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O Perfeito Nazi Duarte Rodrigues Nunes

Duarte Rodrigues Nunes

Bruno Langbehn, O Perfeito Nazi

O livro O Perfeito Nazi foi escrito pelo cineasta e escritor britânico Martin Davidson, filho de um escocês e de uma alemã .

O livro descreve a biografia do seu avô materno alemão, Bruno Langbehn (1906-1992), odontologista e, mais tarde, dentista de profissão, no que concerne à sua ligação, primeiro ao movimento (1925-1933) e depois ao regime nazi (1933-1945), enquanto membro, sucessivamente, do Frontbann, das SA (Sturmabteilung) e das SS (Schutzstaffel) e, dentro das SS, do SD (Sicherheitsdienst). E também no que tange ao modo como usufruiu da sua condição de “proto-nazi” e dos cargos que exerceu durante o regime nazi (incluindo a obtenção de um consultório de dentista pertencente a um judeu que se suicidara em 1942 para “escapar” à Shoha para que Bruno Langbehn – presidente da organização representativa dos odontologistas de Berlim – e a sua sogra, igualmente odontologista, aí exercessem a sua atividade profissional) e às suas démarches (bem sucedidas) para escapar aos processos de desnazificação na Alemanha do pós-Guerra.

O livro retrata ainda a personalidade autoritária, a fidelidade à causa nazi e a nostalgia do regime hitleriano até ao fim da vida, bem como o pacto de silêncio de toda uma família acerca do passado nazi do seu avô materno durante mais de quarenta anos (só quebrado após a sua morte, em 1992).

O autor, Martin Davidson, com o seu avô materno Bruno Langbehn

A história de Bruno Langbehn retrata realidades muito frequentes no pósSegunda Guerra Mundial, como sejam a fidelidade aos ideais nazis e a nostalgia do regime hitleriano, muitas vezes acompanhadas do negacionismo ou, no mínimo, da apresentação de justificações que chegam a roçar os limites do ridículo para os crimes inequivocamente executados ou desencadeados pelos dirigentes nazis, auxiliados por toda uma coorte de funcionários subalternos dispostos a obedecer cegamente às ordens criminosas que lhes eram sistematicamente dadas, tanto por fervor ideológico/racista como por oportunismo. Outra realidade igualmente muito frequente foi/é o pacto de silêncio que, muitas vezes, se estabeleceu nas famílias de antigos nazis (sejam eles dirigentes, “meros” simpatizantes, colaboradores subalternos ou indivíduos que, de uma forma ou de outra, retiraram benefícios da sua participação ou simpatia pelo regime hitleriano), seja por imposição desses “patriarcas” (muitos deles possuidores de uma personalidade autoritária e dominadora, como era o caso de Bruno Langbehn) seja pela ignorância deliberada dos demais familiares e que, a dada altura (muitas vezes após a sua morte), acabaram por ser descobertas, conduzindo a descobertas chocantes como a que é relatada no livro de Martin Davidson. Esta história (verídica) possui algumas similitudes com o enredo do filme O enigma da caixa de música, escrito por Joe Eszterhas, baseando-se, de certa forma, no caso real de John Demjanjuk e na sua própria história de vida, dado que, aos 45 anos de idade, descobrira que o seu pai, o Conde István Esterházy, tinha estado envolvido no Partido fascista e racista húngaro das Cruzes Flechadas ou Frechadas – Movimento Húngaro (Nyilaskeresztes Párt – Hungarista Mozgalom) liderado por Ferenc Szálasi, organizado queimas de livros e lançado propaganda antissemita do mais vil que se pudesse imaginar; por esse facto, Joe Eszterhas cortara relações com o seu pai, com quem jamais se reconciliou. De acordo com o enredo do filme, uma advogada criminalista americana bemsucedida, Anne (protagonizada por Jessica Lange), toma conhecimento de que o seu pai, um imigrante húngaro, Mike Laszlo (protagonizado por Armin Müller-Stahl), foi acusado de crimes de guerra praticados durante a Segunda Guerra Mundial. O pai, argumentando que se trata de um erro acerca da sua identidade e afirmando a sua inocência, convence Anne a assumir a sua defesa (contra o conselho do seu sogro, igualmente advogado), para o que também contribuiu o amor e a admiração profundos que o seu filho nutre pelo avô. Anne dedica-se de corpo e alma à defesa do seu pai, embora, à medida que as testemunhas vão depondo, Anne comece a duvidar da sua inocência. As testemunhas não hesitam em acusar Laszlo de ser o criminoso conhecido por “Mishka”, o líder de um esquadrão da morte do Partido das Cruzes Flechadas (fascistas húngaros), que colaborava com os nazis e, durante o cerco de Budapeste pelas tropas soviéticas, perseguiu, torturou e matou judeus, ciganos e pessoas que os auxiliassem. E, após uma viagem a Budapeste, Anne descobre finalmente que o seu pai, que, entretanto, fora absolvido por falta de provas, era realmente um criminoso de guerra. As situações não são totalmente idênticas, uma vez que, no enredo do filme (e mesmo na história, passada com o autor do enredo, e que lhe serve de inspiração), a protagonista é totalmente surpreendida pela macabra descoberta acerca do passado do seu pai e toma conhecimento das concretas atrocidades em que participou (sendo muito mais graves as do enredo do filme do que as cometidas pelo pai do autor do enredo), ao passo que, no livro, Martin Davidson pouco ou nada surpreendido é com a descoberta do passado nazi do seu avô e não consegue apurar em que atrocidades é que o seu avô tomou parte em concreto (ou, pelo menos, não as revela no livro). Todavia, ambas as situações têm em comum a descoberta de um passado nazi/fascista e criminoso (embora não concretizado, mas mais do que provável, no caso de Bruno Langbehn) de familiares próximos.

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