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JOSÉ NASCIMENTO MORAIS FILHO
15 de julho de 1922 # 22 de fevereiro de 2009
Ilha Galeria de Livros Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão
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Nascido em São Luís, aos 15 dias de julho de 1922, o autor de Clamor da Hora Presente, desde cedo, mostrou sua forte vocação de agitador de idéias. Assumiu a liderança de um grupo de jovens, e com eles fundou e dirigiu o Centro Cultural Gonçalves Dias, considerado o mais importante movimento cultural de São Luís, na década de 40. Auditor Fiscal aposentado pela Secretaria da Fazenda do Estado, Nascimento Morais Filho hoje preocupa-se com as novas gerações, que não contam mais com as tertúlias – as conversas noite adentro nos botecos do Largo do Carmo e na Praça Benedito Leite, nas quais jovens poetas e jornalistas falavam de literatura, amor e política. Recolhido às memórias, Nascimento Morais Filho não arquivou a paixão pela poesia, tampouco se esquiva da militância pública. Casado há 52 anos com a enfermeira Conceição Moraes, o poeta fala com orgulho de seus cinco filhos: o professor de Física José Nascimento Moraes Neto; a bacharel em Filosofia Ana Sofia Fernandes Nascimento Moraes; a enfermeira Eleuses Moraes Garrido; o médico veterinário Renan Fernandes Moraes e a professora Lourely Fernandes Nascimento Moraes. Enfermeira do trabalho, ex-funcionária da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e da Alumar, hoje trabalhando na Prefeitura de São Luís, Conceição Moraes encantou o poeta aos 20 anos de idade: “Era uma pepita, que eu roubei de lá, da cidade de Turiaçu, onde ela nasceu”, recorda o poeta.Seu primeiro livro, Clamor da Hora Presente, publicado em 1955, foi traduzido para o francês e para o inglês por uma freira dos Estados Unidos da América do Norte. Depois ele publicou Pé de conversa (1957); Azulejos (1963); O que é o que é? (1971); Esfinge do azul (1972); Esperando a missa do galo (1973); Maria Firmina – fragmentos de uma vida (1975) e Cancioneiro geral do Maranhão (1976). Nascimento Morais Filho também promoveu a reedição fac-similar do romance Úrsula (1975) e do livro de versos Cantos à beira-mar (1976). Com mais de 10 livros publicados, Nascimento Morais Filho é dono de uma obra que muitos quiseram condenar ao ostracismo, por conta das ousadas atitudes políticas que assumiu ao longo da vida. Cioso da ascendência africana da sua família e do exemplo de vida de seu pai, o jornalista e escritor Nascimento Moraes (1882-1958), que sofreu na pele o escancarado preconceito racial
285 SANTOS NETO, Manoel. Nascimento Morais Filho. in GUESA ERRANTE, Suplemento Cultural e Literário JP, 28 de novembro de 2005, disponível em http://www.guesaerrante.com.br/2005/11/28/Pagina63.htm, acessado em 29/04/2014. 286 CARNEIRO, Alberico. LER/DIALOGAR/SIGNIFICAR NASCIMENTO MORAIS FILHO: Um Poeta Além de seu Tempo. JORNAL PEQUENO, Publicado em: 01/03/2005, disponível em http://jornalpequeno.com.br/edicao/2005/03/01/lerdialogarsignificar-nascimento-morais-filho-um-poeta-alem-deseu-tempo/
que havia na sociedade maranhense, Nascimento Morais Filho, até hoje, trava uma luta à sua maneira pelo respeito e pela valorização dos negros. Como parte desse esforço, ele gosta de lembrar que ficou na Imprensa do Maranhão o exemplo do grande jornalista, que foi seu pai. Nascimento Morais Filho287 é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e é o titular da Cadeira Nº 37 da Academia Maranhense de Letras, instituição com a qual acabou travando uma briga memorável. O autor de Esfinge do azul rompeu com a Academia quando os seus pares reuniram-se, no dia 7 de junho de 1979, para eleger o ex-governador Pedro Neiva de Santana (1907-1984). Protestei porque Pedro Neiva nunca escreveu uma linha. Reagi, votei contra e nunca mais pus meus pés lá. Dessa sua atitude, Nascimento Morais Filho diz que nunca se arrependeu: Larguei a Academia, sim. É uma Casa que não imortaliza ninguém. Quem tem valor, quem tem talento mesmo, não precisa de Academia, assinala o poeta, lembrando que seu pai foi presidente dessa mesma Academia. Caso raro entre os literatos maranhenses, o autor de Clamor da hora presente faz duras críticas aos intelectuais da moda, como também tem uma avaliação bastante severa de sua obra e de si próprio. Porém ele enche o peito, deixando a modéstia de lado, quando começa a falar de seus próprios livros: Eu sou um escritor internacional. Minhas obras já foram para outros países e meu livro Azulejos, se fosse traduzido em francês ou inglês, seria um best-seller, porque é um livro originalíssimo, que resgata os meus tempos de menino.
