terra em diversas situações e identificam as técnicas construtivas mais adequadas.(CEPED, CONESCAL, CRATERRE, FRANÇA, HERNÁNDEZ e MÁRQUEZ, HOUBEN e GUILLAUD, KEABLE, MERRIL, MINKE, RIGASSI apud NEVES, FARIA, ROTONDARO, CEVALLOS, HOFFMANN, 2009, p. 15)

Para o Canto do Uirapuru, além das análises sensoriais táteis e visuais, foram feitos os testes do vidro, teste da resistência seca e teste do rolo. Segundo Botelho, o que se percebeu a partir dos testes realizados e da observação da terra, foi que a terra do próprio terreno, bastante parecida com a terra vinda de fora, era arenosa nas camadas mais superficiais e argilosa nas mais profundas. Ele pôde perceber isso no momento que se escavou uma certa profundidade para a instalação hidrosanitária.

Segundo Minke (2015, p. 23 e 24): Tal como o cimento no concreto, a argila funciona como agente de ligação entre as partículas maiores no barro. O silte, a areia e os agregados constituem os agentes de enchimento do barro. O autor conclui que a proporção da expansão e da retração depende do tipo e da quantidade de argila e também da distribuição granulométrica do silte e da areia.

Legenda das citações

Abordagem histórica

Descrição técnica Analisando o barranco de terra acumulada, assim como a parede de taipa, percebemos uma terra bastante estável, que não apresentou rachaduras significativas, indicando um bom percentual entre areia e argila, necessitando pouca correção nesse sentido.

Independente da qualificação do solo, através de ensaios de laboratório, o conhecimento popular na arte de construir com terra pode indicar decisões, mesmo empíricas, tão eficientes quanto a qualificação resultante de ensaios normalizados, executados em laboratórios. Os testes de campo, que resultam de uma saudável combinação entre o saber popular e o conhecimento do meio técnico, são, muitas vezes, as únicas provas que se podem fazer para selecionar a terra e construir. (NEVES, FARIA, ROTONDARO, CEVALLOS, HOFFMANN, 2009, p. 14)

Técnicas construtivas de terra

Para o Canto do Uirapuru, diferentes técnicas construtivas de terra foram utilizadas. Neste tópico mostrarei cada uma delas contextualizando histórica e tecnicamente a partir de referências de autores que já se aprofundaram especificamente em cada técnica, e contextualizando com a experiência no Canto do Uirapuru.

Farei uma análise mais aprofundada especificamente na técnica do hiperadobe por entender que, por ser recente, ainda é pouco abordada na literatura técnica.

Taipa de mão (Pau-a-pique)

“[...] Outra técnica construtiva muito interessante e usada em várias regiões caracteriza-se pela combinação de madeira, bambu, varas, palha, fibras, com a terra e, eventualmente, aglomerante. Conhecida como taipa de mão, taipa de sopapo, pau-a-pique ou também taipa no Brasil, ela recebe nomes variados em outros países, tais como quincha, bahareque, estanqueo, fajina. PROTERRA (2003) propõe a denominação geral do sistema como “técnica mista”, porém conservando as variadas nomenclaturas em cada região.

Resumidamente, a técnica mista consiste em uma estrutura portante, de madeira, unida por entramados reticulados de madeira ou varas e coberta com uma massa plástica de terra. Em geral, os efeitos da retração da massa de enchimento muito pronunciados exigem um revestimento posterior à secagem, para deter o efeito desagregador. O uso da técnica mista se dá em climas variados, desde regiões com temperaturas elevadas até as mais frias, e em atitudes desde o nível do mar até as mais elevadas, nas montanhas. As edificações apresentam excelente desempenho durante os constantes abalos sísmicos, característicos em vários

países da América Central e América do Sul” (NEVES, 2011, p. 9 e 10) A taipa de mão foi a técnica mais utilizada na construção. Essa técnica foi escolhida por estar presente no imaginário popular e na memória afetiva local da família e dos envolvidos. Utilizamos principalmente peças de biriba colhidas na lua minguante, em um vilarejo vizinho. Usamos essas peças para fazer o gradeamento, que ficou com 15 cm de espaçamento. Ao total, contando com as camadas de reboco, as paredes de taipa ficaram com 20 cm de espessura. Um detalhe muito importante para a escolha dessas peças é a utilização principalmente de peças retas, o que resulta na posterior economia de massa do reboco. Varas tortas resultam em saliências ou reentrâncias que precisam ser corrigidas com massa.

Para o preenchimento da taipa foi utilizada a própria terra local com adição de areia. Na parte de baixo das paredes, como parte de seu preenchimento, inserimos restos de obra como pedaços da cobertura, tijolos quebrados, pedaços que sobraram da estrutura de eucalipto, etc, o que resultou em economia de massa de preenchimento com descarte de resíduos. Em cima do madeiramento, prendemos garrafas, formando um efeito visual a partir da incidência de luz.

Na parede do templo voltada para a vizinhança, adicionamos mais palha ao seu preenchimento, visando auxiliar no isolamento acústico. No banheiro também foi utilizada a técnica do pau-a-pique na maior parte das paredes.

Gradeamento de madeira e preenchimento do paua-pique das paredes do templo.

Nas fotos da página seguinte: Janela triangular do banheiro e parede do templo sendo preenchida com terra.

