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OPINIÃO

eSPAÇo joRnALISTA MARTInS de VASConCeLoS

Organização: CLAudeR ARCAnjo

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COVID X

RAIMundo AnTonIo de SouZA LoPeS

é escritor e jornalista rsouzalopes@hotmail.com

8º Dia

Sexta-feira, 5 de novembro, acordei com uma leve dor de cabeça, creditei ao barulho da noite anterior e às poucas horas dormidas. “Normal”, pensei. Depois da higiene matinal, o desjejum. A mistura de várias frutas batidas no liquidificador, com uma banda de limão depois de pronta, era uma delícia. Logo após, um ovo cozido, uma torrada, uma tapioca e uma xícara de café completava o breakfast (como nos utilizamos de termos em outras línguas, especialmente a inglesa, quando queremos dizer alguma coisa que soe, ou quando escrita, “chique” - Ariano Suassuna sempre teve razão) e eu me dei por satisfeito. Entretanto, o café, o gosto dele, não estava como das vezes anteriores. Não liguei muito, pois continuava com paladar e olfato. Devia ser um café feito por dona Dora, que não primava muito pela quantidade do pó colocado para a feitura da bebida originária provavelmente da Etiópia, no continente africano. Para quem gosta de história, o café chegou ao Brasil em 1727, e entrou de forma clandestina, trazido pelo sargento-mor Francisco de Melo Palheta, quando este fez uma viagem à Guiana Francesa (google). Só para não deixar dona Dora mal na fita, devo dizer que essa tarefa, rotineira (de fazer o café e os seus acompanhantes) é a mim atribuída, já que sou o primeiro a levantar. Sabe, eu gosto. Gosto de preparar a mesa, de receber dona Dora, Pedro e dona Celestina (sogra) para a primeira refeição matinal. E tem uma coisa: quando termino de preparar tudo, nada está sujo. E tudo que utilizo para preparar, e que precisa voltar para seus lugares de origem, vai estar lá. Sou por demais metódico. Diria que faço com esmero e convicção. Portanto, na impossibilidade de poder dar continuidade ao meu cotidiano matinal (eu bem que queria!), dona Dora assumiu. Perdoe-me, mas não é a mesma coisa (quanta pretensão!).

A sexta-feira também representava uma semana do primeiro sintoma (dos tremeliques e arrepios que senti quando estava na minha mesa de trabalho) da covid. Sem querer, vibrei. Sim, eu já havia superado (ou ia superar) oito dias da doença (e de não sentir muita coisa adversa, a não ser o isolamento, a necessidade de tomar verdadeiras bombas, um fastio aqui e acolá… pouca coisa) e já nem precisava mais tomar os antiinflamatórios (o dia anterior havia sido o último dia), tão somente os corticoides (e só mais um dia para a frente). Depois de postar algumas coisas nas redes sociais, resolvi ler um pouco. Brás Cubas, o seu pouco caráter e a escrita impecável de Machado de Assis levaram-me a manhã inteira até a hora do almoço. O tempo passou rápido (o tempo…) e logo ouvi as batidas na porta, pelo lado de fora. Quando eu a abri, o almoço. Um pratão, como se costuma dizer. Estava bem colorido (como se recomenda). Um pequeno parêntese: por imposição da “casa”, todas as vezes em que eu ia abrir a porta da minha cela (quero dizer, desculpe-me, quarto), eu antes tinha que fechar as janelas, colocar uma máscara e só assim eu abria a porta. Coloquei a comida para dentro do quarto e aproveitei para tomar um banho. Depois do ritual de me lavar, enxugar-me, começar a refeição. Comi com gosto. Até além da conta. Na verdade, estava seguindo algumas recomendações (coma muito, beba líquido à vontade e tenha cuidado com sua higiene), por isso comer um pouquinho além do necessário não ia me fazer mal. A água ingerida nesses dias estava dentro de uma média boa: cerca de três litros por dia (como disse, sou metódico. Se ouvir “faça isso que é para o seu bem”, dito por um especialista, eu faço). Depois do almoço, dei um tempo e me deitei um pouco. O interessante é que a dor de cabeça não me deixou relaxar. Como sou avesso a tomar remédio por conta própria (sem recomendação médica), nem cogitei tomar um analgésico. De qualquer forma, fiquei deitado. Por volta das quinze horas, levantei-me, “esfriei” o corpo e fui tomar uma chuveirada. Em seguida, liguei para dona Dora