EVOCAÇÃO288
Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito! - Eu sou o sofrimento dos sem nome! - Eu sou a voz dos oprimidos! Não tanjo a lira mágica de Orfeu De quem as aves se acercavam para ouvi-lo E lhe vinham lamber os pés as próprias feras! As láureas, meus irmãos, olímpicas não busco Com que cingis de gloria os vossos sonhos! - Cravaram-me a coroa dos crucificados! Minha Castália – são as lágrimas do povo; Meu Parnaso – a dor da minha gente!
Meu instrumento é poliforme e rude! Não tem o aristocrático perfil das harpas nobres Nem as rutilações de sons das pedras raras. - Ele é clamor! Ruge nos seus trons O estrugir do povo em praça pública!
Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito! Maldigo a resignação infame dos covardes! - Eu prego a rebeldia estóica dos heróis: - Meu evangelho é a liberdade!
287 O homem que renunciou à Academia in GUESA ERRANTE, Suplemento Cultural e Literário JP, 28 de novembro de 2005, disponível em http://www.guesaerrante.com.br/2005/11/28/Pagina62.htm , acessado em 29/04/2014 http://jornalpequeno.com.br/edicao/2009/02/22/nascimento-morais-filho-morre-aos-86-anos-vitima-de-edemapulmonar/ 288 Blog de Luiz Alberto Machado, disponível em http://varejosortido.blogspot.com.br/2010/10/poetas-domaranhao-nascimento-morais.html JOSÉ NASCIMENTO MORAIS FILHO – O poeta, professor, jornalista e folclorista maranhense, José Nascimento Morais Filho (1922-2009), foi um dos participantes do Modernismo no seu estado e ocupante da cadeira 37 da Academia Maranhense de Letras. Fundador do Comitê de Defesa da Ilha de São Luiz e militante ambiental, é autor dos livros Clamor da hora (1956), Azulejos (1963), Esfinge Azul (1972), Pé-de-conversa (1957), Um punhado de Rima (1959) e Clamor do Presente (1992). http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/maranhao/nascimento_moraes_filho.html
A liberdade, meus irmãos, Tem a forma simbólica da cruz E a cor do sangue. - O sangue é o apanágio da conquista!
Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito! Jesus, Se conquistou os céus com suas orações, Ele, o Redentor, Sobre a terra triunfou com o sangue do seu corpo!
Sangue, flâmula bendita, E no Calvário – fé – aberta em cruz!
Poetas, meus irmãos, acompanhai meu grito!
EGO SUM QUI SUM
Corre sangue de heróis nas minhas veias; Descendo da nobreza dos gigantes; As flamas das batalhas conservei-as, Forjadas na bigorna dos atlantes!
Atenas – meu brasão!... e das cadeias Olímpicas dos sonhos deslumbrantes, As vertigens azuis arrebatei-as Aureolando-as com os raios dos levantes!
Legionário da glória, dos umbrais Da luz dardejarei coruscantes astas Contra o furor dos vis iconoclastas!...
A ressoar as trompas aurorais Formarei novos mundos dos escombros - Carregarei os séculos nos ombros!...
APOCALIPSE SOCIAL
Ó vós que adorais o Bezerro de Ouro, Olhai para o levante! Vede a coluna incandescente Que fumega no horizonte! - É o sinal dos novos tempos! - É aquela mesma coluna de fogo Que desceu dos céus, Para guiar a humanidade para a Terra da promissão! - São os legionários da liberdade, Que marcham abalando o infinito, Qual terremoto de luz, Craterando as regiões das alvoradas!