Paredes de adobe e taipa do banheiro,

Adobe

A construção com adobes ou blocos de barro se propagou por todos os climas quentes e secos, subtropicais e temperados do planeta. Encontram-se no Turquistão, Rússia, construções de adobe que datam 8000 a 6000 a.C. e na Síria há 4000 a.C. No norte do Egito, veem-se, hoje em dia, estruturas monumentais de 3200 anos de antiguidade, como as paredes enormes de blocos de terra da fortaleza de Medinet Habu; e as abóbadas do templo mortuário de Ramsés II, em Gourna. (...) Durante séculos, os índios do povo Taos, Novo México, construíram suas habitações com adobes, utilizando a terra do local, a água dos rios próximos e a palha das suas colheitas de cereais. O centro histórico da cidade de Shibam, Iémen, com aproximadamente 20.000m², e no qual se penetra através de uma porta, foi construído completamente de adobe. A maioria dos edifícios atinge oito andares de altura e datam do século XV. Na Escandinávia e Inglaterra, a construções com torrões de terra (em inglês sod) foi muito comum nos séculos XVII e XVIII. (...) Na Alemanha, a utilização dos adobes na construção data desde o século VI a.C. (MINKE, 2015, p. 72)

O adobe é um componente fabricado com terra em estado plástico, moldado sem necessidade de compressão, com auxílio de moldes, e, uma vez seco, é usado na execução de alvenaria, geralmente unidos por uma argamassa preparada com uma mistura muito semelhante a do adobe, para parede autoportante, parede portante, arcos, abóbadas e cúpulas. Ele pode ser usado para gerar formas ortogonais e curvas, contanto que se respeite sua característica de resistência à compressão. (...) A técnica mais difundida é a que utiliza moldes de madeira para fabricação de uma ou duas unidades ao mesmo tempo, geralmente de forma retangular. O molde é preenchido com a mistura que é preparada com solos do local e água, e, em muitos casos, com a adição de agregados para controlar as fissuras, tais como vegetais, esterco e pelos de animais. (ROTONDARO, 2011, p. 17)

Os adobes utilizados por nós foram reaproveitados de uma antiga casa de Belém de Cachoeira, localidade próxima a São Gonçalo. Na ocasião, Botelho foi visitar o avô que mora lá e viu a movimentação para a derrubada da casa. Perguntou ao pessoal se poderia aproveitar os tijolos e a resposta foi positiva. Dias depois, ele e Eguinelson colaboraram com a demolição de algumas paredes. Selecionaram os adobes sobreviventes, resgataram e posteriormente os assentaram com massa de terra. Os adobes da antiga casa viraram parede do banheiro.

COB

Há evidências que a construção com cob começou na Europa há cerca de 800 anos atrás. Algumas construções que foram feitas nos séculos XVI e XVII ainda estão de pé. Na Inglaterra, existem aproximadamente 50.000 de COB ainda em uso. A maioria delas foram construídas nos séculos XVIII e XIX.

Infelizmente, com o advento da construção de tijolo queimado e alianças políticas entre esses produtores de tijolos e construtores, a arte e habilidade de fazer casas com cob quase morreu na Europa no século XIX. (BEE, 2018)

Fazer COB é um processo melhor descrito como emplastrar lama. Terra, areia e palha são misturados e massageados sobre a fundação, criando grosas paredes resistentes. (BEE, 2018)

Usualmente, a técnica do COB possui larga base, com cerca de 40 cms e, à medida que vai subindo, vai diminuindo sua grossura, caracterizando essa técnica com qualidade estrutural. No nosso caso, a técnica do COB foi realizada em cima dos adobes, limitando sua base à espessura dos tijolos. Por não suportar nenhum tipo de carga, e por ter apenas 1 metro de altura, a sua base mais fina não traz nenhum tipo de problema para nossa parede.

Na foto da esquerda, adobes de casarão antigo que serão reaproveitados para a construção do banheiro.

Na foto da direita, início do assentamento de adobes no banheiro.

Caso se deseje inserir garrafas na parede, é importante já estar certo de como ficará a disposição das garrafas. No caso do banheiro, criamos primeiro o padrão no chão, de acordo com as medidas in loco, e assim as garrafas foram sendo colocadas na medida que a parede de COB era feita.

Cordwood

Exemplares com aplicações análogas da técnica podem ser mais antigos, mas a construção em cordwood se tornou mais atrativa e popular após as primeiras serras manuais serem fabricadas em massa, por volta de 1840, e ainda mais com o surgimento de serras motorizadas, por volta de 1860 (ROY, 2016, p.22). Um grande número de habitações aplicando a técnica foi erguido em regiões da Europa e da América do Norte. Em muitos casos, o resíduo de madeireiras que despontavam nestas regiões foi usado pelos próprios funcionários e moradores próximos para erguer suas residências, galpões e celeiros. (E SILVA, 2019, p.20)

No nosso caso, aplicamos a técnica de Cordwood com pedaços de eucalipto que sobraram da estrutura. A massa de terra utilizada foi semelhante à massa de COB. Em cima, na parte onde não há mais troncos de eucalipto, continuamos com a mesma massa, podendo dizer que completamos com a técnica de COB. As paredes receberam acabamento grunhido, com colher de pedreiro.

Hiperadobe

O superadobe foi criado em 1984, quando a Agência Aeroespacial Norte Americana (NASA) reuniu arquitetos e engenheiros com o intuito de criar um método eficiente para se construir na lua. O fundador do superadobe foi o arquiteto iraniano Nader Khalili, que conseguiu criar um modelo construtivo para ser implantado na Lua sem ter que levar grande quantidade de material, e sim utilizar o próprio material do local. (BENVEGNÚ, 2017, p. 30)

Então uma evolução desta técnica foi proposta pelo engenheiro brasileiro Fernando Pacheco, chamada hiperadobe, com principal diferença o uso do saco Raschel invés de saco de polipropileno. (...) O hiperadobe é uma técnica bastante apropriada no Brasil, por suas diversas vantagens e com a indústria produzindo sacos raschel para construção, facilita a sua execução. (BILETSKA, 2019)

Os sacos de Raschel são preenchidos com solo e passam por um processo de compressão, que pode ser manual ou mecânico, para depois serem posicionados uns sobre os outros, formando estruturas que servirão de paredes para a construção. (LIBRELOTTO, p. 3, 2013)

A técnica do hiperadobe resulta em paredes de 40 a 50 cm de espessura. São verdadeiras fortalezas e, a depender da configuração da planta, podem ser estruturais. Utilizamos a técnica do hiperadobe para construir dois

Na foto ao lado e abaixo, parede de COB com garrafas.

