
5 minute read
OPINIÃO
from Jornal De Fato
eSPaço JorNaLISTa marTINS de VaSCoNCeLoS
organização: CLauder arCaNJo
Advertisement
UM dIa SeM aUla é PoUCo PARA qUEM tiRA E é MUito PARA qUEM PERdE
aéCIo CâNdIdo
professor da UERN, aposentado. autor da obra Tempos do verbo aeciocandidocuite@gmail.com

Fui aluno da ESAM – Escola Superior de Agricultura de Mossoró – quando ela era uma instituição isolada, com um único curso de graduação, o de agronomia, bem antes de se tornar UFERSA, uma universidade com cursos para além daqueles comuns a uma universidade especializada em ciências agrárias. O diretor era Vingt-un Rosado. Dr. Vingt-un, como todo mundo o chamava, tinha uns traços de personalidade muito característicos. Um deles era seu imenso apreço por aulas. Era um respeito quase sagrado. Não se suspendia aulas na ESAM por qualquer motivo. Na ESAM de Vingt-un, a cultura institucional instalada não tolerava ausência de professor em sala de aula, impontualidade e relaxamento na supervisão das provas que favorecesse a prática da “cola”. Havia um prédio com salas de aula bem maiores, o Rosadão, específico para a aplicação de provas.
Ficou em mim, desse tempo, a noção de que só um motivo extremamente forte justifica o cancelamento de uma aula.
Em razão disso, me escandalizei algumas vezes na UERN com a facilidade com que alguns departamentos acadêmicos suspendiam aulas e com a tolerância excessiva à impontualidade de alunos e professores. Do mesmo modo, também me escandalizava um certo descuido com o ambiente de aplicação de provas. Eu surpreendia alunos ao chegar à sala muitos minutos antes do horário regular, para organizar cadeiras, enfileirá-las, criar espaço onde pouco espaço havia, enfim, dar uma ordem que eu julgava necessária àquele ato pedagógico. E as provas tinham sempre, no mínimo, dois modelos diferentes. Meu comportamento era desviante, mas nunca percebi reações negativas dos alunos.
Isso me vem à cabeça por causa de uma paralisação nacional de professores na última quartafeira, dia 16 de março. Os alunos, depois de dois anos de aulas virtuais, atropeladas por todo tipo de imprevistos e limitações e, no caso do Rio Grande do Norte, depois de uma greve que atrasou o início do semestre letivo, começaram a semana de aulas e logo a viram se interromper pela paralisação nacional. Faz sentido?
Fui ver os motivos: luta salarial, implantação do piso nacional do magistério. Reivindicação justa, já atendida no Rio Grande do Norte, mas que, em outros estados, poderia ser levantada sem a menor necessidade de tirar o aluno de sala de aula.
A paralisação é uma estratégia que politicamente não conquista nenhuma simpatia para a categoria. Pelo contrário, deixa evidente um grande desapareço por qualquer esforço para manter jovens em sala de aula, que é para onde eles devem ser atraídos. Acho que politicamente traria muito mais dividendos se os jornais estampassem manchetes como esta: “Professores suspendem paralisação nacional para não prejudicarem ainda mais o retorno às aulas”.
Fui ver nos jornais. Afora nos sites dos órgãos sindicais, nenhuma notícia.
O que ganham os professores com a paralisação? Nada, creio, exceto algumas lideranças sindicais que reforçam em seu próprio território a radicalidade de que se nutrem. O que perdem? Talvez nada também. No Brasil, o que acontece ou deixa de acontecer na escola não costuma interessar a muita gente.
A mim interessa, por um mar de razões. Primeiro que tudo, porque também sou professor e tenho, portanto, lugar de fala (o argumento é uma ironia: a categoria “lugar de fala” é muito frágil, do ponto de vista sociológico e filosófico-moral). Segundo, porque sou pai de aluno da escola pública. Na escola privada, há uma cobrança maior dos pais em relação à educação dos filhos. Daí, a direção se vê compelida a se posicionar em relação ao professor que falta, à indisciplina, à depredação do patrimônio etc. A lógica é: pago e quero receber um produto que me agrade. Por inúmeras razões, a relação proativa é menos frequente entre o cidadão comum e o serviço público de que ele se serve.
Eu sou de um tempo em que as melhores escolas eram públicas. E vejo hoje amplas condições para que elas voltem a sê-lo. Há uma infraestrutura não desprezível instalada, há recursos didáticos disponíveis, há um considerável número de professores capacitados a oferecer um bom ensino. O grande desafio é criar uma cultura institucional em que todas as forças concorram para o objetivo de tornar a escola pública melhor. Embora a defesa do ensino público de qualidade seja unânime, muitas ações de quem repete insistentemente o bordão vão completamente na direção contrária. Uma verdade simples e ignorada: ensino de qualidade começa com escola funcionando. E qualquer razão, justa ou injusta, verdadeira ou imaginária, oportuna ou inoportuna, é razão para paralisar a escola e esvaziar a sala de aula.
Muitas críticas da direita histérica e alucinada não são completamente despropositadas. São despropositadas no que têm de simplistas nas análises e de truculentas nas soluções. Mas em algumas delas assoma uma certa base factual, embora envolta em uma compreensão tosca e em uma interpretação frequentemente delirante.
Como a esquerda mais lúcida não fez, sobre muitos temas do campo da educação, assim como em outros da segurança pública, a crítica que precisava ser feita, por timidez ou populismo, deixou o campo livre para os delírios da direita e suas propostas de conserto pela porrada.
A preocupação com o aprendizado do aluno, de modo concreto e não abstrato, o aprendizado de José, de Paula, de Raquel, alunos seus, é o que move muitos professores, claro. Mas muito frequentemente isso vira uma abstração e o aluno ideal e a escola ideal passam a ser os horizontes da luta, e nesse mundo de idealizações é muito fácil perder-se e não saber mais voltar para casa. Um fato se impõe: poucos professores têm os filhos matriculados na escola pública. Se tivessem, talvez pensassem com mais atenção na falta que faz um dia sem aula na vida do aluno.
A propósito de Vingt-un Rosado, pra terminar: Geraldo Maia escreveu uma biografia primorosa, elegante, de grande qualidade documental e narrativa, infelizmente pouco conhecida. Mereceria uma repercussão bem maior o livro de Geraldo. Mas quem escreve em Mossoró (e não só em Mossoró, Santo Cristo!) escreve unicamente por vício, para saciá-lo e perpetuá-lo enquanto der, não para ter reconhecimento. Se for esperar por reconhecimento, morre mais cedo. E aqui cabe um kkkkk das redes sociais.

dI reçÃO geral: César santos dIretOr de redaçÃO: César santos gereN te ad MINIS tra tIVa: Ângela Karina deP. de aSSINatUraS: alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.
FILIADO À