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EDMILSON SANCHES
à Praia Grande, Trapiche & Cia.
FERNANDO BRAGA
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"É esta a alva coluna, o lindo esteio sustentador das obras mais que humanas que eu nos braços tenho e não no creio?” Luís Vaz de Camões A José Ernani dos Santos, meu pai, Aveiro, Portugal, 17.10.1910 – São Luís do Maranhão, 25.12.1975.
1 Nas porcelanas de faiança apenas a sombra da raiz do tempo. As tabuletas caíram das frentes dos sobrados de azulejos portugueses e de madeiras de carvalho, as mesmas das caravelas dos descobrimentos; Nímios argamassados com óleo de baleias e pedras de lioz, eternas nas calçadas, desafiam com ternura as possibilidades do tempo; são pedras que faziam lastros para os navios que teriam de voltar carregados para o sustento mercantil da Companhia de Comércio das Vinhas do alto Douro. Aquelas pedras polidas e feridas e de cantaria e de calendas, de lendas e romarias, fazem a história mágica que canto. Pedras tenazes, de fontes e ruas, e de frades, sentinelas de becos e vielas, dogmas fálicos e blenorrágicos de orgias. 2 Não há mais vivalma de corpos postos e eretos ossos, a encherem o trapiche, de estrume e cálcio... Homens do ganho, sem camisas e com calças arregaçadas às canelas, juntos aos regatões, descansam em horas calmas; no Beco da Catarina-Mina, a velha Honorata, a mulata do peixe-frito, bradava a dizer que o filho tinha sido recrutado pela Marinha de Guerra e levado para uma outra Marambaia... 3 Nas marés altas, Leviatã continua pescado com arpão e sua língua presa à corda. A Praia Grande se me abriu n’alma, uma saudade sem cura e jeito, e uma ferida dentro do peito, feita de uma saudade de pedra-e-cal. Uma saudade lírica e destemperada deixada com os apitos abaritonados dos navios de cabotagem e mistos, que estão no cais, ou nos canais das marés-altas... Os navios que não apitam não se despedem! Uma saudade que amo, quando de perto vivo, uma saudade que sofro, quando de longe morro. Uma saudade a me despencar pelo verde-limo e a me fazer de esperas.
Por isso me faço e desfaço, com o árido pão que mastigo, com as mandíbulas e outros sentidos, e pedaços irregulares de distâncias. Há em mim o nervo de uma ode-Mar na essência desse meu avaro chão, a ditar-me o verbo insepulto, mas sonâmbulo, como um poema verde. 4 Estar-se na Praia Grande é um alívio, um jazer no germinal do mistério e na magia do encantamento, porque meu mar não tem fronteiras e nem medidas. Um assobio trinado, uma mecha de cabelo caída à testa, um lápis atrás da orelha, restou de um mórbido silêncio e longa pausa na pauta do tempo. Com os pés feridos pelos desníveis dos paralelepípedos, um desterrado, fugido das páginas romanescas de Ferreira de Castro, canta sua loucura, em monólogos sofridos, até às lágrimas dos imigrantes que o assistem... Sou apenas um dublê de capitão e pirata, que a viração dos ventos levou no final da tarde. Sinto ainda meu pai ao meu lado, a dizer-me que a pedra mais angular da Praia Grande inteira, é a que deu nome ao peixe. 5 Praia Grande em silêncio, solitária, fidalga e generosa, passeia comigo de mãos dadas na imensidão do domingo, quase na virada da tarde, plena e inteira, meiga e mágica. Caminho com sextilhas no meu ritmo desordenado, mas perfeitamente amparado por um canto de saudade que se me faz marítimo. Ao caminhar, vou a descobrir figuras nas pedras de cantaria, livre por instantes cadentes aos impulsos e circunstâncias, mas preso definitivamente pelo assobio saudoso e trinado de meu pai, que sem querer chamava o vento. E o bonde da Estrada de Ferro passa sobre os trilhos polidos, a levar consigo lembranças do nunca mais... E a Praia Grande plena de imensidão caminha comigo no plano do silêncio... Uma desmedida silencidão! Isto é a alma e a essência deste canto! Estou pleno no altiplano dessa grande mercancia, cativo às correntes do meu hipocampo. 6 Não tenho pressa alguma, porque meu tempo é generoso como se eu tivesse sendo esperado pelo amor e pelos carinhos de minha amada mãe! Os armazéns estão fechados... Estou entre o agora e o passado! Estar-se na Praia Grande é estar-se em Lisboa, Igualzinha a que meu pai me trouxe, e que depois
fui buscá-la, para guardá-la num domingo de minha infância, porque em mim, a Praia Grande há de reviver-se portuguesa, com certeza, rica, festiva, regateira e alfacinha... ---------------------in ‘O Puro Longe’, 2012.