Na terceira foto, estudo prévio, no chão, da disposição das garrafas a serem postas na parede.

Na quarta foto, banco de COB nos banheiros, os quais não haviam sido previstos na fase anterior de projeto.

Na quinta foto, início da parede de Cordwood.

Registro da Vivência de Bioconstrução, onde adicionamos cimento à terra que preenche a fiada de base do banco de hiperadobe. bancos externos durante a vivência de Bioconstrução. Adicionamos 10% de cimento na fiada da base, para prevenir a capilaridade ascendente.

Se diz que o ideal para essa técnica é que a terra tenha cerca de 30% parte argilosa e 70% parte arenosa. Para a construção dos bancos de hiperadobe, usamos a mesma terra do preenchimento da taipa. A terra não deve estar muito molhada, mas levemente úmida, conhecida popularmente como “farofa”.

No caso de terra comprimida, a identificação da umidade pode ser feita em campo, com razoável precisão por um processo expedito. Consiste em tomar uma porção da mistura, já umedecida, e comprimi-la com a mão: ao abrir a mão, o bolo formado deve guardar o sinal dos dedos e, quando deixado cair da altura de 1 metro, deve espatifar-se (desagregar-se). Caso não se consiga formar o bolo com a mão, a umidade é insuficiente; caso o bolo, ao cair, mantenha-se coeso, a umidade é excessiva. (NEVES, FARIA, ROTONDARO, CEVALLOS, HOFFMANN, 2009, p. 29)

As ferramentas utilizadas para a técnica são: pilão, martelo de borracha ou um batedor de madeira e funil (pode ser um cone cortado) para colocação do saco. O saco vem numa bobina e já existem fornecedores que vendem o material pronto para uso.

Para uma boa fluidez de execução dessa técnica, o ideal é que haja, no mínimo, 4 pessoas para executá-la. A primeira pessoa enche baldes com terra, a segunda transporta esses baldes para a terceira pessoa, que pega os baldes e transfere a terra pro saco, que está sendo segurado pela quarta pessoa. Preenchida a fiada, compactamos com um pilão, até a estrutura se tornar bem rígida e dura.

A cada três fiadas, com um batedor de madeira ou martelo de borracha, compactamos lateralmente. Com um prumo, vamos conferindo a regularidade das paredes, importante observar em todas as fiadas, para não resultar em buracos ou barrigas. E com um nível de bolha vamos conferindo a superfície.

Para a massa de reboco de terra, utilizamos barbotina, esterco, areia e sisal. Detalharei melhor a parte dos rebocos nos tópicos seguintes. Como os bancos estão expostos às intempéries, a massa final do reboco teve adição de cimento.

Na foto acima, bancos de hiperadobe prontos.

Na foto ao lado, temos a “terceira pessoa” virando o balde e enchendo o saco com terra e a “quarta pessoa” segurando o funil com o saco

Na foto abaixo, compactação da fiada de hiperadobe após seu preenchimento com terra.

Mutirão de construção

Uma prática muito comum em comunidades tradicionais é a reunião em formato de mutirão para construir algo. Ainda hoje mutirões acontecem, principalmente nas comunidades periféricas. O processo do mutirão é muito rico porque, além de envolver diversas pessoas no processo construtivo, ele é educativo também, pois inclui pessoas com e sem experiência em construir.

No caso de mutirões de construções com terra, o processo é ainda mais sadio, pois não estamos lidando com materiais tóxicos. Crianças e grávidas podem participar, meter mão e se envolver com a terra.

Tivemos um mutirão no canto do Uirapuru para o preenchimento das paredes de taipa. Aconteceu em um dia de sábado, e contamos com a presença de amigas, amigos e familiares da casa.

Como nem sempre em mutirões contamos com pessoas que possuem prática em construir, o ideal é que a técnica escolhida para ser feita em coletivo seja simples de ser executada, mesmo por leigos, não gerando retrabalho de “consertar” o que foi feito. O preenchimento do pau a pique é facilmente executado em mutirões. Neste mutirão, a maioria das pessoas era leiga no assunto.

Eguinelson trazendo massa para dentro do Templo durante o mutirão.

Para manter o fluxo do mutirão, a massa não podia acabar! Contamos com Eguinelson e Marcos para bater a massa na betoneira e transportar com carrinho de mão para dentro do templo. Inclusive, a betoneira esteve presente desde o início da taipa até a finalização dos rebocos, otimizando o processo de preparo da massa.

Em um dia de mutirão, preenchemos quase metade das paredes. No final do dia, tivemos uma comida deliciosa de Dona Chica para fechar com chave de ouro! Construir coletivamente com pessoas queridas pode ser muito especial.

Adição de materiais à terra

A partir do teste de composição da terra e da escolha da técnica a ser utilizada, podemos analisar se iremos adicionar determinados materiais para conferir objetivos específicos, promovendo estabilização do solo. Sobre a estabilização dos solos, temos:

A expressão estabilização de solos se refere, em seu sentido mais amplo, a todo processo através do qual o solo melhora suas características, adquirindo assim as propriedades necessárias à finalidade a que se destina. A estabilização de solos para adequá-los ao uso que se pretende não é um procedimento recente. Como se sabe, a adição de asfalto natural ou palha na produção de adobes, para diminuir a permeabilidade ou reduzir a retração, é uma prática milenar. O apiloado, por compactação ou prensado, a mistura com outros solos para melhorar suas características granulométricas (denominada estabilização granulométrica) e a adição de aglomerantes são tipos de estabilização de uso muito freqüente no campo da Engenharia. (NEVES, FARIA, ROTONDARO, CEVALLOS, HOFFMANN, 2009, p. 13)

Além de poder trabalhar a terra a partir da sua dosagem granulométrica12 , podemos adicionar outros tipos de materiais ao barro, objetivando alcançar diferentes propriedades. Na etapa do reboco, que será melhor descrita no tópico seguinte, além da terra foram usados areia, fibra, esterco, baba de

palma e azeite de dendê queimado.

