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KENARD KRUEL FAGUNDES

KENARD KRUEL FAGUNDES

Santo Antônio Soledade. Tudo era belo e grandioso naquela fazenda. Quanta paz e tranquilidade tinha a vida lá. Os escravos eram tratados como filhos. Bem alimentados, bem vestidos. Os barcos traziam tecidos e viveres da Europa. Barris de vinho português. Manteiga em grande quantidade, tecidos em profusão, bolachas etc.. À noite, todos se reuniam na Casa de Oração e, diante de Nossa Senhora da Soledade, cantavam o ofício, a salva e os benditos. Escravos e patrões, unidos e felizes, aos pés de Deus. A balaiada explodiu, lançado o desassossego nas fazendas e vilas. Os escravos se alarmam. Um dia surgem os balaios. Pânico geral. A prataria e os barris de pólvora são enterrados. – Conta, negro, onde enterraste a pólvora! O negro velho calado. – Conta, ou te mato. Mãe senhora vai buscar a imagem de Cristo e suplica que não matem seu velho. Para salvá-lo vai revelar o local do esconderijo da pólvora. O negro faz-lhe sinal que não fale. E é imediatamente retalhado à faca. Com ele, sepultou-se, para sempre, a prataria. Zuza, agora, ouve de sua avó estas histórias. O texto acima é do padre tutoiense Jocy Neves, neto do coronel Paulino Gomes Neves e de Maria José Gallas Almeida Neves, descendente do povo da fazenda Santo Antônio Soledade. Balaiada, em primeiro lugar não é um movimento do Maranhão, não se deu só no Maranhão, como estou a ler em alguns livros da história do Maranhão. Certo que o ponto de partida é no Maranhão, precisamente na Vila da Manga do Iguará (atual Nina Rodrigues, a 12 léguas de São Luís – MA). Mas, os personagens originais, na maior parte, são do Piauí, além do Negro Cosme, de Sobral (CE). Com respeito à relação escravos e patrões, o padre Jocy Neves afirma que “os escravos eram tratados como filhos. Bem alimentados, bem vestidos. Escravos e patrões, unidos e felizes, aos pés de Deus”. Pode, em princípio, haver romantismo religioso na afirmação dele. Escravo é escravo. Patrão é patrão. Aliás, li um contundente libelo de uma senhora negra dizendo que não descendiam de escravos, mas de homens e mulheres que foram escravizados. Ela descendia de pessoas. A verdade, é que existiam castigos desumanos. Mas, em diversas fazenda, como a referida, havia, sim, um tratamento mais humano. Mas, deixemos o padre Jocy Neves em paz, e passemos aos fatos. A balaiada foi um movimento social, ideológico e político. Assim como outros movimentos similares, ainda está a carecer de pesquisas mais apuradas e divulgações com olhares mais acadêmicos, com o rigor da ciência que rege as Universidades e Faculdades. Não eram bandidos os cabanos, mas opositores de dois governos – Maranhão e Piauí –ditatoriais, que eles queriam derrubar. Embora esta seja apenas uma das vertentes do movimento, como veremos a seguir. A 11 de dezembro de 1838, o cabano José Egito Pereira da Silva Coqueiro, subprefeito da Vila da Manga do Iguará (atual Nina Rodrigues, a 12 léguas de São Luís - MA), deu ordem de prisão para um grupo de vaqueiros, entre eles um irmão de Raimundo Gomes Vieira Jutaí, o Cara Preta, justificando as participações em um homicídio, e determinou que fossem escoltados, como recrutas forçados, para o Rio Grande do Sul, onde lutariam ao lado das tropas governamentais contra os “farrapos”. Raimundo Gomes, capataz do fazendeiro Bem-te-vi padre Inácio Mendes de Moraes Silva, pessoa influente e temida no sertão do Brejo, pároco da cidade de Arari, ao saber que o irmão estava entre os presos, procurou libertá-lo por intermédio da legalidade e da influência de velhos políticos liberais. Sem sucesso, dois dias depois, comandando dez homens, em plena luz do dia, adentrou a Vila da Manga do Iguará, defendida por 42 guardas-nacionais, que debandaram aos primeiros tiros, invadiu a cadeia e libertou os prisioneiros. O governo local iniciou perseguição. Raimundo Gomes lançou manifesto: “Ilmo. Sr. Capitão Manuel Alves d’Abreu, Vila da Manga, 15 de dezembro de 1838. Como Acho nesta Vila com a Reunião do Povo e bem do socego publico como consta do Artº sig Te. (1°) Que seja sustentada a Constituição e garantido dos cidadãos. (2°) Que seja admetido o Presidente de Província e em Tregue o governo Vice-Prezidente. (3°) Que seja abolidos os Prefeitos e Subs-

