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A Grande Bom Despacho

Alexandre Magalh Es

Cidades grandes, geralmente capitais dos estados, como São Paulo, Belo Horizonte ou outras, costumam ter cidades ao redor de seu território, quase sempre sem divisões claras entre os municípios. Chamamos esse grande território de Grande São Paulo, ou Grande BH, por exemplo. É como se a capital fosse o sol, ao redor do qual giram as cidades da grande região.

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Há uns quatro anos, passei a observar um morador de rua perto de minha casa em São Paulo. Ele arrasta um carrinho de mão enorme, geralmente cheio de material reciclável, grandes materiais plásticos para proteger-se da chuva, além de seu eterno companheiro, o cachorro Rex, que o segue de perto por várias ruas do bairro.

Um dia, passeando com meu cachorro por uma praça, vi esse meu vizinho sob sua lona plástica lendo um livro. Achei a cena maravilhosa, já que a leitura deixou de ser um hábito comum aos brasileiros. Aproximei-me dele e puxei conversa sobre o livro. Descobri que ele era um leitor e um escritor frequente. Contou-me que lia de tudo: livros, jornais, revistas, sempre doados por moradores vizinhos ou achados no meio do lixo reciclável.

Como assino dois jornais físicos, a Folha de São Paulo e o Valor Econômico, prometi repassar-lhe os jornais sempre que estivesse em São Paulo. Cumpri a promessa, deixando o jornal, que ele aguardava e lia com afinco todos os dias.

Durante a pandemia, descobri que o morador de rua se chamava Fernando. Eu estava na fila do posto de saúde para tomar uma das doses da vacina contra a Covid, não me lembro qual, e ele chegou logo depois e conversamos durante uns vinte minutos. Aproveitei o tempo e perguntei seu nome, pelo qual passei a chamá-lo sempre que o encontro.

Em uma das vezes que minha namorada bom-despachense estava em São Paulo, fiz questão de apresentá-la ao Fernando, já que eu falava de um para o outro.

Como estou mais em Bom Despacho do que em São Paulo, tenho ficado muito tempo sem encontrar o Fernando e, claro, sem doar os jornais para ele.

Há umas semanas, eu o encontrei, junto com o Rex, quando eu caminhava na direção da estação do Metrô. Ele me cumprimentou efusivamente, cobrou os jornais e perguntou por que eu havia desaparecido. Expliquei que estava passando mais tempo em Minas Gerais, já que meu trabalho me permite fazer reuniões à distância. Não mencionei o no- me da cidade mineira, achando que ele não conheceria Bom Despacho, que eu nunca havia ouvido falar, antes de começar um relacionamento com uma pessoa nascida no local.

Ao ouvir “Minas Gerais”, me perguntou qual era a cidade. “Perto de Divinópolis”, expliquei, mencionando a cidade mais conhecida, pois eu tinha a certeza de que ele não conheceria Bom Despacho. Ao ouvir “Divinópolis”, o Fernando passou a falar que foi andarilho “ali perto”, passando anos andando entre Nova Serrana e Bom Despacho, dando detalhes das duas cidades, lugares onde buscava alimentação, tomava banho, entre outras coisas.

Tomado por espanto, eu disse a ele que era justamente em Bom Despacho que eu passava meus dias em Minas Gerais. “Conheço muito. Você escolheu bem a cidade para morar”.

Contei essa história para minha namorada bom-despachense e rimos muito com minha ignorância e preconceito, de achar que só porque é um morador de rua em São Paulo, não poderia conhecer o Brasil melhor do que eu.

Ouvindo a história do Fernando acreditei que São Paulo pertence à Grande Bom Despacho Continuo doando meus jornais ao Fernando, mas tentando ser menos preconceituoso e respeitando o conhecimento de cada pessoa como importante.

Novamente, os cachorros de rua

Já contei várias vezes nestas páginas sobre meus dois cachorros, a Lola e o Lucky, que levei a Bom Despacho para terem uma vida melhor, morando em uma casa com quintal (ou terreiro, como dizem os mineiros) e não em meu apartamento. Ambos morreram de Leishmaniose, definhando visível e rapidamente. Recentemente, recebi a notícia que o cachorrão de minha namorada bom-despachense, um verdadeiro bezerro, quase um cavalo, está com a doença. É triste como essa doença afeta tantos animais na cidade.

Apesar de ter sido diagnosticado a doença ainda em estágio inicial, é sempre uma preocupação, já que a Leishmaniose não tem cura, só tratamento paliativo.

Um funcionário da prefeitura comentou comigo que grande parte dos cães que vivem nas ruas do município tem a doença e são picados por mosquitos, que acabam picando outros bichos e os contaminando.

Continuo minha companha para que a prefeitura de Bom Despacho faça uma grande campanha para castrar os animais de rua, que infestam to- das as ruas, todos os bairros da cidade. Vemos muitos cães doentes e famintos espalhados, muitos abandonados pelos donos de outros bichos, e que não querem ficar com os filhotes.