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OPINIÃO

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POLÍTICA

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organização: CLaudeR aRCaNJo

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aSOcIedade, NOPlaNO cOletIVO, e OS relacIONaMeNtOS hUMaNOS, NOPlaNOINdIVIdUal, POdeM PreScINdIr da Verdade?

aéCIo CâNdIdo

professor da UERN, aposentado. autor da obra Tempos do verbo aeciocandidocuite@gmail.com

“Mentir precisa voltar a ser errado de novo”. A frase, dita no início desta semana pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, é certeira em sua concisão e realismo. Ele reagia a um amontoado de mentiras proferidas pelo presidente da República em entrevista a uma rádio gaúcha. O presidente, sabem os brasileiros alfabetizados, é um mentiroso diário: mente matutina, vespertina e noturnamente. Vive para a mentira.

Sem nenhum apreço pela verdade, ele não liga a mínima para o fato de que mentiras públicas são facilmente desmascaradas. E as suas o são, diariamente, pela imprensa do país, a profissional e séria. Para ele, porém, ser desmentido não quer dizer nada. Cínico, porque o mentiroso profissional é cínico, ele debocha da verdade ao ser pego na mentira. Mentir, e ser desmentido, não lhe causa nenhum constrangimento.

Mentir precisa mesmo voltar a ser um comportamento errado, condenável, porque, infelizmente, pelo menos 30 por cento da população adulta brasileira tolera a mentira. É este o contingente que vota em Bolsonaro e que o segue cegamente. Para esse povo, mentir não tem nada de errado.

Mas podemos conceder o benefício da dúvida: de fato, quem apoia incondicionalmente Bolsonaro não tem consciência de suas mentiras? Pode não ter, mas não há escapatória moral para quem o apoia: se percebe e não deserta de suas hostes, é cínico; se não percebe algo tão indisfarçavelmente escancarado, é burro.

A verdade é fundamental à convivência humana – fundamental à convivência harmoniosa. A mentira representa o engano, a tapeação. Alguém gosta de ser enganado? Parece que não e a melhor parte da humanidade, há pelo menos 2300 anos, desde os gregos, luta por compreender como estabelecer a verdade e combater a mentira. Aristóteles, três séculos antes de Cristo, criou toda uma área do conhecimento, a Lógica, para estudar como o pensamento se expressa e como ele deve agir para fazer o discurso corresponder à verdade dos fatos. Antes de Sócrates e depois de Sócrates, toda a filosofia, no plano moral e no plano epistemológico, naquele diretamente ligado ao conhecimento, preocupou-se em familiarizar-se com a verdade.

Se digo que a sala da casa tem o piso de cerâmica e que as paredes estão pintadas de verde, mas se um exame visual constata um piso de cimento e paredes de cor branca, minhas afirmações são mentirosas. Nem sempre é tão fácil chegar à verdade como nestes exemplos, mas para um esquizofrênico, ou gente com outro tipo de distúrbio mental, que vive sua realidade particular, o piso pode lhe parecer de cerâmica e as paredes da cor verde. Gente com distúrbios assim não está preocupada em cotejar sua percepção com a dos outros, para saber onde está verdade. E a verdade, para ser alcançada, precisa ser buscada.

Se você não tem apreço pela verdade, experimente ter um amigo mentiroso. Você não se sentirá nunca seguro. Quem diz que o fogo é frio mente, e se eu acredito nisso, meto a mão no fogo e me queimo, não vou morrer de amores por quem me induziu ao erro. A mentira é a mãe da discórdia. Embora a verdade religiosa seja extremamente escorregadia, é emblemático que na Bíblia o Diabo seja apelidado de O Pai da Mentira.

Tão escorregadia que Jair Bolsonaro escolheu um bordão religioso como slogan pessoal e ele fez efeito sobre um grande contingente de evangélicos, mesmo que os atos do presidente desmintam a todo momento esse bordão: “Conhecerei a verdade e a verdade vos libertará”. A verdade religiosa não é o melhor modelo de verdade que a humanidade construiu. É um modelo subjetivo, mas entendido por seus defensores como um modelo objetivo, válido para todo mundo, independentemente de fé. Eu não preciso ter fé na dureza do ferro para constatar que ele é duro; ele oxida, mesmo que eu não creia em oxidação. A crença religiosa tem outra lógica, ela prescinde da realidade para existir.

O bordão de Bolsonaro nos ensina outra coisa: as mentes autoritárias atacam e subvertem a linguagem. Precisam disso como estratégia. A subversão começa pelo sentido das palavras. A verdade vos libertará: mas a verdade é a mentira que interessa.

Há dois exemplos clássicos de subversão das palavras na história recente do mundo: um exemplo vem da ficção, o outro vem da vida real. O romance 1984, do inglês George Orwel, é o exemplo ficcional. Nele há frases como esta: “Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força”. São paradoxos naturalizados. Maior subversão, impossível.

O exemplo da vida real é uma contribuição de Joseph Goebbels, chefe da propaganda do governo de Hitler, na Alemanha. Goebbels dizia que uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade.

Bolsonaro acredita nisso. Ele insiste em dizer mil vezes que as urnas eletrônicas não são seguras. Virou verdade para seus seguidores. Mas por que em 26 anos de uso elas foram seguras, servindo para elegê-lo deputado federal por quatro vezes? Seguidor fanático não faz perguntas embaraçosas. Ele insiste em dizer mil vezes que não pôde agir durante a pandemia porque o STF não deixou. Não agiu porque para ele se tratava de uma gripezinha e a epidemia iria parar quando se atingisse a imunidade de rebanho. Teses loucas saídas da mente de um doido. O doido é opinioso. Alguém pode lhe mostrar as provas que quiser, mas nada consegue fazê-lo mudar de opinião. A lógica do mundo, pela qual se pautam as pessoas sãs, não é a lógica deles. Adesão a teorias da conspiração é alerta de esquizofrenia.

Quantos cursos de mestrado e doutorado na área de ciência da computação existem no Brasil? Quantos professores desses cursos colocam sob suspeita a segurança das urnas? Eles, que são os especialistas, não colocam, mas Bolsonaro, um analfabeto em informática, coloca.

Na entrevista à rádio gaúcha, Bolsonaro inverte tudo: o mentiroso, e criminoso, é o ministro Barroso. Exceto seu Jair, ninguém jamais fez esta acusação ao ministro. Já em relação a ele, seu Jair, qualquer pessoa bem informada e séria em seus princípios, e não pastores evangélicos venais e militares cooptados por regalias de toda espécie, sabe, entre os dois, quem é o delinquente. Qual a mentira do ministro? Não se sabe. Quais as de seu Jair? São muitas: as urnas eletrônicas podem ser fraudadas; elas estão em rede; há uma sala escura no TSE onde um punhado de técnicos pode alterar o resultado das eleições. Tudo isso é MENTIRA COM MAIÚSCULAS. Elas gritam contra o bom senso, mas seguidor fanático, quando adere a uma seita, a primeira coisa que faz é jogar fora o cérebro. Não vai precisar.

dI reçÃO geral: César santos dIretOr de redaçÃO: César santos gereN te ad MINIS tra tIVa: Ângela Karina deP. de aSSINatUraS: alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

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