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Prefeitos, Comissarios ficando som.tes em Vigor as Leis geraes e as Províncias que não forem de em contra a Constituição do Império. (4°) Que sejão espulcados empregos portuguezes e Dispejarem A Província dentro em 15 dias com exseção dos cazados com famílias brasileiras e os de 60 anos para sima. Raimundo Gomes Vieira - Comde da Força armada. Segeu a Cap. Alberto Gomes Ferreira evitar todos os Cidadoes Brasileiros e amigos da Patria e do sucego Publico para se acharem neste Quartel da forca Armada para o bem do Brazil. Quartel da Força. Manga 14 de Dr. o de 1838. Comde da Força. Fora feitores de escravos.” O manifesto ganhou a adesão de centenas de camponeses, vaqueiros, artesãos, negros - livres e escravos, inclusive do grupo liberal (Bem-te-vis). Raimundo Gomes manteve contatos, no Piauí, com alguns fazendeiros opositores do presidente da província Manuel de Souza Martins. Um dos primeiros a se engajar foi o caudilho Lívio Lopes Castelo Branco e Silva (Campo Maior). Vieram José Pereira da Silva Mascarenhas (Uruçuí), Manuel Lucas de Aguiar (Parnaguá) etc. Manuel de Souza Martins governava a província do Piauí de maneira ditatorial. Sua administração era conhecida pela diminuição da autoridade dos senhores pecuaristas dentro das zonas de influência. Fazia uso da exploração da força de trabalho da população rural, era conivente com a corrupção e praticava o nepotismo (toda a sua família estava alocada no governo). Nomeava prefeitos, quase todos parentes ou prepostos seus, recebendo, com isto, imediata reação dos líderes regionais, que eram, também, membros da elite econômica da província. A pecuária, a principal economia, estava em decadência. A produção agrícola não era suficiente para alimentar a maioria dos piauienses. Por questão pessoal - familiar, juntou-se Manuel Ferreira dos Anjos, conhecido como Manuel Balaio, ou Balaio, por ser fazedor de balaio, o Balaio, que queria vingar o defloramento da filha por um soldado, na chamada vingança pela honra da família. Na parte dos negros – livres e escravo, desponta Cosme Bento das Chagas, o Negro Cosme, que trouxe para o movimento mais de 3.000 homens a seu comando. Adotando o título de Dom Cosme Bento das Chagas, Tutor e Imperador da Liberdade Bem-te-vi, ele fundou, na Fazenda Tocanguira, o maior quilombo da história do Maranhão. O seu exército era formado principalmente de africanos, visto que no Maranhão tinha um grande contingente de negros naquela época. Neste período, o Maranhão era o terceiro estado com maior número de escravos, ficando atrás apenas do Rio de Janeiro e do Espirito Santo, além de ultrapassar percentualmente São Paulo e Minas Gerais, regiões economicamente mais prósperas e importadoras de escravos naquela altura. Havia, também, o desejo de mudança no governo do Maranhão, com a derrubada do presidente da Província, como se dava também no Piauí. Durante o período regencial brasileiro, a província do Maranhão, região exportadora de algodão, passava por uma grave crise econômica, devido à concorrência com o gênero estado-unidense. Em paralelo, a atividade pecuária absorvia importante contingente de mão de obra livre nesta região. Estes fatores explicam o envolvimento de elementos escravos e de homens livres de baixa renda no movimento da Balaiada no Maranhão. O comércio, nas mãos dos portugueses e, depois, dos ingleses, colocava a situação dos proprietários rurais maranhenses em situação delicada, na medida em que os produtos importados eram muito mais caros do que os agrícolas exportáveis. No campo político, ocorria uma disputa no seio da classe dominante pelo poder, que se refletia no Maranhão, opondo, por um lado, os liberais (Bem-te-vis - republicanos) e os conservadores (Cabanos monarquistas). À época da Regência de Pedro de Araújo Lima, provocando o chamado regresso conservador, os Cabanos aproveitaram a oportunidade para alijar do poder os Bem-te-vis, tentando, ao mesmo tempo, debilitar ainda mais estes últimos pela contratação dos serviços de vaqueiros que, tradicionalmente, lhes davam apoio. A política no Maranhão era caracterizada pela sucessão dos governantes, através do processo eleitoral, e pela disputa política dos liberais e dos conservadores.

