Jornal de Toronto #99

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Jorna Jornal de Toronto

Quando a promessa de um futuro cobra o preço da saudade

Todo mundo olha para a decisão de mudar de país como um privilégio, um passo em direção a uma vida melhor – e, sim, claro que existe essa esperança. Mas o que quase ninguém entende é o preço que se paga por trás desse “sonho”. p. 3

, agora sob nova direção

Com uma visão renovada e a paixão pela arte de contar histórias, a nova equipe busca elevar a presença do festival no Canadá, celebrando a diversidade, a criatividade e o melhor do cinema brasileiro. p. 7

As veias abertas do pão de queijo

“Cê tá aqui há muito tempo, já não é mineiro mais não. Cê nem me convidou pra tomar um cafezinho na sua casa!” p. 7

edição # 99 | ano # 8 | dezembro 2025 - fevereiro 2026 | www.jornaldetoronto.ca | info@jornaldetoronto.ca | ISSN 2560-7855

Economia em transição e o novo Orç amento de 2025

Novas oportunidades para pequenos e médios negócios p. 5

Estados Unidos, Trump e América Latina: quando o autoritarismo morde a própria c auda p. 4

Um em cada cinco imigrantes deixa o Canadá

Segundo dados analisados pelo Institute for Canadian Citizenship, em parceria com o Conference Board of Canada, um em cada cinco imigrantes deixa o país dentro de 25 anos após chegar. A pesquisa, que reúne informações de quatro décadas, mostra que quanto maior o nível educacional, maior a probabilidade de saída. p. 3

Por que o trabalho doméstico vale tão pouco no Brasil?

Ter alguém limpando ou cozinhando para você é algo muito comum no Brasil.

Mas o que há por trás disso e qual a razão dos serviços domésticos serem tão desvalorizados? p. 6

e amplie

O caso estadunidense é exemplar, ao mostrar que o autoritarismo não surge hoje de rupturas bruscas, mas de um processo gradual e sequencial de erosão das instituições políticas da democracia liberal. Curiosamente, Trump parece seguir, à risca, o roadmap para o colapso das democracias apontado por Levitsky e Ziblatt no livro Como as democracias morrem. E é inescapável pensar que o autoritarismo encontra um terreno ainda mais fértil na Europa, que já conheceu os totalitarismos e, claro, na América Latina, cuja tradição caudilhesca é muito forte.

Tem coisa boa que demora, mas volta. O programa Conversa Fora, um dos podcasts produzidos pelo Jornal de Toronto, ficou quatro anos sem novos episódios – não por falta de público, muito pelo contrário, mas por desandos nas agendas dos apresentadores Alexandre Dias Ramos e Nilson Peixoto.

Desde o início, o programa foi um grande sucesso, e o que estava previsto para ser um podcast com alcance local teve suas duas

primeiras temporadas ouvidas em 1382 cidades em 72 países! O volume de audiência nunca diminuiu e a vontade de seguir com o programa nunca passou. E aqui estamos, finalmente, com o lançamento da Terceira Temporada, agora coapresentada com o psicólogo Sergio Del Carlo Taioli. No primeiro episódio da temporada (#36), Alexandre e Sergio jogam conversa fora sobre uma importante mudança de comportamento dos homens, muitos

deles agora indo à terapia; o segundo (#37) fala da identidade masculina e suas variações; e o terceiro... Bem, melhor ouvir o Conversa Fora no Spotify (ou Apple Podcasts ou em sua plataforma de podcast favorita) e seguir a página do programa no Instagram: @conversaforapod

Apoio:

Paul Couturier
Maria Mutch Paola Wortman

Editorial Imigração

Sim, a gente achava que, com a pandemia, umas tantas coisas seriam aprendidas, mas parece que, ao invés de compaixão e cautela, muita gente preferiu “o meu pirão primeiro”. O ano de 2025 nos fez pensar um pouco mais sobre a vida em sociedade, e acreditamos que o Jornal de Toronto seguiu sendo uma fonte confiável de informação e reflexão nesse mundo controlado por três ou quatro malucos do Vale do Silício, e outro na Casa Branca – quer dizer, nos 2/3 que sobraram dela.

