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Elevador panorâmico no Edifício Bom Despacho

O ano era 1984 e lá estava eu, apavorado e medroso, entrando pela primeira vez num elevador no recém-inaugurado Edifício Bom Despacho, o primeiro a trazer essa novidade para a cidade. A maquinária, assim como eu, tremia demais e ficava mais perigosa e tenebrosa após meu amigo Fernando Brandão, da sorveteria Bola de Neve, que lá morava, comentar, com a maldade típica de quem deixa de ser criança há pouco, que ela poderia despencar a qualquer momento.

Superado o risco do desafio e o seu consequente desfecho satisfatório, venci o medo e foi pela janela daquele apartamento no sexto andar que vi pela primeira vez, de tão pertinho, a imagem da santa na torre da Igreja Matriz e me assustei porque enxerguei as pessoas que passeavam nas calçadas tão pequeninas, o Xuá movimentado para o lanche das 3 e o Cine Regina que ainda oferecia películas para os curiosos espectadores, sob este meu novo ângulo de visão.

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Eu morava ali na colina da Rua do Capivari, pertinho da Cruz do Monte e estava acostumado a perceber as “coisas do alto”, ainda sem a miopia dos tempos atuais, ora reparando no movimento dos carros na BR262 que iam e vinham para a Capital, ora nas casas novas sendo construídas no elegante Arraial dos Lobos e ora na poeira levantada na rua que dava acesso ao Campo da Aviação, acentuada pela fumaça preta que saía dos fornos da Siderúrgica União.

O convite para visitar o apartamento do colega de Escola na Praça da Matriz foi, para mim, como uma viagem à Disney, com passaporte e visto, brincando, com toda segurança do mundo, na sua roda gigante, seus brinquedos de queda tão divertidos, aqui configurados num claustrofóbico elevador.

Ali no nosso canto, na vizinha

Tabatinga, também podíamos contemplar, sem pânico, o horizonte de Bom Despacho, numa das mais belas visões panorâmicas da cidade, no mirante onde hoje está o Memorial de Nossa Senhora, na Cruz do Monte.

Quando observávamos as nuvens cumulonimbus, carregadas e enegrecidas, vindo pelos lados de Luz e Moema, naquele céu do Campo da Aviação, poderíamos nos preparar, era tempestade na certa, com muitos raios, trovões e ventania, ainda mais quando já estavam previstas na folhinha Mariana, naqueles inícios de primavera. E era um deus nos acuda, com poste explodindo, queda de energia elétrica e, claro, de muitas árvores que ainda existiam naquelas bandas, telhas de amianto voando soltas pelos ares, pedras de granizo riscando latarias dos automóveis ali encostados, velas e novenas sendo oferecidas a Santa Bárbara, espelhos sendo tampados com panos para se evitar atrair os raios, que prenunciavam trovões ensurdecedores.

Nossa rua, assim como a do Capim, ainda nem tinha calçamento, a enxurrada escorria solta morro abaixo, levando consigo um pouco daquela poeira amarelada das ruas, trazendo baratas d´água, cobras de duas cabeças, tanajuras que há pouco estavam adormecidas, provocando mais buracos em nosso logradouro esquecido pelas autoridades municipais. Quatro décadas mais tarde, revisito meu olhar sobre a cidade e me deparo com prédios e mais prédios, elevadores e mais elevadores, concentrações urbanas verticalizadas numa cidade onde, contraditoriamente, há ainda muito espaço para construções de casas. Até eu me aventurei a morar nesse tipo de construção verticalizada que obstrui o horizonte da cidade, tampando a visão da imponente e neogótica Igreja Matriz e hoje resido num prédio na Rua Lambari, de onde avisto, com meu novo olhar auxiliado por óculos de grau, do alto dessa outra colina, a caixa d´água da Copasa, as torres de transmissão e a Capela que segue altaneira na minha inesquecível Cruz do Monte.

O medo agora é outro, é do que corre solto lá embaixo, que parece estar sem-teto, sem condições de sobrevivência e que, por causa disso, provavelmente, nos tornamos a cada dia mais prisioneiros do nosso espaço privativo, do nosso sítio do final de semana. Lá fora, as ruas estão asfaltadas e remendadas com operações tapa-buracos, há um Plano Diretor em discussão pelos nossos representantes e pouca participação popular, prédios e mais prédios estão sendo construídos, cada dia mais apartamentos estão à venda, locação, pessoas procuram novos panoramas, posições privilegiadas, o sol nascente nos quartos, melhores ângulos para fotos de arrebóis.

Torço para que consigamos também elevar nossos pensamentos, conscientes do panorama socioeconômico e cultural que afeta a todos nós na cidade e, juntos, possamos ser agentes de transformação nesta sociedade tão carente de olhares múltiplos, capazes de favorecer a tão almejada visão do toldo e do todo.