Os primeiros propagavam as suas ideias pelos jornais Bem-te-vis, Crônica Maranhense e Sentinela. Os segundos representavam o poder provincial, defendendo, nos jornais, O Constitucional e o Investigador Maranhense, as medidas tomadas pelos governos regencial e local, mas, contraditoriamente, ao mesmo tempo em que se opunham ao governo, os liberais classificavam os líderes da Balaiada como “bandidos”, “rebeldes” e “vândalos”. A 3 de março de 1838 Vicente Tomaz Pires de Figueiredo Camargo foi empossado no Governo do Maranhão. A 26 de julho sancionou a Lei dos Prefeitos, que dava condições para que nomeasse os prefeitos dentre as pessoas da sua confiança, ou seja, a colocação em cada município de um preposto da presidência da província, acabando, assim, com qualquer oposição ao governo, principalmente porque, além dos poderes administrativos, os prefeitos tinham também o de autoridade policial, atribuições anteriormente dos juízes de paz, que eram eleitos tradicionalmente pelas Câmaras Municipais, ou seja, constituíam-se em representantes dos interesses das famílias mais poderosas da região. Os conservadores, que estavam no poder, conseguiram, por meio da violência e da fraude, maior controle da província, nomeando seus partidários para o cargo de prefeitos, o que redundou em perseguição aberta aos liberais. No momento em que no Rio de Janeiro começava-se a discutir a conveniência de uma Lei Interpretativa do Ato Adicional, a fim de retornar ao centralismo, os Cabanos do Maranhão tomaram medidas para reforçar o próprio poder na província. A Assembleia Legislativa maranhense votou duas leis: a primeira deu ao presidente da província o poder de nomear os prefeitos, a segunda deu aos prefeitos o poder de organizar e comandar a Guarda Nacional. Deste modo, os Cabanos anteciparam-se ao movimento centralizador que se iniciava no Rio de Janeiro: tinham agora o controle das prefeituras e, por meio delas, o das forças armadas em toda a província. Os Bem-te-vis protestaram, inutilmente. Os Cabanos, para prejudicá-los, adotaram no interior da província o recrutamento indiscriminado de boiadeiros, feitores, entre outros agregados ligados aos adversários. Foi assim que a luta entre os membros da camada senhorial dominante acabou por atingir as camadas populares, que aderiram à revolta iniciada, a 13 de dezembro de 1838, pelo vaqueiro Raimundo Gomes Vieira Jataí, piauiense, mestiço, capataz do fazendeiro padre Inácio Mendes de Morais e Silva (Bem-te-vi), pessoa influente e temida no sertão do Brejo, tido como membro da oposição ao governo. Este recrutamento, utilizado de forma arbitrária pelos governos provinciais, atingia, especificamente, os mais humildes, o que causava forte reação e intensa resistência por parte dessa camada social. Em muitos casos os governos adotavam armadilhas para dar cumprimento às ordens vindas do Governo Central. Resumindo: O governo central enviou o experiente militar Duque de Caxias para eliminar, a qualquer custo, a rebelião no Piauí e no Maranhão, o que ele fez, com gosto e arte. Matou alguns dos principais líderes do movimento. Prometeu anistia aos demais. Lívio Lopes Castelo Branco, por exemplo, foi um dos que capitulou. Apenas um se mantinha na resistência, sem querer acordo, pois a luta dele, dizia, era para libertar todo negro cativo. Enquanto houvesse um, haveria luta. A 17 de setembro de 1842, o Negro Cosme, foi enforcado em frente a cadeia pública de Itapecuru-Mirim, hoje Casa da Cultura Professor João Silveira. Sua morte transformou-se em símbolo de luta contra a escravidão. À frente dos quilombolas, lutara para pôr fim à escravidão, junto com líderes como o índio Matroá, o vaqueiro Raimundo Gomes, o Cara Preta, e de Manoel Ferreira dos Anjos, o Balaio. Assim como os búzios de 1798, em Salvador, e tantos outros, o negro Cosme foi justiçado para servir de exemplo. Porém, a insurreição escrava teve continuidade mesmo após o fim da revolta dos balaios. Também, antigos e novos núcleos de quilombos se mantiveram ou foram criados, alguns concentrando cerca de 400 a 500 quilombolas. O governador Flávio Dino (PC do B do Maranhão) instituiu o 17 de setembro, data da morte do Negro Cosme, como o dia em homenagem ao líder quilombola. Há a data, mas não é lembrada, nem no dia. Padre Jocy Neves

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