Essa edição traz alguns assuntos importantes, como o desafio (e até mesmo a dor e a culpa) que a saudade cria para os imigrantes que vêm morar no Canadá, e sobre o volume de gente que acaba saindo dele; as agruras

de ser quem a gente é, e como os outros nos veem. Também tratamos dos impactos do novo Orçamento canadense, e, ainda sobre economia, publicamos um infográfico que ajuda a pensar sobre o valor do serviço doméstico no Brasil, bem diferente do Canadá. Que nos sirva de lembrete que as ações políticas e pessoais podem afetar a sociedade numa escala pequena, mas também grande e profunda.

A boa notícia é a Terceira Temporada do nosso podcast Conversa Fora, que já atingiu 10 mil ouvintes – não deixem de ouvir! – e a nova direção do Brazil Film Fest Toronto, que promete uma ótima programação para os próximos meses!

Que o ano de 2026 venha bonito, empático e esperançoso.

Quando a promessa de um futuro cobra o preço da saudade

EDITOR-CHEFE: Alexandre Dias Ramos

REVISOR: Eduardo Castanhos

COLUNISTAS: André Oliveira, Cristiano de Oliveira & Rodolfo Marques

COLABORADORES DESSA EDIÇÃO: Alfredo Carnieri, Eduardo Oliveira, Fernanda Thiesen, Jananda Lima & Lillian De Pena

ILUSTRADORES: Jananda Lima, Valf & Will Leite

FOTÓGRAFOS: Caique Campos, Dominic Fillion & Monica Nunes

AGRADECIMENTOS PARA: Sergio Taioli

AGÊNCIAS FONTES E PARCEIROS: Brazil Film Fest Toronto, DFMotion, Freepik, Government of Canada, Oi Toronto

CONSELHO EDITORIAL: Alexandre Dias

Ramos, Gabriel Melo Viana, Jananda Lima, Nilson Peixoto & Rosana Entler

© Jornal de Toronto. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução de qualquer trecho desta edição sem a prévia autorização do jornal.

O Jornal de Toronto não é responsável pelas opiniões e conteúdos dos anúncios publicados.

CIRCULAÇÃO: O Jornal de Toronto é trimestral e distribuído em Toronto e GTA.

IMPRESSÃO: Master Web

CONTATO: info@jornaldetoronto.ca

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Edição #99, ano #8, dezembro 2025 - fevereiro 2026

ISSN 2560-7855

Ser imigrante já é difícil, e nem tenho a pretensão que todos entendam isso, mas ser imigrante com filhos é carregar um peso que ninguém, absolutamente ninguém, de fora consegue compreender. Todo mundo olha para a decisão de mudar de país como um privilégio, um passo em direção a uma vida melhor – e, sim, claro que existe essa esperança –,

mas o que quase ninguém entende é o preço que se paga por trás desse “sonho”.

Quando você tem filhos, a responsabilidade dobra. Não é só sobre se adaptar, arrumar emprego, aprender uma nova língua ou lidar com a solidão; é sobre ser o pilar de uma família inteira em um lugar onde você não tem ninguém. Não tem os avós para ajudarem num dia difícil, não tem os tios e primos para darem colo, não tem aquela rede de apoio invisível que no seu país de origem parecia natural. Aqui, cada problema é você quem resolve. Cada crise é sua para enfrentar. E os filhos não es-

peram – eles precisam de cuidado, de presença, de apoio imediato, enquanto você ainda está tentando se reconstruir.

E aí vem a culpa. Porque, por mais que você saiba que está oferecendo segurança e oportunidades, no fundo fica a dor: será que tirei deles algo essencial? Será que a ausência da família, do idioma, da cultura de origem, não é uma falta que vai doer para sempre? Enquanto isso, você segura a barra, engole o choro e continua.

O mais doloroso é a incompreensão. Quem ficou no seu país olha de longe e só enxerga a parte bonita, as conquistas materiais,

como se isso anulasse todas as dores. Quem está ao seu redor no novo país não faz ideia do que é carregar o coração dividido, nem da exaustão de ser tudo ao mesmo tempo: mãe, pai, trabalhador, tradutor, psicólogo, e ainda parecer forte. E quem entende não consegue ajudar muito, pois também está na mesma situação, sobrevivendo às próprias batalhas. Ser imigrante com filhos é viver numa corda bamba, equilibrando o presente pesado com a esperança de um futuro melhor. E a verdade é dura: ninguém de fora entende. Só quem vive sabe.

