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OPINIÃO

eSPAÇo JorNALIStA MArtINS de VASCoNCeLoS

O métOdO na prática

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Organização: CLAuder ArCANJo

JoSÉ de PAIVA rebouÇAS

é escritor e jornalista josedepaivareboucas@gmail.com

O método de alfabetização de adultos construído por Paulo Freire na década de 1950, consolidado na década seguinte a partir de Angicos, é apenas parte de um universo ainda em descobrimento e expansão na filosofia desse que é considerado um dos maiores pensadores e alfabetizadores do mundo. Vítima da ignorância dos que não o leram, mas, sobretudo dos que negam a necessidade da emancipação humana de uma nação, Paulo ainda é atacado constantemente neste país, direta ou indiretamente, por alguns pesquisadores e professores, inclusive.

Focar a existência intelectual de Paulo Freire apenas no método é um reducionismo irresponsável. Segundo a professora Hostina Ferreira, pesquisadora da UERN, na verdade, ele criou uma epistemologia sobre a educação, uma aceitação mais ampla, por isso, apesar de tantas críticas, ele segue atual e seu método é possivelmente aplicável não só aqui, mas em qualquer lugar do mundo. Isso porque, a proposta de Paulo não se baseia na soletração ou separação silábica, sua base, na verdade, é a apropriação do contexto social e político pelo alfabetizando que vai compreendendo e se aceitando a partir dos conteúdos apresentados pelo professor.

Ainda em Angicos, Emília Cristina Bezerra Souza, professora da Escola Municipal Maria Odila, trabalha com Educação de Jovens e Adultos (EJA) utilizando a proposta do método freiriano. Mestre em Ciências da Educação, Emília é ainda pesquisadora há mais de 20 anos, tendo enfatizado, em sua dissertação, a dificuldade que os alunos da EJA enfrentam para trabalhar com as tecnologias. Todo início de ano, a professora aplica um questionário com seus alunos, conversa com eles individualmente e organiza suas aulas considerando a realidade das turmas, o que a impede de apresentar um modelo pedagógico comum a todos.

“Eu tenho aluno que passa o dia todinho no mato cortando lenha. Eu tenho aluno que sai (para trabalhar) de três horas da manhã e volta às seis da tarde. Então, eles não têm tempo para estudar em casa e nem tem tempo de assistir televisão, de ler jornal. Então, eu procuro temas da atualidade para discutir com eles. Todo tema que levo, sempre faço uma atividade, para fixar o assunto, e toda atividade que eu faço vale ponto”, disse Emília.

A realidade de Angicos não é diferente de outros municípios do estado e do país. Infelizmente, a evasão escolar (que Paulo Freire chamou de expulsão) ainda é grande e vai piorando a partir do ensino médio. No EJA o problema é ainda mais grave. Apesar disso, em Angicos, Emília coleciona sucesso de seus alunos.

“Apesar de eles serem faltosos, de ter muita desistência, mas aqueles que permanecem têm sucesso. Eu tenho muitos alunos que já estão cursando o nível superior na Ufersa. Tenho um aluno que por sinal se candidatou e hoje é vereador, que vai concluir Engenharia Civil. Ele conseguiu um estágio lá em Mossoró. E tem outros exemplos de alunos que também saíram da EJA e que conseguiram adentrar na Universidade Federal, estão cursando Ciência e Tecnologia; tem outros que já tão no curso de engenharia”, relata.

Outra experiência exitosa pode ser conferida junto aos pescadores do município de Pirangi do Sul, na grande Natal.

Gabriel Leite

Professora emília Souza utiliza o método de Paulo Freire em suas aulas no eJA de Angicos

Por lá, o pesquisador José Mateus do Nascimento, professor do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), coordena o projeto Tarralfa (junção de tarrafa com alfabetização), cujo objetivo é alfabetizar pescadores da pequena cidade praia. A ação começou em 2017 e foi interrompida em 2019 por conta da pandemia, mas deve retomar.

Na ação, Mateus Nascimento e colaboradores começam pesquisando o universo vocabular da turma para, a partir desse levantamento, construir o programa de ensino. No primeiro ano elegeram 20 palavras geradoras, por meio das quais organizaram um Círculo de Alfabetização sobre cultura e identidade, tendo como primeira intervenção a pergunta: “como vocês se tornaram pescadores?”. Após as discussões, levaram os pescadores a pensarem a palavra em si, para que identificassem cada letra usada para escrever as palavras. Utilizando um abecedário, motivaram os aprendentes a fazer várias a partir da sondagem de hipóteses de escrita. Esse método funciona como um ditado diagnóstico e busca verificar os níveis de aprendizagem do aluno.

Na terceira parte da ação, os coordenadores trabalharam as palavras geradoras, primeiro discutindo o sentido de cada uma delas e sua utilização na vida da comunidade, Em seguida, foi trabalhado o processo de apropriação da palavra, apresentando como ela é escrita. O passo seguinte utilizou o método analítico, decompondo a palavra nos grupos silábicos, percorrendo, depois, o caminho inverso da recomposição daquela palavra, mas também de outras que podem ser formadas a partir daquelas sílabas. No final, o grupo construiu um texto coletivo.

Os resultados, segundo Mateus Nascimento, foram muito animadores. No primeiro ano, já estavam escrevendo o nome de uma forma consciente, pois alguns ainda desenhavam a palavra sem saber identificar as letras que a compunha. De forma concreta dois resultados foram os mais celebrados. O primeiro foi a exclusão da almofada de assinatura para digital nas reuniões das colônias de pescadores, que acompanhavam o livro de ata, e a segunda foi a renovação de alguns documentos de identidade (Registro Geral), antes assinados com o carimbo do polegar.

dI reçÃO geral: César Santos dIretOr de redaçÃO: César Santos gereN te ad mINIS tra tIVa: Ângela Karina deP. de aSSINatUraS: Alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por césar Santos e carlos Santos.

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