A fibra também auxilia no processo de redução das fissuras, segundo Minke, (2015, p. 49):

As crianças fizeram parte do mutirão! Foto: Camila Bahia (2018)

Registro durante a Vivência de Bioconstrução, no qual a fibra, neste caso de sisal, foi adicionada no preparo da massa do reboco dos bancos. Quando se adicionam fibras como pêlo de animal, fibras de coco, sisal, agave, bambu e palha a retração se reduz. Isto se deve ao fato de que o conteúdo relativo de argila se reduz e parte da água é absorvida pelos poros das fibras. Também se reduz o surgimento das fissuras, já que as fibras aumentam a coesividade da mistura.

O autor também acrescenta que o uso das fibras contribui para o aumento da resistência à compressão e para o isolamento térmico. No documento Seleção de solos e métodos de controle na construção com terra – prácticas de campo, é possível encontrar informações sobre esse tipo de estabilização:

Estabilização por armação: consiste em agregar ao solo um material de coesão (grãos ou fibras), que permitam assegurar, por fricção com as partículas de argila, uma maior firmeza ao material. Segundo Bardou e Arzoumanian (1979), a resistência mecânica final do material é diminuída, mas se ganha em estabilidade e durabilidade. Não há determinação específica para os materiais a serem empregados, pois depende da disponibilidade e das adaptações locais. Podem ser citadas, principalmente, as fibras vegetais. (NEVES, FARIA, ROTONDARO, CEVALLOS, HOFFMANN, 2009, p. 13)

Palha de braquiária seca utilizada durante a obra. Sabemos que está seca pela sua coloração amarelada.

Nós utilizamos fibra de braquiária seca na maior parte do reboco e nas paredes de COB. É importante lembrar que, para utilizar a fibra, ela precisa ter secado bem ao sol, para não haver deterioração posterior. Caso ocorra, pode ser queimada com maçarico.

Deterioração da palha na parede e a posterior queima com maçarico.

A adição do esterco serve para ajudar na estabilização por impermeabilização, conferindo à terra resistência à ação da água. Conseguimos o esterco em uma fazenda próxima da região.

Produtos animais como sangue, urina, esterco, caseína e cola animal foram usados durante séculos para estabilizar o barro. (...) se for utilizado o esterco, ele deve ficar em repouso de 1 a 4 dias para permitir a fermentação; o efeito de estabilização aumenta consideravelmente devido ao intercâmbio de íons entre os minerais da argila e do esterco. (...) Investigações efetuadas no Laboratório de Construções Experimentais (LCE) mostraram que uma amostra de reboco testada com a prova de aspersão com jatos de água começa o processo de erosão em 4 minutos, enquanto que uma amostra com 3,5% em peso de esterco começou a apresentar erosão após 4 horas. (MINKE, 2015, p. 50)

Coleta do esterco em fazenda próxima.

Ao lado, o esterco batido com água formando o “creme”.

Na terceira foto,buraco escavado no solo onde posteriormente recebe uma lona para formar a “banheira” de esterco.

Assim que conseguimos o esterco bovino e equino, fizemos a montagem improvisada de uma “banheira” para que ele pudesse ser fermentado. O esterco é batido com água e um pouco de terra em um tanque até virar um creme, é peneirado e depois deixado sob a lona para curtir. Por questões de logística de obra, preparamos o esterco todo de vez e deixamos ele na “banheira” na medida que fomos usando.

A baba de palma é um estabilizador vegetal bastante usado em construções com materiais naturais que também foi utilizada por nós. Por ser um cactus abundante nas regiões do semiárido, foi muito fácil consegui-lo nas redondezas.

A adição de óleo de linhaça no reboco é conhecida na literatura por ajudar na estabilização por impermeabilização. Para nós, como teste, utilizamos azeite de dendê queimado por ser um material abundante na Bahia e que, muitas vezes, vira resíduo.

Teste dos rebocos

Assim como fizemos testes antes de começar a construir para entender melhor a terra que tínhamos disponível, fizemos também teste com a massa do reboco para diferentes traços e analisando qual o melhor resultado. Aplicamos os testes em uma das paredes internas do banheiro.

Testes com diferentes traços para o reboco, aplicados na parede interna do banheiro. A cor é acinzentada mas não há adição de cimento.

Reboco e o preparo

Os rebocos naturais ajudam a proteger as paredes de terra e muitas vezes cumprem o papel de cobrir eventuais fissuras que possam vir a surgir por conta da evaporação da água.

É muito importante ter em vista que os acabamentos de construções em terra não devem selar os poros das paredes, de maneira que impeça sua respiração. Isso causa umidade destrutiva dentro das paredes. (BEE, 2018)

Para o Canto do Uirapuru, aplicamos três camadas de reboco: grosso, grosso-fino e fino. Mas antes de caracterizar cada uma destas três camadas, descreverei o processo de preparação dos materiais a serem utilizados no reboco e as ferramentas utilizadas. Os principais elementos do reboco utilizado foram: a barbotina, areia, fibra e esterco. Também utilizamos baba de palma, azeite de dendê queimado e um pouco de cinzas.