Um em cada cinco imigrantes deixa o Canadá

Um novo relatório reacende o alerta sobre a retenção de talentos no Canadá. Segundo dados analisados pelo Institute for Canadian Citizenship, em parceria com o Conference Board of Canada, um em cada cinco imigrantes deixa o país dentro de 25 anos após chegar.

A pesquisa, que reúne informações de quatro décadas, mostra que quanto maior o nível educa-

cional, maior a probabilidade de saída. Imigrantes com doutorado, por exemplo, têm mais que o dobro de chance de partir em comparação com aqueles que possuem apenas ensino médio ou menos.

O estudo também aponta que cientistas e profissionais de saúde estão deixando o Canadá em ritmo elevado, com cerca de um quarto desse grupo indo embora dentro do período analisado.

Além disso, algumas das profissões que mais devem crescer na próxima década têm justamente as maiores taxas de saída. Entre elas estão áreas ligadas à gestão em negócios e finanças, tecnologia da informação, engenharia, arquitetura, manufatura e processamento.

Outro dado citado no estudo indica que a permanência não está ligada apenas ao potencial de renda. O fator mais determinante

para ficar no Canadá é o otimismo: um aumento de apenas um ponto nesse índice eleva em 28% a chance de um imigrante permanecer no país. Diante desse cenário, o instituto pede que o governo desenvolva uma estratégia nacional de retenção de talentos, com investimentos em suporte e integração para incentivar a permanência de profissionais altamente especializados no Canadá.

Ricardo Silva-Torres - ricardo@lewislegal.ca
Gabriel Viana - gabriel@lewislegal.ca
Fred, Tom, Ju e Thur.
aLFreDo Carnieri é construtor
FernanDa THieSen é editora-chefe do

Estados Unidos, Trump e América Latina: quando o autoritarismo morde a própria cauda

Desde o fim da II Guerra Mundial até bem recentemente, os Estados Unidos eram o modelo político predominante que projetava democracia política compatibilizada com abertura econômica, de modo a produzir uma das sociedades mais avançadas e prósperas do planeta. Duzentos anos ininterruptos de testes, crises e superações indicavam a resiliência do referido modelo e sua capacidade de resistir a tentações autoritárias. Ocorre, todavia, que o novo mandato do presidente Donald Trump está submetendo a forte estresse a convicção na solidez das instituições da democracia fundada no século XVIII naquele país.

O caso estadunidense é exemplar, ao mostrar que o autoritarismo não surge hoje de rupturas bruscas, mas de um processo gradual e sequencial de erosão das instituições políticas da de-

mocracia liberal – os golpes militares com tanques nas ruas são coisa do passado. Curiosamente, Trump parece seguir, à risca, o roadmap para o colapso das democracias apontado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt no livro Como as democracias morrem (2018). Ou seja, Trump constrange o Judiciário a decidir conforme a sua vontade, demoniza os adversários políticos – a presença das tropas da Guarda Nacional em Chicago é um exemplo disso –, tenta mudar a lei eleitoral para favorecê-lo (o redesenho dos distritos eleitorais do Texas, fenômeno conhecido como gerrymandering, mostra tal determinação) e pressiona a imprensa livre que ousa contrariá-lo (o WSJ foi acionado judicialmente em virtude de matéria que o vincula ao mal afamado Jeffrey Epstein).

Se uma democracia consolidada, como a dos Esta-

de ameaças diretas às suas instituições, o fato sugere que não há uma fórmula infalível que evite o incremento do autoritarismo. E é inescapável pensar que o autoritarismo encontra um terreno ainda mais fértil na Europa, que já conheceu os totalitarismos e, claro, na América Latina, cuja tradição caudilhesca é muito forte – a Bolívia conheceu dez constituições no século XIX e o Brasil experimentou a ditadura do Estado Novo

(1937-1945) e do regime militar (1964-1985).

