6 minute read

OPINIÃO

eSPAÇo joRNAlISTA MARTINS de VASCoNCeloS

Organização: ClAudeR ARCANjo

Advertisement

COVID XVI

RAIMuNdo ANToNIo de SouZA loPeS

é escritor e jornalista rsouzalopes@hotmail.com

Mais uma vez, ao término de uma música, o crooner anunciou a próxima atração: o cantor Horlando Peres. Olhei no visor do celular: 00:12h. Vou me deitar e “vê” se consigo dormir um pouco, pensei. Deitado, as batidas ocasionadas pelo som das potentes caixas da banda ressoavam em meus ouvidos e causavam uma espécie de terremoto na minha cabeça. Parecia que estavam tocando diretamente dentro do meu crânio. Insuportável. A solução foi tentar me aliar ao barulho. Fiquei comparando cada música que era tocada com as músicas de minha juventude, nas festas do Ipiranga. Até ensaiei as cenas: os Bárbaros (ou Tremendões, ou os Inflamáveis) começavam a tocar e nós, os namoradeiros (e dançarinos) da época, “invadíamos” o primeiro andar do clube. Mas primeiro o bar - que ficava do lado direito de quem subia o lance de escadas (à esquerda, o palco, as mesas e a pista de dança) - e o copo americano cheio de Montilla com Coca. Em seguida, acender o indefectível (naquele tempo) cigarro Minister (Continental e Arizona somente no dia a dia) e sair em direção à pista de dança. Na "beira" da pista, a pose de galã de Hollywood. Particularmente, a minha pose era a imitação de Humphrey Bogart, ator que tinha visto no filme Casablanca, e que não tirava dos dedos (somente para colocá-lo na boca) o cigarro. Era o máximo! Sinceramente? Época boa. Beber, fumar, namorar, passear, comer muito… Éramos jovens, não tínhamos preocupações com o futuro, velhice, estabilidade econômica, família… Queríamos viver o presente, o momento, e fazíamos de tudo para que ele fosse o melhor possível, mesmo que fosse à custa de um pagamento a longo prazo, isso não importava, pois o amanhã não existia e estava muito longe de nossos pensamentos.

Finalmente, anunciou-se a atração principal. O cantor Horlando Peres apresentou-se e passou a cantar velhas canções da jovem guarda, alguns “bregas chiques” e pouquíssimas melodias da atualidade. Foi uma volta ao passado para mim também. Apesar dos desconfortos, da dor de cabeça, do corpo febril, da falta de sono (causada, em parte, pelo barulho dos instrumentos musicais), ouvir músicas harmoniosas e com letras bem elaboradas trouxe-me uma calma momentânea. Engraçado, pensei, como a música tem esse dom de nos levar de um universo para o outro! Você ouve uma música e instantaneamente se transporta para o exato momento de onde a ouviu em seu melhor momento. Às vezes, nem tanto. Por exemplo, tem uma música dos The Fevers chamada Ninguém vive sem amor, linda por sinal, que todas as vezes em que é tocada eu me recordo de uma dor de dente. Antigamente, aqueles parques de diversões menores instalavam-se em terrenos baldios de ruas dos bairros de periferia das cidades pequenas. Um deles instalou-se quase defronte da casa de uma avó minha, na cidade de Açu/RN. Dentre “as atrações”, tinha a barraca do bingo. E como todo bingo, o principal instrumento de marcação dos números das cartelas era o milho. Uma bela noite, às seis horas da tarde, eu me arrumei para dar um “rolé”, uma volta no parque. E quando lá cheguei, passando pela barraca do bingo, peguei um caroço de milho e coloquei na boca no exato momento em que a amplificadora colocava essa música. Acontece que o caroço do milho procurou justo uma cratera que existia em um dos molares. A dor veio quando Almir cantava “a saudade faz lembrar a todo instante que eu não poderei viver sem você…" Pense numa dor aguda, cruel! Em compensação, Outra vez, de Isolda, gravada por Roberto Carlos, me faz ter ótimas recordações e é, disparadamente, a música da minha vida. Horlando Peres continuava a cantar… Lá para as três da matina, ao cantar Luz Divina, de Roberto Carlos, o cantor encerrou sua participação. Daí a pouco a calma e o silêncio voltaram a reinar. Adormeci.