A barbotina feita nesta obra consistiu em uma massa bem líquida de terra e água. Como essa massa é bastante utilizada, para otimizar o processo, um

grande volume é preparado e deixado já pronto numa caixa d’água. Para a realização da mistura, se utiliza uma furadeira e um misturador. Não existe uma regra fixa para essa proporção de terra e água.

É importante que, após misturada, a barbotina seja peneirada pois eventuais pedaços de terra aglomerados ou pedriscos ainda resistem. Optamos

Nas fotos acima, colocação de terra na caixa d’água e mistura sendo realizada para o preparo da barbotina.

Na terceira e quarta foto, a massa de barbotina sendo peneirada e sua textura final.

por peneirar após a mistura ser feita, pois o processo de peneirar fica mais rápido com a terra seca.

A fibra para ser utilizada tem de estar seca. A fibra foi colhida no terreno ao lado da obra. Ela precisa ser cortada e, para isso, usamos um facão sobre uma superfície de madeira. Há métodos mais otimizados, como por exemplo, o uso de cortador de grama com a palha dentro de um tonel. Para o reboco grosso, o tamanho da fibra é de até, aproximadamente, 12 cms e para o grosso-fino, 4 cms.

O esterco depois de curtido fica com uma consistência cremosa. Para a etapa do reboco fino, ele é peneirado com uma peneira fina.

Nas fotos ao lado, diferentes tipos de misturadores utilizados para o preparo da barbotina, usados com uma furadeira de alta potência.

Abaixo, palha sendo cortada com facão em uma base de madeira para posterior adição à massa de reboco.

Ao lado, creme de esterco curtido e peneirado para elaboração de massa do reboco fino.

Opuntia ficus-indica (tabaibeira, figueira-dodiabo, figueira-da-índia, piteira, tuna, figueiratuna, figueira-palmeira ou palma) é uma espécie de cacto. Planta comum em regiões semi-áridas.

A areia foi comprada localmente e, com frequência, vem com pedriscos. Por isso, peneiramos com uma peneira média, pois esses pedriscos são ruins para a aplicação da massa. Para o reboco fino, a peneira é ainda mais fina, a mesma utilizada para o esterco.

A palma é cortada e deixada de molho na água por pelo menos dois dias. Para sua utilização, precisa ser peneirada para as fibras serem retiradas.

A palma foi colhida nas redondezas e cortada em pequenos pedaços, deixada de molho com água por pelo menos 2 dias, formando assim a baba de palma. Ela é peneirada antes de ser usada para que qualquer pedaço de fibra seja retirado e apenas o líquido viscoso, a baba, seja usada.

Já descrito o processo de preparo das matérias-primas, agora descreverei cada uma das camadas de reboco realizadas nesta construção. Muito importante: para a aplicação das camadas de reboco é fundamental que as paredes estejam secas. É possível perceber isso através da mudança de tonalidade da parede.

O reboco grosso é assim chamado pois sua granulometria é grossa, sendo composto por barbotina, areia e fibra. É uma camada mais bruta, tem a função de cobrir o madeiramento que ficou exposto após o preenchimento do pau-a-pique, ajudando, inclusive, na regularização das paredes caso se

Na foto da esquerda, desempenadeiras de madeira de vários tamanhos para a aplicação de reboco grosso e grosso-fino.

Na foto da direita, através da diferença de coloração, vemos que a parte de cima ainda está úmida e a de baixo seca. Para a aplicação do reboco, é preciso que esteja completamente seca.

Parede de taipa com madeiramento a mostra. No canto esquerdo da imagem, vemos o início da aplicação do reboco grosso finalizado com desempenadeira de madeira. queira um acabamento mais aprumado. Foi aplicado com a mão e suavizado com desempenadeira de madeira. Nas extremidades, utilizamos eventualmente colher de pedreiro. Sua espessura final é de 2 cm.

Já o grosso-fino é composto por barbotina com baba de palma, esterco e areia. É chamado assim pois sua granulometria é grossa porém sua espessura final é fina, com 0,5 cm. Essa camada intermediária de reboco vem com a função de cobrir eventuais rachaduras da camada do reboco grosso. Ela é aplicada com as mesmas ferramentas da camada anterior.

Na aplicação dessa camada, o cuidado com a regularidade da superfície é maior pois para a próxima camada, que é a do reboco fino, é importante que a superfície esteja o mais plana possível.

A última camada antes da tinta é do reboco fino, que exige muito rigor e limpeza de todas as ferramentas. Qualquer eventual resquício de pedrisco na massa atrapalha a aplicação. Esta camada é composta por barbotina, esterco, areia, tudo peneirado na peneira fina, formando um creme. Recebeu óleo de dendê queimado. As ferramentas para aplicação desta camada foram metálicas.

Na primeira e segunda foto, desempenadeira de madeira pequena e colher de pedreiro estreita, ideal para aplicação de massa nas extremidades.

Na terceira foto, desempenadeira metálica para aplicação do reboco fino.

Na quarta foto, aplicação de massa do reboco fino.

Na quinta foto, preparo de pequena porção de massa, servindo como teste do reboco fino. Podemos notar a pequena porcentagem do azeite de dendê queimado no centro.

Na sexta foto, parede com reboco fino finalizado.

Piso

Para o piso do Canto do Uirapuru foi utilizada a técnica popular do cimento queimado, o qual recebeu pigmento vermelho. A execução desse piso foi feita por Seu Zé Lito. No projeto, foi indicado um caimento do piso direcionado para o círculo central, para que eventuais respingos de chuva fossem devidamente direcionados à parte permeável de terra.

Tinta de terra

Muitas tintas industrializadas vendidas no mercado liberam compostos orgânicos voláteis (COVs) prejudiciais à saúde: trata-se de material tóxico aos seres humanos e ao meio ambiente. O uso dessas tintas é ruim para os usuários dos espaços e principalmente para os profissionais que estão em constante contato com esses produtos. Os COVs podem durar por anos dentro dos ambientes.

