
14 minute read
NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO
"As armas e os barões assinalados / Que da ocidental praia Lusitana / Por mares nunca de antes navegados / Passaram ainda além da Taprobana / Em perigos e guerras esforçados / Mais do que prometia a força humana / E entre gente remota edificaram / Novo Reino, que tanto sublimaram".
A consagração do direito a uma vida digna, realizada no caminho de perseguição da felicidade, implica a presença acrescida do desporto, a renovação das suas múltiplas práticas e do seu sentido. Sendo a quantidade e qualidade do tempo dedicado ao cultivo do ócio criativo (do qual o desporto é parte) o padrão aferidor do estado de desenvolvimento da civilização e de uma sociedade, podemos afirmar, com base em dados objetivos, que nos encontramos numa era de acentuada regressão civilizacional. Este caminho, que leva ao abismo, tem que ser invertido urgentemente.
Advertisement
VINHOS PARA A CEIA DA PASSAGEM DE ANO
É bom de ver, o vinho é a bebida da minha eleição. Cristo abençoou-o, deu-o a beber e aconselhou que O imitássemos. É o que faço, porquanto sigo os Seus preceitos. Para a ceia de hoje sugiro líquidos doirados de Trás-Os-Montes e do Alentejo: Touriga Nacional, Grande Escolha da Quinta do Lombo (Santa Casa da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros); uma alternativa magnífica pode ser Reserva do Comendador, da Adega Mayor (Família Nabeiro). No tocante a espumante, recomendo Super Reserva do Casal do Lombo (também da Santa Casa da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros). Quando as sobremesas entrarem em cena, será a hora do vinho do Porto, vintage ou tawny, para acompanhar os queijos e afogar os doces e frutos secos. Pouco há a acrescer à afirmação de Percy Croft: “Todo o tempo que não é gasto a beber vinho do Porto é tempo mal gasto”. É excecional e milagroso: o octogenário Frank Yetman confessava ter saúde de ferro, por beber uma pipa (550 litros!) desse precioso néctar por ano! Bem comidos e bebidos, o ano de 2022 vai acolher-nos no seu regaço de bênçãos.
ADEUS AO ANO VELHO
Os anos, meses e dias têm perna apressada; são muito eficazes a passar e ir-se embora. A altura é de balanço, de arrumar a vida e deitar fora o que está gasto. Convém varrer tudo, do fundo da alma até à porta da casa. Livrar-nos de toda a poalha, das mágoas e rancores, das caras e nomes incomodativos. Entremos lavados, asseados e escarolados em 2022! Depositemos no lixo tudo o que se quebrou e não dá para consertar. Guardar o que não presta, além de estultice, é perder espaço e tempo. Tinjamo-nos de cores alegres, por dentro e por fora. Ajudam na criação de um ambiente favorável. Renovemos a roupa interior; não ponhamos em contacto com a pele tecidos coçados, desbotados e encardidos, porque se entranham no ser. No vestuário exterior, mesmo sendo inverno, usemos tons da primavera. Por exemplo, o amarelo fica bem numa malha; atrai fortuna e prosperidade, pelo menos no ciclismo. Quanto a comidas e bebidas, prefiramos as que avivam memórias de lugares e pessoas, e despertam o paladar da afeição e saudade. Entreguemo-nos e lambuzemo-nos nesses manjares e sabores, sem restrições! Boas refeições pedem o complemento de exercícios recomendáveis. Não contemos o tempo de andar e caminhar na natureza e nas páginas dos livros. Se nos perdermos, deixemo-nos guiar pelo pensamento, que mora nos passos dados e nas frases lidas. O deus Jano já está à nossa espera, pronto para abrir a janela do novo ano. Este não promete milagres ou exige sucessos; pede apenas que façamos o melhor possível, com o cinzel da coragem e o esmeril das atitudes.
AÇÃO DE GRAÇAS
Benditos sejam os que se abeiram de nós com passos silenciosos para não acordar as dores e angústias, os fantasmas e medos! Benditos sejam os que estendem as mãos fraternas e doadoras, e estão ao nosso lado, como girassóis, para partilhar energia, suavizar as feridas, desfazer nós e tecer laços! Benditos sejam os que tocam o nosso coração com o dom da suavidade, nos olham com respeito e aceitam como somos, eivados de erros e imperfeições! Benditos sejam os anjos e pássaros, que nos acompanham pelos caminhos da existência e dão asas e guarida aos nossos sonhos e anseios!
Benditas sejam as pessoas que, ao longo de 2021, me cumularam de atenções, carinho e solidariedade, e saciaram de ilusão! Peço a Deus que, em 2022, não falte a nenhuma destas criaturas, as cubra de bênçãos e ilumine os seus dias.