Para enfrentar tais ameaças, não há outro caminho senão resistir. Primeiro, é preciso saber identificar os líderes autoritários. Eles se apresentam frequentemente como salvadores da pátria, estigmatizam os

adversários chamando-os de traidores, etc. e, acima de tudo, tentam escapar ao cumprimento da lei, atacando a legitimidade das instituições de controle como o Judiciário, a imprensa, etc.

Se você já viu algum líder se comportar assim, cuidado – você está diante de um lobo em pele de cordeiro.

As promessas de redenção e grandeza vão terminar certamente com menos liberdade e dinheiro no bolso (porque, ao enfraquecer as instituições de controle, a consequência imediata é o aumento da corrupção estatal).

As democracias, por sua natureza, são sistemas imperfeitos e em constante construção. Dependem não apenas de leis formais, mas de normas informais – como a tolerância mútua

e a contenção institucional – que limitam excessos e garantem a convivência entre adversários. Quando essas normas se enfraquecem, o conflito político tende a se transformar em guerra aberta, e o tecido social começa a se desfazer. A história mostra que o equilíbrio democrático não se sustenta apenas por regras escritas, mas pela disposição coletiva em respeitar o dissenso e a alternância de poder.

O exemplo estadunidense sob o trumpismo mostra que democracias ainda não colapsam subitamente, mas morrem gradualmente; como a serpente ouroboros que morde a própria cauda, o autoritarismo acaba devorando a si mesmo e todos que o sustentam.

André Oliveira (à esquerda) é advogado com especialização em Direito Público, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e membro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) desde 2009. Rodolfo Marques é servidor público, publicitário e jornalista; Mestre (UFPA) e Doutor (UFRGS) em Ciência Política; e professor na Universidade da Amazônia e na Faculdade de Estudos Avançados do Pará.

anDrÉ oLiveira & roDoLFo marQueS
dos Unidos, pode ser alvo

Economia

Economia em transição e o novo Orçamento de 2025

Novas oportunidades para pequenos e médios negócios

A situação econômica no Canadá se deteriorou nos últimos anos e tem preocupado a comunidade brasileira. Embora o país não esteja oficialmente em recessão, há sinais claros de desaceleração. Alguns economistas falam até em uma “recessão per capita” — quando o PIB total cresce, mas o PIB per capita diminui. Ou seja, o padrão de vida das pessoas diminuiu mesmo com a expansão da economia.

Diversos fatores concorrentes também contribuem para o aumento do desemprego, que, em setembro de 2025, estava em alta e no patamar de 7,1%. Os impactos das tarifas começam a ser sentidos, as posições de entrada estão escassas e a automação com AI está se aproximando. Nesse cenário, muitas pessoas que não encontram alternativas no mercado de trabalho formal estão buscando maneiras de empreender. De acordo com fontes privadas, os números de novos negócios abertos no Canadá continuam mos-

trando resiliência e crescimento.

Com o novo Orçamento anunciado pelo governo, novas oportunidades surgem para pequenos e médios negócios. Por exemplo, a nova agência Build Canada Homes e os novos programas para construção de casas prometem revigorar o setor de construção. Há também previsões especiais referentes à estratégia de competitividade climática e benefícios fiscais para negócios que contribuam para uma economia de baixo carbono. Prestadores de serviços que podem se beneficiar incluem serviços de carregadores para veículos elétricos, painéis solares, sistemas de climatização com eficiência energética ou modernização de edifícios.

O novo Orçamento também prevê uma nova política de “Buy Canadian” para as compras do governo federal e visa beneficiar pequenas e médias empresas. As maiores oportunidades vão estar ligadas ao apoio à construção de infraestrutura, grandes projetos,

manutenção de edifícios e mais. Para novos negócios, é fundamental manter-se atualizado sobre as demandas do governo federal. O movimento “Buy Canadian” tem tido um forte apelo na sociedade e gerado articulações até em setores inesperados, como na indústria da defesa, onde atores vêm articulando para que a manutenção de equipamentos seja feita no Canadá, por exemplo. Outra frente importante é o esforço de diversificação do comércio exterior canadense. Várias iniciativas estão em andamento e o ministro Maninder Sidhu visitou o Brasil em agosto de 2025 como parte dos esforços para negociar um acordo de livre comércio entre os dois países. O Canadá vive um momento singular de abertura no comércio exterior e produtos vindos do Brasil têm uma janela de oportunidade. Para começar um pequeno ou médio negócio no Canadá há uma série de decisões que precisam ser tomadas, como decidir se a incorporação é a melhor opção, ou se

