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Do Peer Review ao Peer Learning: diferenças básicas e experiência na implementação

Introdu O

Erros médicos são uma causa substancial de morbidade e mortalidade, estimando-se que contribuam para aproximadamente 10% das mortes de pacientes e até 17% dos eventos adversos em hospitais. Estimativas apontam os erros médicos como a terceira principal causa de morte nos Estados Unidos.

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Na radiologia, a maioria dos erros médicos é de natureza diagnóstica, sendo subdivididos em diagnósticos incorretos, atrasados ou perdidos e estes estão relacionados a cerca de 75% dos processos de imperícia movidos contra radiologistas.

Além disso, é importante ressaltar que na era da medicina baseada em valor é fundamental a implementação de programas que facilitem a melhoria contínua e garantam a manutenção dos padrões de qualidade dos exames diagnósticos.

Peer Review

O termo “ Peer Review ” (ou revisão por pares) se relaciona à revisão de projetos / trabalhos, por um par que seja qualificado e execute a mesma função (com conhecimento adequado e capacidade) que o indivíduo revisado.

Na radiologia, este conceito foi inicialmente proposto e aplicado para manutenção da qualidade, em um processo no qual as imagens originalmente interpretadas são selecionadas e revisadas por um outro radiologista. Um dos primeiros modelos foi o “ RadPeer ”, proposto pelo American College of Radiology (ACR) em 2002, que recebeu atualizações em 2009 e 2016 até chegar no modelo de classificação dos laudos em basicamente 3 categorias:

(1) - Sem discordância significativa; (2) - Discordância não significativa; (3) - Discordância significativa. As categorias (2) e (3) são subclassificadas em (a) - sem significado clínico ou (b) - com significado clínico.

Diversos estudos avaliaram a opinião dos radiologistas sobre este método de controle de qualidade, sendo que uma significativa parte dos entrevistados referiu sensação de perseguição (“eu sou um alvo”), constrangimento (de ter o próprio erro exposto), injustiça ou falta de aleatoriedade, além de ser um processo oneroso e por vezes julgado como sem utilidade. Foi observado também a frequente minimização ou ocultação dos erros, com o intuito de evitar situações de constrangimento, e o receio de implementação de ações punitivas por mau desempenho do profissional.

De fato, concluiu-se que na perspectiva de qualidade e segurança, este comportamento defensivo acabava por bloquear as oportunidades de melhorias dentro de um departamento.

Foi através desta percepção, observada em diversos centros de radiologia espalhados pelo mundo, que iniciou-se o desenvolvimento de um novo modelo a ser utilizado com o objetivo de garantir a qualidade dos laudos em radiologia.

Peer Learning

Em setembro de 2015, o Institute of Medicine (IOM) emitiu um relatório denominado “Improving Diagnosis in Health Care”. Este relatório destacou o problema de subestimação de erros de diagnóstico em cuidados de saúde e delineou a necessidade de criação de um ambiente que acolha os erros como uma oportunidade de aprendizado.

Nesse contexto, o Peer Learning é uma estratégia que foca no “aprendizado por pares”, gerando uma cultura colaborativa, respeitosa e não punitiva, melhorando o desempenho do grupo como um todo na prática da radiologia moderna.

No modelo Peer Learning , são realizadas reuniões dentro dos grupos de cada especialidade, com periodicidade variável, podendo ser mensal, bimestral ou de acordo com as necessidades e possibilidades de cada serviço em particular. As reuniões consistem em discussões de casos, incluindo não apenas erros ou discordâncias, mas também casos de diagnósticos realizados de forma brilhante, e também casos didáticos do ponto de vista do aprendizado do radiologista.

Atualmente, visando a avaliação do desempenho de cada médico individualmente, alguns serviços aderiram ao Peer Learning em substituição ao Peer Review . Vários quesitos podem ser ponderados na avaliação do radiologista, destacando-se a participação nas reuniões, a colaboração com envio de casos e o empenho na aplicação da metodologia. Por outro lado, alguns serviços consideram a métrica gerada pelo Peer Review mais objetiva e o mantiveram, por vezes em conjunto com o Peer Learning

Nossa Experi Ncia

O Departamento de Diagnóstico por Imagem do Hospital Albert Einstein implementou o Peer Learning como ferramenta de melhoria há cerca de 3 anos.

Paralelamente ao Peer Learning , mantivemos a constante realização de revisões dos laudos de todos os médicos radiologistas, através da seleção aleatória de uma amostra fornecida pelo próprio RIS de exames a serem revisados, com um fluxo que permite a documentação de eventuais discordâncias, bem como a eventual alteração destes laudos quando necessário. Nos relatórios gerados pelo Peer Review , podemos obter o desempenho de cada médico individualmente, avaliado pela amostra de seus laudos, havendo medidas pré-estabelecidas de melhoria caso o desempenho do profissional esteja abaixo do esperado.

O grupo de imagem mamária já realizava de maneira rotineira reuniões mensais com discussões de casos de “falhas diagnósticas”. O método Peer Learning veio complementar o aprendizado, permitindo que a equipe receba também os feedbacks positivos dos exames realizados, gerando oportunidades de satisfação pelo reconhecimento de diagnósticos bem feitos.