O jornalista e escritor Cunha Santos faleceu, na manhã desta quarta-feira (20 de outubro de 2021), em um hospital de São Luís. Ele tinha 68 anos de idade e fora internado às pressas na madrugada de terça-feira (19), na UPA do Vinhas, com insuficiência respiratória ocasionada por um edema pulmonar, de acordo com informações dos médicos que o atenderam no Setor da Emergência. Jornalista, poeta e escritor, Cunha Santos é autor de diversos livros. Filho de Codó, cidade onde nasceu no dia 10 de novembro de 1952, Cunha Santos é hoje reconhecido como um dos mais importantes e expressivos autores contemporâneos do Maranhão. De seus pais - Durval Cunha Santos e Josefina Alvin de Medeiros -, J.M. Cunha Santos herdou a sensibilidade para as lutas populares e abriu espaço nestas lutas para, numa atividade simultânea, dedicar-se à poesia, à música e à reflexão política. Autor de “Meu Calendário em Pedaços” - seu primeiro livro; “O Esparadrapo de Março”, “A Madrugada dos Alcoólatras”, “Paquito, o Anjo Doido”, “Odisséia dos Pivetes” e “A comunidade rubra”, Cunha Santos ao longo dos últimos meses estava escrevendo mais dois livros: “Terceiro Testamento” e “Lockdown - A literatura da solidão”. Pai de quatro filhas – as gêmeas Larissa e Laiza, Laila e Tiara -, Cunha Santos não cansava de demonstrar o seu amor pela poesia, onde buscava forças até para suportar as dificuldades da vida. Ele mantinha inalterado o notável talento como escritor, poeta, compositor e jornalista, e o gosto de cantar e de fazer poesias. O pai dele, também jornalista, assinava seus artigos como Cunha Santos, daí porque o jovem Jonaval passou então a assinar suas matérias, seus livros e seus artigos como Cunha Santos Filho. E desde então vinha fazendo de seu trabalho na imprensa um instrumento a favor do ideal de cidadania e justiça e, em seus escritos, costumava ressaltar a teimosa insensatez dos homens, causadora de crises, guerras, conflitos e opressões. Como poeta, ele confessava que tinha grande estima, respeito e admiração por dois homens de letras do Maranhão: Nascimento Moraes Filho e Nauro Machado. “Continuo não acreditando que se fabrique poesia. Poesia é sentimento, é emoção. Não se marca hora para escrever poesia. A poesia cai de dentro da gente”, sentenciava Cunha Santos. Como jornalista, profissão que abraçou aos 17 anos e que jamais abandonou, foi o tempo todo um grande lutador. Em 1973, entrou no Jornal Pequeno (tinha então 21 anos) como redator-chefe, substituindo seu pai, o velho Durval Cunha Santos. Na época, “Lourival Bogéa era criança, e atuava como uma espécie de fotógrafo-mirim deste jornal”, lembra Cunha Santos. Ele se orgulhava de ter convivido com o velho José Ribamar Bogéa (1921-1996), que era um gênio para criar figuras como o “Língua de trapo” e seções de jornal, como “No Cafezinho”. Cunha Santos dizia que admirava a genialidade e a ironia impiedosa com que o velho Bogéa vergastava os poderosos do Maranhão. Mesmo sendo um jornalista reconhecidamente lutador, Cunha Santos não escondia de ninguém que preferia a poesia ao jornalismo. “Nunca fui nem serei um bom repórter. Tenho preguiça de ir atrás da notícia”. Passou pela redação de vários jornais de São Luís, entre os quais “O Diário do Norte”, do ex-deputado federal José Teixeira, o “Diário do Povo”, editado por Nilton Ornellas, onde escreveu as melhores reportagens sociais de sua vida; “O Estado do Maranhão”, à época de Bandeira Tribuzi, Adalberto Areias e Vera Cruz Marques; a velha “Folha do Maranhão”, que era comandada pelo ex-deputado Cid Carvalho, “O Debate”, de Jacir Moraes, e “O Litoral”, de Mary Pereira. Na condição de editor de Política do “Diário do Povo”, Cunha Santos escreveu inúmeras matérias sobre lutas sindicais, causas populares e publicou uma série de reportagens sobre menor abandonado, intitulada “A geração perdida do Brasil”, denunciando o drama dos cheira-colas que começavam a se multiplicar pelas ruas de São Luís. Para Cunha Santos Filho, o velho Durval Cunha Santos foi um gênio. Seguindo os passos do velho, J.M. Cunha Santos trabalhou também em muitos jornais alternativos e, como seu pai, conviveu com grandes jornalistas. Além do irreverente Zé Pequeno, ele destacava Othelino Filho, João Alexandre Júnior, que também era poeta e advogado; Luís