11º Dia

O mundo acabou. Estou morto, já não tenho dúvida. Meu Deus, que

Ilustrativa

sensação estranha é essa? Será que eu ainda estou vivo? Será?

Segunda-feira, 8 de novembro * . Tentei me levantar. Minto. Tentei primeiro abrir os olhos. Não consegui. O simples fato de apenas procurar abrir os olhos custou-me muito. O peso que as pálpebras fechadas e contraídas imprimiam era enorme. Ainda atordoado pela sensação de peso sobre os olhos, parei o movimento de querer abri-los. Resolvi raciocinar, embora até isso fosse difícil, pois um turbilhão, quase um tsunami mental - em tico e teco -, conflitavam e davam um tilt na minha cabeça. O mundo rodava. Procurei movimentar uma perna. Não consegui nem sequer mexê-la. A outra… nada! Os braços estavam inertes. Pareciam dois membros sem nenhuma função dinâmica. Porém o pior era a sensação de abandono e de perda. Parecia que a alma estava saindo do corpo físico. Era como se alguma coisa estivesse se desprendendo, indo embora. Num rápido flash, vi algo, ou uma força, sugandome. Eu estava indo embora. Para onde, não sei. Nunca na minha vida havia sentido algo parecido. Era uma fraqueza extrema. Extremíssima. O cérebro mandava uma ordem, por exemplo, “quero abrir os olhos”, e nada. “Quero me levantar”... pior. O pânico tomou conta de mim. Será que eu consigo gritar?, pensei. Antes, para testar, fiz um esforço para tossir. Só saiu um leve grunhido. Baixíssimo. A situação está ruim. Acho que vou tentar chamar a atenção de Pedro e de dona Dora. Talvez seja a solução. Nem isso deu certo. A solução foi reunir todas as forças e abrir os olhos. Eles finalmente abriram. O segundo passo: levantar-me. Primeiro sentar. Depois de várias tentativas, do corpo começar a suar excessivamente, consegui ficar sentado. Os cabelos estavam encharcados de suor. O mundo girava. Olhei para a porta do banheiro e calculei, mais ou menos, se dava para apoiar as mãos no portal assim que levantasse. Fiz, para isso, outro grande esforço. De pé, a impressão que dava era de que tinham colocado em mim um motor de “Toyota” e uma "carrada'' da “carreta Romeu e Julieta”. Tremia mais do que “varaverde” e parecia que pesava umas 50 toneladas. Achei melhor fechar os olhos. O mundo girava menos dessa forma. Vagarosa e penosamente, eu consegui adentrar o banheiro. Já fui direto para o chuveiro. A sorte é que estava só de calção. Abri o chuveiro e deixei que a água me molhasse por inteiro. Com as mãos apoiadas na parede, enquanto a água caía - e o meu corpo tremia -, procurei encontrar uma explicação para o que estava acontecendo. Sabia que no dia anterior já estava com a sensação de que havia alguma coisa diferente em mim. Senti muita dor de cabeça, um mal-estar permanente, uma falta de equilíbrio, um pressentimento - negativo - de que algo, e eu não sabia o quê, tomava conta de todo o meu corpo. À noite, quando “refuguei” a comida, o sinal de alerta piscou com mais insistência. Sabia de tudo isso, inclusive que a doença trazia em si coisas que a literatura médica, as experiências com relação aos sintomas associados às doenças correlatas traziam. Isso me acalmou, não sei por quê. Vamos virar esse jogo, disse, colocando uma das mãos para o alto.

Continua...

* A partir do dia 8 de novembro de 2021, a continuação dos relatos só foi possível após o dia 01 de dezembro de 2021, quando me recuperei totalmente. Ligar o computador para escrever, a partir do 11º dia, tornou-se quase impossível, com exceção (e com um esforço quase desumano) da atualização do site da Sarau das Letras (que foi paralisada após o dia 11 de novembro de 2011).

DI reçÃO geral: César Santos DIretOr De reDaçÃO: César Santos gereN te aDMINIS tra tIVa: Ângela Karina DeP. De aSSINatUraS: Alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

FILIADO À

This article is from: