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OPINIÃO

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GERAIS/OPINIÃO

GERAIS/OPINIÃO

ESPaÇo jornaLiSTa MarTinS DE VaSConCELoS

organização: CLauDEr arCanjo

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EDMíLSon CaMinha

Escritor, membro da Academia de Letras do Brasil edmilson.caminha@gmail.com

Começo da década de 1980, Ana Maria e eu vamos à casa dos pais dela, em Fortaleza. O sobrinho Álvaro, na pequenez dos cinco anos, chuta-me a bola com que brincava sozinho. Pernade-pau entre os maiores do Brasil, obro o milagre de algumas embaixadinhas, como os astros que se exibem durante os treinos. “Tio, o senhor sabe fazer isso!” Não deixei por menos, antes que a pelota caísse: “Rapaz, eu sou o Tio Pelé!” Disse apenas uma vez: hoje casados, com filhos, ele e os irmãos – Rossana, Welighton Júnior e Carlos Eugênio – continuam a chamar-me, carinhosamente, de Tio Pelé. Ainda bem que o craque nunca soube disso...

Em 1997, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, ouço pelo sistema de som que, “logo mais às 15h, comparecerá a uma audiência na Comissão do Esporte o Senhor Ministro Edson Arantes do Nascimento”. Vou cedo, para garantir assento, e já encontro muitos colegas de cabeça branca com bolas, camisas do Santos, da Seleção Brasileira e até do New York Cosmos, em que pedirão autógrafos para os netos...

Finda a sessão, aproximei-me dele, quando pude comprovar que não era tão alto quanto podia parecer (um metro e setenta e três, apenas cinco centímetros a mais do que eu) e a excelente forma física que não perdera, vinte anos depois que se aposentara. Educadamente, estendeu-me a mão, mas gostaria mesmo era de lhe ter apertado o pé...

“Vovô, o senhor viu Pelé jogar?” Para me ver livre da vergonha de um “não...”, eu, que nunca fui de frequentar estádios, era um dos 31.174 pagantes que lotaram o Presidente Vargas, em Fortaleza, para assistir a Santos x Ceará, no dia 23 de setembro de 1973. Partida pelo então Campeonato Nacional de Clubes (hoje Brasileiro), surpreendentemente vencida pela agremiação da terra, por 2 x 0, gols de Jorge Costa e Erandi. Pelé não brilhou, fez apenas uma jogada aplaudida pelo público. Como técnico do time santista, Pepe, que com o camisa 10 mais Dorval, Mengálvio e Coutinho, formou o Ataque dos Sonhos, melhor

O MAIS BELO GOL QUE PELÉ (NÃO) FEZ

quinteto ofensivo do futebol brasileiro, há quem diga que até do mundo, na década de 1960. Os cinco atuaram juntos em 97 partidas, com 68 vitórias e 314 gols (mais de cem em uma única edição do campeonato paulista!), o que dá a impressionante média de 3,23 gols por jogo.

Ao entrevistar Pelé para a revista Playboy, Juca Kfouri quer saber se lhe pedem o passaporte quando viaja ao exterior. E diz que, nos Estados Unidos, ninguém entra sem apresentá-lo à imigração.

— Pois eu já entrei. Alguém para quem dei um autógrafo ficou com o meu passaporte, que às vezes uso como apoio para assinar no avião ou na fila de desembarque. Aí devo ter deixado o passaporte junto com o autógrafo e o fato é que quando me vi diante do policial estava sem ele, no aeroporto de Nova York. Expliquei o que tinha acontecido, o fiscal me perguntou se eu tinha alguma foto minha para autografar para ele, eu tinha, o cara deixou que eu passasse e ainda disse que tinha um filho que me adorava.

Poeira de estrelas (Rio de Janeiro : Ediouro, 2004) traz algumas das boas histórias que o showman Luiz Carlos Miele gostava de contar. Como a da visita de Deus ao Corcovado, com São Pedro, para conhecer o monumento carioca em homenagem ao Cristo Redentor. De lá, desce ao campo do Flamengo, escolhe uma trave e pede ao apóstolo: “Pedro, fica aí no gol, um pouco adiantado, que eu vou fazer aquele gol que o Pelé quase fez contra a Tchecoslováquia”. O chute foi tão potente que a bola caiu na Lagoa Rodrigo de Freitas:

— Pedro, vai buscar. — O Senhor vai desculpar, mas as peladas (com perdão da palavra) têm os seus regulamentos. Vai o Senhor, que chutou.

Com religiosa paciência, Deus foi andando por cima d’água para apanhar a bola.

Um bêbado, cinco da manhã, saindo de um bar, e vendo aquele homem caminhando sobre as águas, cutucou São Pedro: — Pô, qual é, malandro! Andando em cima da água! Tá pensando que é Deus? — Pior, meu filho. Está pensando que é o Pelé!