Na foto acima, processo de execução do piso de cimento queimado.

Ao lado, teste de cores no fundo da parede do banheiro.

A lista de doenças causadas pelo contato constante com esses compostos é muito grande e vai desde irritação na pele, depressão, irritação em várias partes do corpo a alguns tipos de câncer (GUÍO, 2013). Muitas pessoas desconhecem esses males e, por serem facilmente encontradas nas lojas, essas tintas ainda são bastante utilizadas. As tintas de um modo geral:

(...) são compostas por pigmentos, líquidos, adesivos ou colas. Os pigmentos dão cor, enquanto os líquidos e adesivos servem para dar fluidez e a viscosidade necessárias para transportar e fixar os pigmentos nas superfícies. Há vários tipos de pigmentos, líquidos e adesivos que podem ser utilizados na produção de tintas.Os pigmentos e adesivos podem ser de origem mineral, animal, vegetal ou sintética, enquanto os líquidos podem ser água, óleos ou solventes. (CARVALHO, 2019, p. 3)

Existem receitas de tintas feitas a partir de pigmentos, líquidos e adesivos com baixa ou nenhuma toxicidade à saúde humana. De um modo geral, essas tintas não liberam compostos orgânicos voláteis.

Nas paredes do Canto do Uirapuru aplicamos tinta de terra que, no nosso caso, foi composta por terra argilosa/siltosa, cola branca e água, além

Pintura com tinta de terra durante a Vivência de Bioconstrução.

do óleo de linhaça, para ajudar na impermeabilização. Na tinta para as paredes externas, por estarem expostas às intempéries, uma pequena porcentagem de emulsão asfáltica foi adicionada, escolha que promove aumento da toxicidade dessa tinta externa. O traço de nossa tinta foi de 8% de cola, 2% óleo de linhaça, externo 3% de neutrol. A proporção entre água e terra não foi registrada.

A terra foi retirada de um barranco de uma estrada próxima. A cor da argila e do silte dão o tom da pintura. A tinta de terra não libera compostos orgânicos voláteis, resultando em um material com baixa ou nenhuma toxicidade. Como teste, aplicamos os diversos tons na parede do fundo do banheiro. Parte da pintura externa do templo aconteceu durante a Vivência de Bioconstrução.

Para elaboração das tintas de terra, é necessário que o material, já em estado líquido, seja peneirado com uma peneira extremamente fina. Para aplicação das tintas de terra, usamos pincéis e rolo de lã de carneiro.

Elaboração da tinta de terra durante a vivência de Bioconstrução. Sua textura é macia e não é tóxica como as tintas vendidas comercialmente

Peneira feita por Botelho especificamente para a elaboração das tintas de terra. Fotos: autorais (2020)

Plasticidade das construções

“O barro, como nenhum outro material de construção, tem características para se transformar em material plástico ao ser misturado com água, e assim adquirir a capacidade de modelamento.” Gernot Minke, 2015

Trabalhar com paredes de terra nos permite plasticidade e liberdade para inserir diversos tipos de elementos. Para a dinâmica de uso do espaço do templo, é importante ter onde deixar os sapatos antes de entrar. Inserimos garrafas em uma das paredes para servir de suporte para que os usuários deixassem os sapatos. A garrafa também permite transparência e entrada de luz.

Janelas com formatos inusitados não geram grandes transtornos para serem inseridas na técnica do pau a pique. Na parede onde está a entrada, inserimos jarros cerâmicos para servirem de jardineiras. Nos banheiros, bancos moldados in loco sob a técnica do COB e externamente, bancos de hiperadobe nos permitiram formatos orgânicos.

Janelas triangulares na parede do pau a pique. Foto: autoral (2018)

O biodigestor, equipamento responsável pelo saneamento do banheiro, antes de ser instalado.

O biodigestor durante o processo de instalação.

Saneamento local

Um ponto importante ao se falar em bioconstrução é o tratamento do esgoto produzido nos espaços construídos. Na Permacultura, o esgoto não é resíduo. Quando inserido em um ciclo fechado de tratamento e tendo seus dejetos bem destinados, o esgoto passa a ser solução no sistema, e para isso existem diversas técnicas de saneamento do esgoto nas quais seu tratamento é resolvido localmente, sem precisar se deslocar a uma estação de tratamento longínqua, quando existente.

O biodigestor é uma destas técnicas e, no nosso caso, foi usado um biodigestor industrializado, com capacidade de 500 L. Optamos por ele pois naquele momento não nos sentimos preparados para construir outra tecnologia de saneamento.

O biodigestor funciona através da digestão anaeróbia das bactérias. É gerado lodo ao longo do processo e deve ser retirado após meses de uso, no leito de secagem que deve ser construído ao lado. Ao final do processo, ele libera efluente que deve ser direcionado para um círculo de bananeira ou alguma outra espécie que absorva a água. No nosso caso, direcionamos para um pequeno cajueiro que já estava no local. Segundo relatos das proprietárias, o cajueiro cresceu bastante depois da implementação do sistema.

Vivência de bioconstrução

As vivências práticas e cursos são importantes motores de difusão das técnicas construtivas com terra, bambu, e tantos outros materiais naturais. Evidenciando, mais uma vez, a obra enquanto processo educativo. Nessas vivências, é recorrente termos participação de pessoas das mais diversas áreas não restritas ao público profissional da construção civil.

No Canto do Uirapuru, organizamos uma vivência ao final da obra que foi facilitada por Marcos e eu. Muitas das etapas construtivas da construção já haviam sido finalizadas, mas deixamos algumas partes da construção “por fazer”, visando a finalização durante a vivência. Aconteceu durante 3 dias e os participantes puderam acampar no terreno.