Ilustrativa

(a nossa comunicação se dava através de telefonemas via celulares) e lhe pedi duas rodelas de abacaxi. Gosto. Logo após a “merenda”, fui para o computador ler e escrever. Ah, na noite anterior, o cantor desafinado e semitonado anunciava, a cada música “vomitada”, que no domingo próximo o Bar do Gordo traria três atrações musicais (uma delas, o cantor Horlando Peres) e duas bandas da Paraíba, além do sorteio de um bingo valendo três mil reais. Nesse exato momento, um caminhão parou no espaço destinado ao bar e descarregou um monte de grades de madeira. Vão cercar o entorno do bar, pensei. Isso me fez lembrar uma certa vez em que fizeram a mesma coisa e o resultado foi um verdadeiro fiasco, dando um prejuízo enorme para, na época, quem estava arrendando o local. Então, para passar o tempo (olha ele de novo aí, gente!), eu comecei a fazer uma tabela de custos e gastos para ver se o evento traria retorno financeiro para o promotor (por sinal, o próprio Gordo). Como tempo era o que não me faltava (claro, estava enclausurado, com um pouquinho de dor de cabeça, porém sem nenhuma indisposição em razão da doença que havia contraído), passei a fazer um exercício mental de contabilidade (receitas e despesas - para simplificar) de custos: como queria ver como seria o montante gasto, comecei pelos custos com o aluguel das grades para cercar o local (calculei, por cima, uns R$ 200,00), pregos, arames, fitas (uns R$ 20,00), a mão-de-obra para fazer o serviço (mais ou menos uns R$ 60,00) e carro de som anunciando o evento, R$ 200,00. No dia, pessoal para trabalhar (quatro garçonetes a R$ 30,00: R$ 120,00; seis seguranças a R$ 30,00: R$ 180,00), despesas com água e energia (por um dia, cerca de R$ 30,00), duas bandas desconhecidas (R$ 1.500,00) e um cantor conhecido pelos amantes do brega (R$ 1.500,00) e, para finalizar, o valor do sorteio (R$ 3.000,00). Pelos meus cálculos, só de despesa, o Gordo teria um total de R$ 6.810,00. Salgado, sem sombra de dúvida. Para completar o meu raciocínio, o espaço total onde as pessoas iam ficar “encurraladas” deveria medir uns 300m2. Pois bem, se em cada metro quadrado cabem (sem mesa) cerca de três a nove pessoas, sendo que quatro vai ser o número ideal em razão de que cada mesa comporta quatro cadeiras, portanto, quatro pessoas podem se sentar nela, e que cada mesa ocupa um espaço de dois metros quadrados (folgadamente), então o espaço em questão comportaria 50 mesas (deixando lugar para o fluxo de pessoas andando de um lado para o outro). Deste modo, se o local enchesse no domingo, 200 pessoas pagariam para assistir aos shows e participar do sorteio dos três mil reais. Partindo desse princípio, e sabendo que cada entrada custaria vinte reais, a receita de quem entrará no recinto será de R$ 4.000,00. Uma conta ainda difícil (e longe) de bater. O Gordo terá que perder muita caloria para equilibrar a balança, ajuizei. Dizem que uma grande parte das pessoas quando vão assistir a uma corrida de Fórmula Um, por exemplo, não quer ver o vencedor, mas sim uma batida, uma capotada, um carro pegando fogo… Ou quando vai ao aeroporto para assistir à chegada de alguma autoridade, especialmente as políticas, as pessoas não vão para ver o avião descer, taxiar, parar em frente ao hangar e de sua porta, ao abrir, por ela passar a dita (ou ditas) autoridade acenando para o público. Não. Elas vão para ver se na aterrisagem há algum problema com o avião possibilitando algo diferente da rotina. Dizem que os flashes disparados intermitentemente por fotógrafos e jornalistas na hora de aterragem é para não perderem nenhum quadro da imagem. Maldade! Se bem que há várias teorias que falam sobre o assunto. Como não sou expert no tema, vamos dizer apenas que o meu lado pessimista começou a tomar corpo (seria, assim sendo, uma versão das teorias que falei? Claro, guardadas as devidas proporções, já que em nenhum momento passei a imaginar uma tragédia, tipo: o local pegar fogo, uma briga generalizada e o povo sem ter por onde sair - já que estavam “engaiolados”-; enfim, em qualquer uma dessas hipóteses, o proprietário se daria mal, pois acabaria com o evento, o prejuízo financeiro seria enorme, além de responder criminalmente por tudo que ocorresse), embora o problema (ou solução) não me dissesse respeito. Na verdade, a única coisa que me dizia respeito era o fato de ter ouvido quando o cantor-anunciante das atrações dissera que os eventos começariam a partir do meio-dia. Bem, não tinha como ser positivo. Vejam, o local é ao ar livre, com apenas duas lonas cobrindo um quarto do espaço, deixando três quartos completamente ao sol do meio-dia Além disso, acredito que o calor que faz embaixo de uma lona, nesse horário, torna difícil de aguentar ficar ali, é só para quem gosta mesmo de “tomar uma”.

Continua...

DI reçÃO geral: César Santos DIretOr De reDaçÃO: César Santos gereN te aDMINIS tra tIVa: Ângela Karina DeP. De aSSINatUraS: Alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

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