Para a implementação do Peer Learning, foi criada uma aba no nosso sistema de laudos (RIS) denominada “ Peer Learning ”. Através dela, os médicos de cada equipe podem selecionar os casos que julguem interessantes para serem discutidos nas reuniões. Os casos devem ser classificados em “diagnóstico brilhante”, “achado raro”, “caso didático”, “oportunidade de aprendizado” ou “outro” (com espaço para detalhamento por escrito).

Os casos selecionados são então analisados por um membro do grupo, que seleciona e anonimiza os casos mais relevantes a serem discutidos na reunião subsequente. Desta forma, apenas o responsável pelas reuniões possui acesso aos dados dos pacientes e dos médicos envolvidos no processo, sendo que estes médicos envolvidos sempre recebem feedbacks sobre os casos antes mesmo de serem apresentados ou discutidos com toda a equipe.

Apesar de algumas categorias de classificação dos casos para o Peer Learnin g serem por definição mais expositivas, ao final de cada caso discutido a equipe expõe os pontos de aprendizado, como poderíamos ter manejado o caso de uma melhor forma e os vieses possivelmente presentes na interpretação do exame. As discussões da forma como são realizadas geram importantes questionamentos sobre os fluxos e protocolos atuais do serviço, com reflexões a respeito de possíveis melhorias na nossa prática radiológica individual e como grupo.

Desde a implementação do Peer Learning , a equipe refere boas experiências, constatando que o método proporciona crescimento coletivo e mais maturidade da equipe, além do aprendizado propriamente dito.

Limita Es

Apesar das inúmeras vantagens, observamos que existem desafios e limitações relacionados ao método. A transição para um programa de aprendizagem entre pares bem-sucedido requer mudança de cultura (com maturidade para uma discussão dos casos na busca de uma forma de melhoria ao invés de uma discussão voltada para julgamentos e olhar discriminatório), investimento de tempo (preparo das reuniões e participação nas reuniões) e forte apoio da liderança (incentivo à adesão dos médicos radiologistas do grupo). Além disso, a presença de suporte com ferramentas de tecnologia da informação (TI) pode auxiliar muito no processo de implementação e continuidade do método, tornando um fator importante (porém não imprescindível) a disponibilidade de recursos para tal.

A seguir, segue tabela com as principais diferenças entre o Peer Review e Peer Learning :

PEER REVIEW PEER LEARNING

Casos aleatórios Casos com oportunidade de aprendizado

Foco em indivíduos Foco em um grupo, aprendizado coletivo Sistema de avaliação Sistema de avaliação do médico quantitativo subjetivo e por pontuação

Foco em quem cometeu Foco no motivo de o erro ter o erro e com que acontecido e em estratégias frequência para evitar que ele se repita Inclui apenas feedback Promove aprendizado entre individual entre pares pares e melhorias

Gera cultura defensiva Gera cultura de confiança O desempenho Não existem medidas de específico do indivíduo performance individual pode ser quantificado

As métricas de Métricas alternativas podem desempenho podem ser ser consideradas, com foco usadas para atender aos maior na participação do requisitos organizacionais que na performance

Sistema já em uso por A transição para o peer anos por várias learning requer tempo, instituições recursos a mudança de cultura

Vieses

Os erros médicos podem ser categorizados em erros de diagnóstico, erros de tratamento, erros preventivos e outros erros (por exemplo, falhas de comunicação, falhas de equipamento e outras falhas de sistema). Na radiologia, a maioria dos erros médicos é categorizada como erros de diagnóstico (que resultam em diagnósticos incorretos, atrasados ou perdidos).

A classificação de erros é um aspecto importante nas reuniões de Peer Learning , de forma que o objetivo das reuniões seja não apenas exposição de casos e apresentação de oportunidades de aprendizado para o grupo, mas também permitam reflexões sobre o “motivo” e discussão de estratégias para que casos similares sejam mais bem assistidos.

Uma das formas de classificar os erros em radiologia diagnóstica seria separá-los em três categorias principais: (a) detecção (falha na identificação da anormalidade), (b) interpretação (interpretação do achado) e (c) comunicação inadequada com os médicos solicitantes.

Os erros de detecção e interpretação estão particularmente sujeitos ao processamento cerebral e ao viés cognitivo.

A seguir, destacamos alguns dos principais vieses presentes na nossa prática, para nos familiarizarmos e evitá-los quando possível:

1 - Framming bias (viés de enquadramento):

É a tendência de o radiologista ser influenciado pela forma como o quadro clínico é apresentado, levando a diferentes conclusões por influência das informações obtidas. Considerando que as informações clínicas podem ser escassas ou mesmo enganosas nos pedidos médicos, mascarar a história clínica no momento da interpretação da imagem e depois revisá-la pode ajudar a evitar esse erro, bem como revisar com detalhes os prontuários eletrônicos. Exemplos: casos de queixas palpáveis das pacientes que não sejam o foco da alteração do exame em questão.

2 - Satisfaction of search bias (viés de satisfação da busca):

Ocorre quando o padrão de busca visual é interrompido após a identificação de uma anormalidade que possa explicar os sintomas do paciente, fazendo que o radiologista deixe de buscar e encontrar outros achados. Esse erro pode ser reduzido por meio de abordagens sistemáticas ou de listas de verificação e relatórios estruturados. Exemplos: Paciente com um nódulo suspeito na mama direita, não sendo observado o nódulo igualmente suspeito na mama contralateral. CONTINUA