CELEBREMOS A ARTE DE CONVIVER!
Para trás ficaram 12 meses de convivência neste espaço. Fomos, por vezes, excessivos ou pouco comedidos. Ainda bem! Rousseau (1712-1778), autor do Contrato Social que os sacripantas neoliberais vêm queimando na fogueira da indiferença face ao Outro, foi perentório: “Sempre notei que as pessoas falsas são sóbrias; a grande moderação à mesa geralmente anuncia costumes dissimulados e almas duplas.” Iniciemos 2022 com alegria, que é coisa séria, sem ódio escondido. E voltemo-nos para o porvir com a disposição de celebrar a vida, que é a arte da conviver, de estar juntos sem construir o inferno. Para tanto enchamos a alma e os dias com música e poesia, e com palavras e atos que ampliem os sonhos, a esperança e os horizontes.
LUX INDEFICIENS
O Professor (com letra maiúscula) é uma vela que arde até ao fim para alumiar os caminhos dos outros. Cria assim o futuro e a eternidade. Daí a admiração e a gratidão.
LIBERALISMO FALSIFICADO
Andam por aí filhos de 'boas' famílias, mascarados de liberais. A naftalina esbate, mas não anula o mofo de resquícios do feudalismo e da monarquia. Os meninos de ouro são iliberais; seguem um guião libertário avesso ao liberalismo filosófico e republicano. Os saudosos cavaleiros da troika não ambicionam um mundo melhor para todos, libertá-lo da pobreza, exclusão, indecência, injustiça e das aberrantes desigualdades. Almejam reforçar o neoliberalismo economês e os privilégios, agir sem freios de nenhum tipo, livrar-se de obrigações fiscais e sociais, repor os servos da gleba, abolir leis trabalhistas, cortar salários e pensões, aumentar a carga laboral, arrasar serviços públicos, instaurar a egolatria absoluta, derreter a sociedade. Eis o necrocapitalismo e os seus abutres! Os nobres barões exaltam o êxito resultante da competência e do empreendedorismo. Logo, não deviam precisar do benefício das heranças. Portanto, deitem fora os favores do nascimento e da linhagem! Vamos todos começar do zero. Ver-se-á assim quem se desunha e sobe ao pódio, mediante o respetivo mérito.
NÃO SE DISTRAIA, NEM FAÇA DE CONTA QUE NÃO VÊ!
O vírus anda por aí e tende a alastrar. Não afrouxe a vigilância no período das eleições - e para além delas. Este vírus dissimula-se de várias formas, mas nunca morre. A única vacina contra ele são a lucidez, a boa vontade e reta intenção. O sono da razão produz monstros. Depois não se queixe; Inês é morta!
PLAGIADORES
Somos um plágio dos nossos progenitores. Plagiamos o verbo dos mestres, dos livros e dos autores. Plagiamos o passado e o que ocorre ao nosso lado. Plagiamos os afagos e beijos dos amores. Plagiamos as circunstâncias, os campos e as flores. Plagiamos os pássaros e os poetas voadores. Plagiamos os rios vindos da fundura com a água que mata a secura.
Plagiamos santos e pecadores, afortunados e perdedores. Plagiamos Dionísio e Odisseu desmedidos. Não somos devidamente agradecidos.
AUTENTICIDADE
Não são raras as vezes em que nos sentimos perdidos. Mas não faz mal; está tudo bem, porque essa sensação é uma pequena faísca que continua a iluminar e desafiar a nossa vontade. Enquanto a tivermos conosco, podemos voltar a acender a chama da vida. Não somos exceção. Ninguém está totalmente bem. Todos se enganam no caminho e têm que o recomeçar. Somente esta autenticidade abre vias para vivências da felicidade.
EM DESAGRAVO DA MODERNIDADE
A Antiguidade Grega constituiu um período áureo do ócio criativo, com fascinantes interpretações e explicações mitológicas e filosóficas sobre o universo e o sentido da vida. Na Modernidade o pensamento filosófico assumiu compromissos políticos com a Humanidade, projetando utopias que, então, iniciaram a realização e garantiram um assinalável avanço civilizacional, expresso em vários domínios. Os caminhos abertos pelo espírito da Modernidade (procura da verdade, equidade cívica, dignidade e decência, busca da beleza e felicidade, primado do direito e da justiça, cidadania universal, etc.) clamam por urgente continuidade; mas vêem-se traídos pelo abastardamento intelectual do relativismo pós-moderno, vigente nesta era. Os pensadores modernos, na esteira dos gregos, possuíam a profunda convicção de que pouco ou nada sabiam, por mais que estudassem, observassem e refletissem. Ao invés, os deturpadores dos seus conceitos e propostas têm a certeza de que sabem tudo. É assim que emitem ‘achismos’ iguais às fake news difundidas pelos arautos do fanatismo, obscurantismo e negacionismo, acolhidas e aplaudidas pelo rebanho da ignorância.
