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OPINIÃO
from Jornal De Fato
eSPaço JorNaLISTa marTINS de VaSCoNCeLoS
Organização: CLaUder arCaNJo
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John Kennedy no Rio GRande do noRte
JoSÉ de PaIVa reBoUçaS
é escritor e jornalista josedepaivareboucas@gmail.com
No dia 29 de maio de 1963, o governador Aluízio Alves, entusiasmado com os resultados do projeto de alfabetização de Paulo Freire em Angicos e outras cidades do Rio Grande do Norte, enviou carta ao embaixador norte-americano Lincoln Gordon, recomendando que o “Programa de Angicos para a eliminação do analfabetismo” fosse adotado em todos os estados do país.
Vale lembrar que os EUA foram os investidores desse projeto de alfabetização, por meio do projeto “Aliança para o Progresso”, cujo objetivo era financiar governos aliados no centro e sul do continente americano com promessas de apoiar políticas de educação, saúde e reforma agrária, como ação para minimizar os efeitos da pobreza. Os estadunidenses achavam que, devido à pobreza e o abandono político, o Nordeste era terreno fértil para os comunistas e um lugar que poderia reproduzir a revolução cubana. Assinado em agosto de 1961, no Uruguai, o documento fundador da Aliança recebeu o nome de “Carta de Punta Del Este”. Os EUA assumiram compromisso de liberar cerca de 20 bilhões de dólares de fundos públicos, durante o período de 10 anos, para ajudar a reverter os principais problemas sociais dessa parte do continente.
No dia 2 de junho, o jornal The New York Times publicou uma matéria dando ciência da experiência em andamento no município de Angicos. Depois disso, outros jornais enviaram correspondentes ao pequeno município potiguar: Le Monde, Associated Press, United , Time Magazine, Sunday Times e Herald Tribune.

Calazans Fernandes durante encontro com presidente Kennedy, na Casa Branca
Em outubro, Aluízio recebeu a visita de um grupo de embaixadores norte-americanos para preparar a visita do presidente Kennedy programada para dezembro. “Kennedy desceria na base aérea de Parnamirim, em Natal, saudado pelo aboio de 500 vaqueiros encourados. Receberia na escada do avião um Cristo crucificado, entalhado em imburana amarela pelo artesão Chico Santeiro, e em seguida partiria com o governador Aluísio Alves, de helicóptero, para Angicos”, contou o jornalista, e então secretário de educação do RN, Calazans Fernandes.
Segundo o jornalista, estava programado que Kennedy desembarcaria no Nordeste na primeira quinzena de dezembro com vistas a inaugurar obras dos governos regionais e ter contato direto com o método das 40 horas de educação de adultos. 90 dias desse suposto acontecimento, nas comemorações do segundo aniversário da Aliança para o Progresso, Calazans Fernandes esteve na Casa Branca como parte de um grupo de nações (Brasil, Chile, Colômbia, México e El Salvador) para se encontrar com o presidente dos EUA.
Esse acontecimento, Calazans narra em seu livro 40 horas de esperança: o método Paulo Freire - política e pedagogia na experiência de Angicos Antonia Terra.
Eram dez horas de 20 de agosto. A nossa cabeça andava pelos sertões do Nordeste, quando o presidente Kennedy entrou na sala. Teodoro Moscoso fez as apresentações. O presidente ia estendendo a mão, enquanto ouvia breve currículo. Éramos o mais jovem (33 anos). Seu olhar se fixou em nós. Voltou-se, instruiu qualquer coisa e, de novo, se colocou à nossa frente.
“Presidente”, falou em espanhol o homem pequeno ao nosso lado, com rosto de índio, “eu sou Plaza y Plaza, de Colombia. Fui o primeiro a receber, das mãos do presidente, as chaves de uma casa, nos subúrbios de Bogotá. A casa é grande, muito boa. Tenho oito filhos. Porém, não tenho carro, geladeira, fogão. O que vou fazer com uma casa tão grande?”.
Não deu para segurar o riso. Plaza y Plaza era o próprio exemplo vivo da aliança. Kennedy, também rindo, indagou de Moscoso: “Alguma coisa errada?”. O pressuposto coordenador da aliança também ria. Todos, na sala, inclusive o circunspecto homem do protocolo, riam. Não havia o que fazer. Plaza y Plaza se deu por satisfeito. Lograra o seu grande intento de fazer o presidente dos Estados Unidos rir da sua desdita.
Nas despedidas, fomos convidados a uma sala ao lado, onde três jovens assessores, todos de gravatas-borboletas iguais, descartáveis, iguais aos jovens do bunker da Usaid, do Recife, puxaram as lapiseiras do bolso da camisa e começaram a fazer perguntas: quanto tempo de helicóptero de Natal a Angicos? Como era o clima? A vegetação? As instalações? O povo? Explicamos tudo e só depois quiseram saber como funcionava o projeto das “40 horas”. Detalhamos e falamos da gente, dos sertões, da vegetação agressiva, espinhenta, como eram as pessoas e como elas estavam ansiosas pela visita do presidente.
Um dos três, dizendo-se estudante de sociologia, na vertente do brasilianismo, arriscou a pergunta: “Foi lá que mataram o Lam-pi-ao?”.
“Não, é outro Angicos, noutro estado, Sergipe, e o nome é do Norte, onde está se desenvolvendo a metodologia das 40 horas.” Fizemos questão de ser bem claros, carregando nas cores da descrição, para que entendessem a dimensão sociológica do projeto de educação do Rio Grande do Norte. Já íamos nos despedir, quando um deles nos transmitiu a mensagem do presidente Kennedy. Poderia ser que, em dezembro próximo, ele descesse em Natal, para ir a Angicos com o governador e o embaixador americano. A embaixada no Rio de Janeiro faria os arranjos necessários. E mais, o presidente pedia que transmitíssemos ao povo dos sertões as dificuldades correntes, nos Estados Unidos, com o Congresso e a oposição obstaculizando a liberação dos recursos.
Ao nos despedirmos, instintivamente os três olharam a agenda carregada do presidente para o fim do ano. Entre os compromissos, estava lá, a viagem ao Texas, para 22 de novembro, com a anotação a lápis: "Convite do vice-presidente Johnson". Na primeira quinzena de dezembro havia uma brecha de três dias, a ser preenchida. Eles olharam para nós e confirmaram com os olhos o que havíamos entendido. Então, escreveram aí: "Brazil - Natal - Angicos - gov. Alves", completando a anotação com outros nomes de pessoas das quais dependiam as providências no âmbito da Usaid. Não falaram mais nada. Só pontuaram seu silêncio com ares de excitação e expectativa.

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