Tremei, ó potentados! Tremei! - É a sentença dos séculos!
Pesa pontiaguda sobre vossa cabeça, Como aquela espada sinistra do banquete!... Mas breve o fio se partirá, ó potentados!....
O juízo final vos espera... Contados, vossos dias! Pesados, vossos crimes! Divididos, vossos tesouros pelos clamores, Que rondam os muros de vossos Palácios e mansões! Não ouvis as vociferações Dos cartazes nas paredes? Não ledes as sentenças ameaçadoras Escritas por mãos misteriosas, Nos muros e nas calçadas? - É a voz do povo Clamando no muro das lamentações! - É a voz de Deus, Escrita com piche à vossa porta! - Quem ouvidos tiver que ouça! - Quem olhos tiver que veja! Ó rubro tonitroar de trombetas - explosões dos Andes aureolados de flamas! Clamarei, ó potentados: “o pesadelo dos céus”! - A liberdade destruindo as muralhas dos Presídios! Presídios, Quem tem como cúpula A toga dos magistrados consteladas de lágrimas! Lágrimas, Que tremem como bocas balbuciantes E acenam para a justiça Que vós, ó potentados, cegastes.
Os arranha-céus - operários petrificados em revolta Desmoronando em cadeia! E dos escombros Falanges de fantasmas sinistros Com os punhos fechados para o alto Avançando sobre vós! Os verdes campos, ridentes de alegria verde, Há séculos, Transformados em campos de tortura da esperança, Despertando da letargia do sofrimento!... E das outrora dadivosas covas das seares, Cardos espectrais brotando agora!
Ai de vós, industriais da miséria e da injustiça! Ai de vós Que desperdiçais em vossa lauta mesa A comida que roubais da boca dos meus irmãos! Ai de vós Que transformais em sons de long-play Os soluços e os ais de meus irmãos!
Ó vós Que os céus enegreceis de tantos crimes, Levantai-vos de vossa prostração! - É outra vossa crença! É outro vosso culto! - As vossas oblações ofendem a Deus, Ó vós Que celebrais a missa negra da miséria E da injustiça!
Escutai, ó meus irmãos, Os trons estranhos de trombetas estranhas! - Eclosões de auroras! Não mais Os apitos enfumaçados das chaminés Açoitando a besta-humana para o trabalho-forçado! - ´W a marcha universal dos novos tempos!
Erguei-vos, e vivei, ó meus irmãos! - A luz, o ar, a terra é para todos!... Vinde comigo! Eu vim da idade que virá, Para revelar-vos os dias que virão! Não mais, meus irmãs, fundireis nas oficinas A chave de vossa cadeia! Não mais tecereis nos teares O sudário moral dos vossos dias! Livres, Trareis os vossos pulsos Das algemas da escravidão E vosso rosto das rugas do ferro do senhor! - Não mais a vida de escravo, Não mais senhor o patrão! O suor não é mortalha Nem o labor opressão!
Ao som do canto agreste dos campônios, Ó campos reflori! Ó campos reflori! Cantai na vos dos pássaros, cantai! Cantai na branca voz das cataratas, cantai! Na luz transfigurada das searas Ó campo exultai! Ó campo exultai! De novo cavalgai, homens do campo, Vosso corcel olímpico de auroras! ... Um riso faltava na sociedade... Uma lágrima... e uma idéia.... Inda uma cor faltava na paisagem E uma nota na harmonia universal! - Rides? Vossa alegria será por todos comemorada! - Chorais? Vossa dor será por todos compartilhada! - Pensais? Vossos pensamentos não precisarão esconder-se Nos subterrâneos da noite! - A liberdade é a pátria universal!
Vossa consciência é vossa. Consciência, Que não precisareis vender por um prato de Comida, Nos dias de eleição!... Vossa mulher agora terá leite, Para amamentar vossos filhos, E, nos seus fecundos seios, criará os novos homens! Homens, Que, ao contemplar o firmamento azul, Se lembrarão das suas origens... E, então, no êxtase de deuses redivivos, Exclamarão: - Eu vim também do infinito! Nasci naquela estrela!