Os tópicos abordados por nós durante a vivência foram: análise do solo e testes com amostras de terra, conclusão de uma parede com a técnica do COB, construção de bancos em hiperadobe e a aplicação de reboco com terra. Além disso, também abordamos o preparo de tintas de terra e a posterior pintura externa do templo e aplicação de reboco de terra. Contamos com a explicação do então estudante de engenharia sanitária, Beto Gama, sobre o funcionamento do saneamento ecológico pelo biodigestor.

Momento explicativo durante Vivência. Foto: Camila Bahia (2018)

Mulheres reunidas durante a pintura coletiva das paredes do templo.

Em Tiébélé, Burkina Faso, na África, as mulheres da cultura Kassena retocam e pintam as paredes externas de suas casas de terra. Os desenhos são cheios de significados e histórias.

Mulheres constroem o mundo

Como a terra, que nutre e gera a vida, as mulheres carregam no ventre o poder do nascimento. Assim como a terra, as mulheres também são símbolo de fertilidade. A conexão das mulheres com a terra é ancestral e sagrada.

No contexto brasileiro do canteiro de obras, ainda causa estranhamento para alguns homens ter mulheres como colegas de trabalho. Quantas mulheres pedreiras você conhece? Infelizmente o cenário da construção ainda é bastante masculino e muitas vezes machista.

Mesmo assim, o número de mulheres no canteiro vem crescendo. Segundo o IBGE, desde 2007 até o primeiro semestre de 2018 a presença das mulheres neste mercado aumentou 120% resultando em 239.242 mulheres até então.

Na bioconstrução, é também crescente o número de mulheres que têm buscado se especializar e trabalhar na área. Em cursos, vivências e capacitações, é frequente vermos mais mulheres do que homens. Se elas são a maioria nestes cenários, porque elas não são a maioria, ou pelo menos um número igualitário, dentro dos profissionais em ascensão? Essa é uma pergunta trazida por Bárbara Silva, arquiteta, urbanista e bioconstrutora, em entrevista dada ao podcast do canal Bioconstruir.org com o tema “Mulheres na Bioconstrução: Desafios e Reflexões’’.

Segundo Bárbara, uma resposta possível é por conta das oportunidades que são diferentes, existe a dificuldade das mulheres se inserirem no cenário

profissional. Primeiro por toda dificuldade que existe em se profissionalizar no meio - que ainda é elitizado - e segundo porque para uma mulher se mostrar competente a realizar um serviço é preciso de muito mais provas do que um homem.

Bárbara conta que no seu trabalho no interior do Maranhão, onde ela atua na capacitação de construtores locais para realização de técnicas construtivas com materiais naturais, por vezes é difícil ser levada a sério por outros homens. “Como uma mulher - uma coisa que não é comum no cenário da construção - quer me ensinar uma técnica se eu sou um profissional há anos?” são perguntas frequentes, segundo ela. Muitos destes profissionais já têm resistência em técnicas com materiais naturais, quando vindo de uma mulher, essa situação nem sempre é recebida com abertura pelos construtores.

Segundo a arquiteta, existem situações onde é necessário uma voz masculina reafirmar o que ela já havia orientado na capacitação, ou ela precisar ouvir orientações de homens sobre coisas que ela já sabe e faz parte do trabalho dela. Questões como assédio são ainda problema. Na sociedade patriarcal que vivemos, situações como essas são, muitas vezes, naturalizadas. Na entrevista, Bárbara fala o seguinte:

“Então, você tem que trabalhar sempre numa postura um pouco mais rígida, embora tenha todo seu perfil…. Sou uma pessoa que tem a característica de ser muito aberta, muito brincalhona, levo muito a sério essa questão da relação com o profissional ali no canteiro de obra, porque realmente é uma troca. Apesar de estar na posição de capacitadora, eles também tem muita coisa a me passar, a gente cresce junto ali. Então de que modo essa relação, esses posicionamentos, esse modo de expressar é recebido pelo outro e de que modo esse outro está se referindo a mim enquanto pessoa, enquanto mulher, naquele universo?” (SILVA, 2020)

Finalização de parede de COB.

São muitos aspectos que as mulheres vivenciam no canteiro de obras que os homens não têm ideia por não passarem. Este retrato está presente em muitos contextos de uma sociedade patriarcal. Não tenho dúvidas que o potencial das mulheres para construção é gigante. Que possamos ocupar também estes espaços!

No Canto do Uirapuru tivemos a presença feminina no canteiro. Além de Jana e Dona Chica, suas familiares e amigas que eventualmente colaboraram, tivemos durante momentos pontuais voluntárias. Contamos também com Rocío, arquiteta que trabalhou no reboco grosso e Lívia, geóloga e bioconstrutora que trabalhou na etapa do reboco fino.

Na foto acima, realização do mosaico por mãos femininas. Inclusive, a escolha de realizar o acabamento em mosaico aconteceu durante a obra.

Aplicação de reboco do banheiro por Lívia.

Descrença de alguns pedreiros

Existem muitos estigmas sobre estas técnicas construtivas. Dialogando com pedreiros, quando falo que trabalho com construções de terra, muitos comentam sobre memórias afetivas da infância, lembrando que construíam assim com o pai, mas que hoje não se envolvem mais com essas técnicas. Comentários como esse são bastante frequentes. Alguns se mostram abertos a retomar práticas com a terra e aprender novas técnicas. Alguns se mostram ainda relutantes.

No Canto do Uirapuru, os construtores locais, Seu Zé Lito e Eguinelson, pedreiro e ajudante de obras, de início não colocaram muita fé na obra. Ao fina, já com o olhar mudado, seu Zé Lito comenta com Botelho que o que fizemos é arte.

Usar materiais naturais torna a construção mais barata?

Eu vejo com frequência sites e reportagens vendendo, de maneira bastante superficial, a ideia de que através da “Bioconstrução” você constrói sem gastar quase nada. E evidentemente, esse tipo de informação atiça a curiosidade daqueles que sonham em construir a casa própria.