No livro Quincasblog: meus encontros (São Carlos : Art Point, 2019), o diplomata e escritor Lauro Moreira conta da viagem de uma delegação do Governo do Brasil à Nigéria, em 1978, ele como representante do Conselho Nacional do Comércio Exterior. Para vender produtos brasileiros ao país africano, fretou-se um avião em que também se encontravam o Rei Pelé e o time do Fluminense, que disputaria um amistoso com a seleção nigeriana.

No dia do jogo, Carlos Sant’Anna, presidente da Petrobrás Comércio Internacional S.A., sugeriu a Pelé que entrasse em campo por alguns minutos. O tricampeão mundial resistiu mas acabou cedendo, com uma pergunta: “Nesse caso, para que time eu jogo?” Ao que respondeu a maioria do grupo: “Para o Fluminense, é claro!” Foi quando Lauro Moreira tomou a palavra:

Gente, vocês vão me desculpar, mas se viemos aqui para vender produto brasileiro, é evidente que ele só pode jogar pela seleção da Nigéria! E acho que precisamos ensaiar bem essa entrada do Pelé. Proponho que ele “adentre o gramado” depois da entrada das duas equipes, vestindo sua camiseta da Seleção Brasileira, vá até o círculo central e então tire a camisa, deixando ver a da Nigéria, que estará por baixo.

O memorialista fez o que se pode considerar um “gol de placa”:

Modéstia às favas, acho que foi uma das ideias mais luminosas que já tive – eu, que sou tão parco delas –, pois o sucesso dessa encenação no jogo do dia seguinte foi simplesmente retumbante. O estádio mais que superlotado, uma multidão ululante, irrequieta, quase selvagem, que tentava invadir até a tribuna de honra onde estávamos, calouse de repente ao assistir à entrada solitária de Sua Majestade em campo, para em seguida explodir delirante, ao perceber que ele exibia por baixo a camiseta de sua Seleção. Depois, em mais uma demonstração de boa vontade (ou de fome de bola, sei lá), jogou por cerca de 40 minutos do primeiro tempo, sem dar grandes piques, é claro, mas distribuindo passes magistrais.

Ao saber que Ana Maria e eu iríamos a Minas Gerais, Fernando Sabino foi rápido: “Vou ligar pro meu irmão Gerson! Ele estará à espera de vocês em Belo Horizonte!” Assim, tivemos o privilégio e a alegria de conhecer Gerson Sabino (1915-1998), grande figura humana, apaixonado por futebol, pela Seleção Brasileira e pela Copa do Mundo, a que fora 13 vezes, desde a de 1938, sem perder nenhuma. Em crônica com que o homenageei, escrevi: “Paixão assim há muito que o faz merecedor de uma homenagem da CBF – o diploma de ‘Torcedor n° 1’, por exemplo, ou a convocação para titular vitalício da camisa 12 – aquela, com que uniformizamos a alma de quatro em quatro anos para torcer (e sofrer) pelo Brasil...”

Enquanto visitávamos o Mineirão, a Toca da Raposa e o Minas Tênis Clube, Gerson Sabino contou-nos duas das histórias que deliciavam os ouvintes do seu programa na Rádio América, campeão de audiência nas noites de domingo:

Em um programa esportivo da televisão inglesa, a que estavam presentes Pelé, Bobby Charlton e outros cobras do futebol mundial, perguntou-se a Puskas, o famoso atacante húngaro, quais, na sua opinião, os maiores jogadores de todos os tempos. — Bem, em primeiro lugar, Di Stefano.

Os olhares se voltaram discretamente para Pelé, que acompanhava atento a entrevista. — E depois? — Em segundo lugar, um jogador aqui presente: Bobby Charlton.

Aí o mal-estar foi grande. O jornalista não se conteve: — E Pelé, Puskas? — Eu estou falando de jogadores de futebol. Pelé é gênio, está acima de todos nós...

México, 1970. Em uma das mesasredondas promovidas pela televisão asteca, perguntam a Mr. Simpson, da BBC de Londres, qual o mais belo gol da Copa. — Sem dúvida o de Pelé, contra a Tchecoslováquia. Ele chutou direto do meio do campo, a bola descreveu uma suave parábola, foi cobrindo o goleiro Ivo Viktor e finalmente entrou. — Perdão, Mr. Simpson, mas como o senhor pode ver pela imagem que está no ar, a bola não entrou.

E o inglês, impassível: — Para mim, entrou...

dI rE çÃO gE raL: César Santos dIrEtOr dE rEdaçÃO: César Santos gE rEN tE ad MINIS tra tIVa: Ângela Karina dEP. dE aSSINatUraS: Alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

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