O DESPORTO MAIS POPULAR DO MUNDO
Bater nos fracos é o desporto mais praticado, aliciante e compensador do mundo. Os seus aficionados escrevinham artigos de opinião nos jornais e tecem comentários na televisão, que lhes douram o nome e garantem fama e proventos. Com razão, porque são os vulneráveis que desgraçam os países, fogem ao fisco, causam o défice, levam à falência os bancos, esvaziam os cofres públicos, tornam insolventes as empresas e as caixas de aposentação. Enfim, os desvalidos são uma quadrilha de corruptos e larápios. Em contraponto e para equilibrar a situação, beija-se o cu aos tubarões e penduram-se comendas no seu peito. Assim, o panorama fica asseado e decente, limpo e saudável; e prevalece a justiça.
COMPETÊNCIAS
Caro Professor: A lengalenga das competências é música celestial. Dizem que algumas garantem sucesso na terra e glorificação no céu. A promessa é aliciante para os amantes de ‘o quê’. Pouco se fala nas que são básicas para ‘o quem’ da pessoa e da educação; constituem a escala das notas indispensáveis para cantar a convivência. Ensina os alunos a olhar para o lado, a reparar nos que estão sozinhos, a abeirar-se deles, a escutá-los, a conversar e jogar com eles. Ensina-os a cultivar a amizade e solidariedade, a colocar-se no lugar do outro, a perceber as suas circunstâncias, a ajudá-lo e encorajá-lo a superá-las.
Ensina-os a subir, sem empurrar ou pisar alguém, a ser e compartilhar o bem. Não sei se assim modificam o mundo; mas ganham a vida.
DEUS QUER, O HOMEM SONHA, A OBRA NASCE!
A hora é de gratidão a quem não deserta e está ao nosso lado. Nem os ventos evadidos da Caixa de Pandora afundam o barco, porque o anjo da esperança conduz a embarcação para além do cabo das tormentas. Éolo tem que procurar outras paragens; connosco não leva a melhor. Muito obrigado, caríssimos Amigos da utopia da Lusofonia! Isto vai, isto vai.

DESPORTO, ARTE E CULTURA: A VIAGEM PERFORMATIVA
Teve lugar, ao fim da tarde de ontem, no Museu do Oriente, Lisboa, a apresentação da obra-prima acima referenciada. Trata-se de uma fantástica peça pictórica, da autoria do artista Mário Vitória, e de um livro com 247 páginas, em português e japonês. A peça e o livro foram elaborados para os Jogos de Tóquio por iniciativa da Federação Portuguesa de Natação, sob a magistral batuta do Prof. Doutor António José Silva, com a patrocínio do Comité Olímpico e do Comité Paralímpico de Portugal. A empreitada teve ainda o congraçamento da Embaixada do Japão e da Câmara Municipal de Nagasaki. O fito da obra foi o de resgatar a chegada dos portugueses ao Japão na primeira metade do século XVI, bem como as marcas indeléveis que lá deixaram, tentando associar o mito desportivo, o messianismo lusitano e o ecumenismo dos Jogos. A obra é ímpar e constitui um padrão que congrega o passado, o presente e o futuro. Ademais religa o desporto ao universo da arte e da cultura, de cujo ventre nasceu. Sempre que abandona esse berço matricial, o desporto perde a paternidade e o sentido. Aprendi, na escola primária de Bragada e na casa paterna, que no mundo havia pessoas admiráveis. Não imaginava na altura que algum dia conviveria com elas. Mais uma vez as encontrei nos estaleiros da peça e do livro. Também nunca pensei ver um texto da minha autoria traduzido em japonês. Não se estranhe que, nos lábios e nos olhos, tenha a doçura e o brilho da gratidão. Esta colheita de frutos não caiu do céu. Por debaixo dela há muito sofrimento mitigado e sublimado. Igualmente não é o resultado de uma corrida a solo. Sem a retaguarda da família e sem os inúmeros benfeitores que encontrei ao longo da caminhada, esta teria sido curta e quiçá inexistente.
Desculpai o tom de contentamento e de balanço destas linhas. Há dias em que a alma se excede e põe a cantar; hoje é um deles. Por favor, caríssimos Amigos, cantai comigo, porque vós fazeis parte deste caminho e canto polifónico!
DA GRATIDÃO
A gratidão nunca é bastante para reconhecer o bem que nos é feito. Os benfeitores não calculam o alcance e a importância das atitudes e gestos que derramam, como bênçãos, sobre nós; agem desinteressada e generosamente. Jamais conseguimos retribuir em igual medida; mas é imperioso expressar-lhes reconhecimento, sob pena de alargarmos o caminho da perdição. Os atos são a fôrma de quem os pratica. O ingrato é um sujeito medíocre, reles e vulgar, desprovido de valor.