Antes de afirmar que uma construção com materiais naturais, ou uma Bioconstrução será mais barata, é preciso observar como se dará seu processo construtivo. De um modo geral, podemos dizer que em uma obra com técnicas industrializadas, 50% do seu custo é relativo aos materiais e 50% à mão de obra. Em obras cujo a terra corresponde a principal materialidade das vedações e/ou estrutura da construção, essa composição chega a ser de aproximadamente 25% destinado aos materiais e 75% à mão de obra. (HOFFMAN, 2020)

Como mostrei ao longo deste diário, muitas das matérias-primas obtidas gratuitamente como recursos naturais precisam ser trabalhadas para enfim se tornarem “materiais de construção”. Ou seja, investe-se principalmente na mão de obra e não nos materiais.

A depender da mão de obra, dos recursos disponíveis e do tipo de acabamento que se deseja chegar, a obra pode sair, inclusive, mais cara. Em contrapartida, quanto mais otimizado for o processo construtivo, mais barato se tornará. Essa otimização pode se dar através de equipamentos, pelo prévio planejamento da obra, pela ação do coletivo, etc.

A betoneira para a mistura das massas de terra.

No canteiro do Canto do Uirapuru os elementos que tornaram o processo mais otimizado foram:

– A utilização de betoneira, facilitando a produção das massas;

– A reutilização de adobes já prontos;

– O uso de uma furadeira de alta potência com um misturador para a mistura rápida e eficiente da barbotina;

– O preparo de uma grande quantidade de barbotina ao invés de vários pequenos preparos. E para isso, ter uma grande caixa d’água, baldes grandes ou tonéis disponíveis para guardar esses materiais;

– A cobertura já estar instalada antes do início das etapas construtivas em terra, economizando o tempo diário de cobrir com lona e facilitando a secagem das paredes;

– A escolha das varas retas para o pau-a-pique, ajudando na redução significativa da massa do reboco;

– A inserção de todos os resíduos da obra dentro do pau-a-pique ajudando na diminuição do volume total de massa de preenchimento;

– O mutirão no qual as pessoas puderam ajudar em parte do preenchimento do pau-a-pique;

– A vivência de bioconstrução que materializou dois bancos, fechamento de uma parede e a primeira camada de pintura externa.

Com um aperfeiçoamento da vivência nos canteiros, com certeza, essas etapas vão se otimizando cada vez mais, como em qualquer outra obra. Quanto mais artesanal for o processo, mais tempo leva. Quanto mais automatizado, mais rápido.

Além do tempo das coisas, outro aspecto importante a se considerar é que a terra não compõe a totalidade da materialidade de uma construção. Para subir uma estrutura, temos a fundação, portas, janelas, elementos hidrossanitários e elétricos, estrutura, cobertura… etc. Resultando na necessidade de gasto com a compra dos demais materiais necessários.

A reutilização de alguns elementos construtivos, como por exemplo peças em madeira de demolição, podem permitir, talvez, uma diminuição no custo total da obra. Ainda assim, não é totalmente garantido, uma vez que essas peças podem exigir algum tratamento posterior e uma logística custosa para enfim chegarem ao destino da obra.

Em um contexto de obra autogestionada ou autoconstruída, na qual se contrata pouca mão de obra, o custo total da construção se reduz consideravelmente. Em contrapartida, se essa autoconstrução não contar com alguém com experiência construtiva, o tempo investido na construção pode ser consideravelmente maior. Além das possíveis falhas a serem corrigidas posteriormente, quando e se forem reversíveis. Por isso a importância da assessoria técnica.

No final das contas, a resposta da pergunta seria: se estivermos lidando com mão de obra contratada, não necessariamente a obra sairá “mais barata” por ser de materiais naturais. Porém, se estivermos lidando com uma construção autogestionada ou autoconstruída, é mais possível que sim.

Templo de portas abertas para receber infinitas experiências.

Acima, a relação do espaço, entre banheiro e templo.

Na foto abaixo, Jana, Ravi, eu e Dona Chica!

Na primeira foto da página ao lado, o templo visto de fora.

Na segunda foto, a parte interna do templo.

Fim da obra

Após 4 meses de obra, eis que a construção nasce, abre suas portas para receber tantas outras pessoas e proporcionar tantas outras experiências. Vai se desgastar com o tempo, vai receber retoques, talvez passe por reforma, provavelmente vai receber limpeza no biodigestor, um dia vai ter telha trocada…

Tanta coisa pode vir a acontecer nessa construção. Como a pele envelhece, ela também vai sofrer influência do Tempo. Ela também passa por experiências. O espaço também tem vida. O espaço tem magia. Hoje as paredes desse espaço carregam um pouco mais de memórias e experiências do que há dois anos, quando essas fotos foram tiradas. Os usuários do templo interferem no espaço, cocriando possibilidades de uso e realidades distintas, particulares, sobre o que significa estar ali, presentes.

Na foto ao lado, registro do banheiro finalizado.

Na foto abaixo, janelas do fundo do banheiro, que possuem formato dos símbolos dos quatro elementos.

Na primeira foto da página ao lado, cabelos de piaçava presos no centro da cobertura.

Na segunda foto ao lado, Dona Chica e eu, felizes no espaço construído!

Registros do templo durante ritual. O espaço é co-criado pelos usuários. Jana contou que, durante os rituais, esse espaço circular no chão se tornou uma espécie de altar. Esse objetivo não estava previsto nos desenhos, mostrando que o uso também é capaz de alterar o projeto. Quem se apropria do espaço é também coautor. Esse tipo de interferência evidencia que um projeto de arquitetura nunca vai poder abarcar a totalidade de possibilidades e experiências que um espaço pode promover.

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