a operação com o business number é suficiente. Caso siga com a incorporação, também é necessário decidir entre a incorporação federal e a provincial. Compliance, declarações anuais e registros também podem assustar em um primeiro momento, porém, o auxílio jurídico de um advogado licenciado no Canadá pode fazer a diferença para o sucesso do empreendimento. Por exemplo, escritórios de advocacia liderados por brasileiros no Canadá podem ajudar pequenas e médias empresas a navegar pelos processos de licitação e a concorrer a contratos governamentais. Existem diversos outros atores que oferecem uma contribuição significativa, como a Bra-

zil-Canada Chamber of Commerce (BCCC), que libera diálogos no sentido da diversificação do comércio Brasil-Canadá e também oferece apoio a empreendedores. Também existem recursos públicos de qualidade para apoiar novas iniciativas, como o Ontario Small Business Support Program, que oferece conselhos personalizados, mentoria e workshops gratuitos. Apesar do momento atual representar uma ruptura com o modelo adotado pelo Canadá nas últimas décadas, novas oportunidades aparecem. Aos empreendedores, é fundamental estar atentos aos novos movimentos na economia para que oportunidades não sejam perdidas.

LiLLian De Pena & eDuarDo oLiveira são advogados
Imagem que aparece na capa do Budget 2025

Por que o trabalho doméstico vale tão pouco no Brasil?

jananda lima
JananDa Lima é professora da OCAD University e pesquisadora de design decolonial

Cultura

O Brazil Film Fest Toronto (BFFT) anunciou a nomeação de uma nova equipe administrativa, que guiará o festival para um empolgante novo capítulo do cinema brasileiro em Toronto. Com uma visão renovada e uma paixão compartilhada pela

festival no Canadá e no exterior, celebrando a diversidade, a criatividade e o melhor do cinema brasileiro.

Cada membro traz ampla experiência e conhecimento em produção cinematográfica, curadoria, desenvolvimento de negócios

Brasil e do Canadá.

A nova equipe do BFFT já está trabalhando na curadoria de eventos e programações que envolverão o público e ampliarão as oportunidades para cineastas.

“Nosso objetivo é fazer do Brazil Film Fest Toronto

Brazil Film Fest Toronto, agora sob nova direção

arte de contar histórias, a nova equipe – composta por Ivonete de Sousa na presidência, Arnon Melo como vice-presidente, Andrea Giusti na direção executiva e Leandro Matos na direção artística – está comprometida em elevar a presença do

e gestão cultural; juntos, representam uma combinação de criatividade e visão estratégica que fortalecerá a missão do festival de mostrar a riqueza do cinema brasileiro e promover conexões entre as comunidades cinematográficas do

uma plataforma que construa pontes entre culturas e conte histórias que emocionem as pessoas, em Toronto e além”, afirma Ivonete de Sousa, presidente do festival.

Para celebrar essa nova fase, o primeiro evento do

festival com a nova equipe foi a exibição do filme  O

Agente Secreto, dirigido por Kleber Mendonça Filho,

As veias abertas do pão de queijo

Diário de Bordo: ao primeiro mês d’os anos 2000 de Nosso Senhor, este muy jovem rapazim era recém-chegado ao Brasil após longa temporada de estudos à capitania do Canadá, e sem delongas preparar-se-ia para nova viagem, desta feita curta, ao nordeste brasileiro. Partiu pois o éfebo à magnífica Fortaleza.

À primeira noite de quarta-feira em terras novas, sai a procurar um bar que transmitisse o jogo do Galo. Ao avistar uma televisão, solicita que sintonizem em citada peleja. Trava-se pois o seguinte diálogo:

– O que é Galo, macho?

– Uai, Galo é Galo, é o Atlético Mineiro.

– É amigo do Vasco, é?

– É sim!