GOSTAS DE SER ‘TROIKADO’ E ATÉ DIZIMADO?!
Tens vários açougueiros e raticidas à disposição, com diferente graduação do fio do cutelo e do teor do veneno, bem como dos respetivos efeitos. Basta, portanto, escolher aquele que melhor se adequa aos teus propósitos. Vai em frente, segue a voz do instinto. Depois, não te esqueças de enviar um relatório da situação!
PONDEREMOS AS ESCOLHAS!
Eis a dificuldade da vida: a toda a hora temos que escolher! Acresce que não vivemos numa cápsula; somos animais sociais. Logo, as escolhas excedem a esfera individual; antes de serem feitas, exigem a ponderação das consequências para nós e os outros. A importância das opções decorre igualmente da mortalidade. Por serem imortais, os deuses não têm que se preocupar com o presente e o futuro. Mas nós somos mortais; sim, vamos morrer. Por isso interessa-nos fazer boas escolhas durante a nossa precária existência. Talvez assim alcancemos alguma forma de perenidade entre os vivos.
EM QUEM VOTO?!
A fronteira fixada pela Revolução Francesa continua em vigor: de um lado os arautos da manutenção dos privilégios de casta; do outro os que se opõem a tal aberração. Tenho memória e consciência; não fico sentado em cima do muro. Não voto nos defensores da 'liberdade do privilégio' de impedir que o bem da 'Liberdade de jure e de facto' seja acessível a toda a gente. Não voto nos surdos ao sentido da justiça social, sequiosos de perpetuar a cleptocracia, os brasões e as heranças. Não acompanho os que tomam a egolatria e a ganância por elevador social, e assim sobem e roubam sem quaisquer inibições éticas. Não voto nos que veneram o mercado dos ambiciosos e inescrupulosos, da competitividade, dos empreendedorismos, dos rankings e do sucesso, com guetos para os 'falhados' e condomínios amuralhados e guardados para a elite. Não voto em partidos com designações encobridoras dos seus propósitos obscenos. Não voto em quem corta salários e pensões, alija um parte da sociedade, abandona os idosos e excluídos, e acalenta o desejo sórdido de destruir serviços públicos essenciais. Enfim, não voto nos manhosos oráculos da 'democracia iliberal', por mais que encham a boca e poluam o ambiente com ardis e 'neoliberalismos' enganadores das multidões. Voto pelo Outro País! Pelo que não perturba nem merece a atenção dos comentadores encartados e encaretados, pagos pelos donos das televisões e dos jornais. Voto pelo país desejado pelos que votam contra si mesmos, ingénuos e aldrabados por uma linguagem melada e envernizadora de perversas intenções. Voto pelo país dos que não se encerram em si, colocam as ideias e a voz ao serviço da comunidade. E põem, acima do PIB, dos interesses da banca e das teorias económicas serventuárias do sistema financeiro, o défice de vida de que são credores, há muitas gerações, milhões de cidadãos. Voto por um país belo e bom, com
Lua, Sol, Música e Poesia para todos, feito deste jeito por convicção e vontade interior, sem necessidade de crispações e imposições, de confrontos e revoluções.
PARA NÃO ESQUECER
A evocação é como uma cimitarra afiada que decepa as mãos e retalha o coração. A dor arrepia a alma, a consciência e a razão. No dia 27 de janeiro de 1945, o exército soviético libertou o Campo de Concentração e Extermínio de Auschwitz. Encontravam-se lá sete mil prisioneiros (judeus e opositores do fascismo e nazismo). O mundo tomou então pleno conhecimento de um dos mais pavorosos símbolos da barbárie nazi. Tinham morrido naquele inferno, em consequência de sevícias, trabalho-escravo, fome, frio, doenças, experiências macabras e assassinatos em câmaras de gás, um milhão e setecentos mil homens, mulheres e crianças. As vítimas foram enterradas em valas comuns ou reduzidas a cinzas em fornos crematórios. O nazismo não foi obra do acaso. Foi cria das elites económicas, financeiras e outras, apoiadas pelo gado do povo. Foram elas que elegeram e moldaram Hitler e os seus comparsas. A conduta das horrendas criaturas teve amplo suporte. A sombra do horror persiste na atualidade. O ventre imundo continua fértil. Canalhas de idêntico teor são eleitos e levados ao poder, da mesma maneira. Os trastes são rebentos da monstruosa cepa da crueldade, agora envernizada; as circunstâncias não lhes permitem usar os métodos de antanho, mas mora neles essa vontade.