– Poirrintão vou torcer com tu.

Eram tempos pré-smartphone, e o mineiro era um ilustre desconhecido. Finda o diário de bordo, mas tem outra historinha.

Voltei ao Canadá e à convivência com gente de toda parte. Com mineiros também, porém, o Canadá

Brasileiro tem uma cultura própria. Todos aqui vivem a mesma realidade, portanto, as peculiaridades regionais do Brasil ficam em segundo plano. Embarca-se no dia a dia local e vida que segue.

Eis que um dia saio para conhecer um casal recém-chegado que pegara meu telefone com um grande amigo do Brasil. O marido foi um pouco deselegante comigo em certa altura, mas deixei pra lá. Após alguns encontros, distanciamo-nos por alguns dias, e daí o cara me liga. Não lembro o motivo da ligação, só me recordo que ele foi desagradável, e disse uma frase que nunca esqueci: “Cê tá aqui há muito tempo, já não é mineiro mais não. Cê nem me convidou pra tomar um cafezinho na sua casa!”. Com isso, cheguei onde queria chegar: de desconhecido, com o advento da mídia social – porque da televisão não se espera nada, já que desde que nasceu só fez ignorar a cultura brasileira que não fosse sediada no Rio e em São Paulo – o mineiro passou a ser conhecido como o cidadão proibido de trancar a porta de casa, onde até o Elias Ma-

M ASTERCHEF _ Will Tirando

luco bêbado às 3 horas da manhã pode entrar e sentar pra tomar café. Criou-se um estereótipo de que sempre teremos cafezinho e pão de queijo pronto pra quem chegar: cês tão confundindo minha casa com laboratório de exame de sangue (do Brasil, porque os daqui mal dão o curativo). As visitas já estão chegando com 8 horas de jejum. Isso tá ficando sério, o povo já olha pra mim e enxerga a fumacinha do café deixando meu corpo, como se fosse a alma de Tancredo Neves indo buscar um bolo de fubá na eternidade. Eu agora tenho que dar café, bolo, biscoito, pão de queijo, cachaça... Eu tô recebendo visita ou entidade?

Sim, essa coisa de receber bem existe em Minas Gerais, mas não é bagunça não. É até perigoso, porque também existe mineiro inospitaleiro, e arrisca você fazer gracinha com um cara mais grosso que papel higiênico rosa: só aqui em Toronto eu conheço uns 30, dentre homens e mulheres – sim, mulher bruta também temos! A pessoa te olha parecendo Lampião com dor de dente. Vai lá e

no dia 27 de novembro, no TIFF Lightbox, em Toronto. Sucesso total, os ingressos esgotaram em 12 horas!

Fiquem ligados no Instagram do festival:  @brazilfilmfest

pede um cafezinho pra ele, vai?

E o caso 2 citado acima demonstra que nós também damos corda pra essa ideia. Muitos mineiros, catequizados pelos invasores, já se

pegam perguntando “cê é fi de quem?” um pro outro. Quebrem essas correntes, jovens! Essa frase é um desrespeito às nossas mães, que passaram décadas aperfeiçoando a técnica de descobrir os laços familiares de simplesmente todo mundo. Vamos evoluir. Hoje deveríamos perguntar “cê não tinha um primo de segundo grau que morava lá no bairro do Sapo em Manhumirim e mexia com confecção?”.

Enquanto a ONU não coloca o mineiro na pauta da COP e as madeireiras continuam a derrubar nossa mata nativa pra plantar pão de queijo e furar poço de café, eu vou é pra casa porque é Natal. A vocês, um excelente fim de ano com muito cafezim e pão de queijo não feito por mim, e minha gratidão por mais um ano de leitura. Adeus, cinco letras que choram.

CriSTiano De oLiveira
Cristiano de Oliveira é mineiro, atleticano de passar mal, e um grande cronista do samba e das letras. Formado em Ciência da Computação no Brasil e pósgraduado em Marketing Management no Canadá. É colunista do Jornal de Toronto desde 2017.
Valf
Nova equipe do Brazil Film Fest Toronto, da esquerda para a direita, Ivonete de Sousa, Arnon Melo, Leandro Matos e Andrea Giusti.

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