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OPINIÃO

eSPAÇo JorNALISTA mArTINS de VASCoNCeLoS

organização: CLAuder ArCANJo

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OSPOdereS qUe NÃO teMOS

AéCIo CâNdIdo

professor da UERN, aposentado. autor da obra Tempos do verbo aeciocandidocuite@gmail.com

Magia ao Luar é um dos belos filmes de Wood Allen. Nele, um mágico famoso é chamado para desmascarar uma jovem e bela médium, que alega adivinhar o passado das pessoas e comunicar-se com os mortos. Depois de uma semana de convivência com ela, o mágico, Stanley, conclui que seu racionalismo não consegue explicar de outro modo os fenômenos que testemunha, senão admitindo a realidade sobrenatural deles. Outra conclusão é que ele está apaixonado pela médium. Algumas voltas depois, um acidente grave com sua tia é o clique para despertá-lo do transe a que o amor o levou e perceber que foi enganado por um conluio de impostura entre a bela moça e o amigo que o convidara a desmascará-la, um mágico de menor talento, ciumento de sua grandeza. Parece que Wood Allen quer demonstrar que a razão pode resistir às supostas proezas do sobrenatural, mas não às armadilhas da paixão. Mas este é outro campo de especulação.

O filme de Wood Allen trata de alguns fenômenos “extrassensoriais”, de interesse da parapsicologia. A parapsicologia se propõe a estudar um conjunto de fenômenos chamados de paranormais ou de metapsíquicos, em geral interpretados pelo espiritismo como manifestações de desencarnados. Os fenômenos de interesse são muitos e variados: audição de vozes, levitação e deslocamento de objetos, psicografia, ectoplasmas (aparição de espíritos), telepatia, telecinesia (deformação de objetos de metal), adivinhação do passado e do futuro. A história está cheia de evidências de que esses fenômenos não existem como fenômenos naturais, sendo frequentemente forjados. Desse modo, o objeto de estudo não existe, é ilusório como o objeto da astrologia – a relação causal entre a posição dos astros e os eventos humanos.

Os fenômenos relacionados a mediunidade, telepatia, telecinesia e precognição, desde meados do século XIX, quando começaram a ser motivo de interesse da ciência, têm recebido sérias contestações de prestidigitadores profissionais (mágicos), que frequentemente descobrem neles o uso de algum truque. O que é apresentado como um fenômeno mental, como um poder incomum da mente humana – ou como ação de espíritos desencarnados, na explicação espírita –, não passa de truques de ilusionismo – os mesmos que um mágico profissional é capaz de fazer, sem, porém, iludir o público de que se trata de poderes pessoais estranhos ou de intervenção do Além, mas tão simplesmente de criação artística, ajudada pelo uso de instrumentos especiais, pela agilidade das mãos, pelo controle da atenção do espectador e, claro, pela colaboração confiante deste.

Algumas universidades europeias e americanas abriram espaço para o estudo da parapsicologia. Os resultados deste são, porém, desencorajadores: depois de um século nada de substancioso pode ser apresentado. E, depois de todo esse tempo de tentativas de convencimento, não logrou ainda entrar paro o rol das ciências. Em 1935, J. B. Rhine, psicólogo norte-americano, fundou o Laboratório de Parapsicologia na Duke University e trabalhou nele durante quase 50 anos, mas nada conseguiu de muito convincente. Outros cientistas e alguns ilusionistas (mágicos) experimentados criticaram a ingenuidade de Rhine, o excesso de confiança em seus “objetos de estudo” e o pouco rigor dos protocolos adotados. Durante um bom tempo, ele tomou como reais as capacidades de uma égua telepata, desmascarada, ela e sua dona, pouco depois, por gente menos crédula e mais rigorosa nas observações.

O primeiro mágico a se interessar pelos fenômenos paranormais e a colocar seus conhecimentos de prestidigitação a serviço da análise desses fenômenos foi o francês Robert-Houdin (1805-1871). Versado nas ciências físicas e nas aplicações práticas que elas ganhavam à época, e com grande talento para o ilusionismo, Robert-Houdin desenvolveu muitos números originais e engenhosos de mágica, escorados em objetos por ele criados. O caminho aberto por ele foi seguido por Harry Houdini (18741926), um ilusionista húngaro radicado nos Estados Unidos. James Randi (1928), um canadense naturalizado americano, é o terceiro nesta lista. Randi “entorta” colheres, “escapa” de celas e de caixotes bem trancados, “abre” algemas, “lê” pensamentos e “adivinha” muitas outras coisas. Os três têm em comum algumas qualidades notáveis: inteligência exuberante, raciocínio lógico ativo e grande conhecimento das técnicas de prestidigitação, do método científico e dos avanços da ciência em sua época. Esses atributos lhes serviram para desmascarar como fraudes demonstrações de fenômenos paranormais que magnetizam plateias e convencem pessoas menos céticas. Randi, ao que parece, nunca desconfiou da boa-fé dos cientistas que se dedicaram ao estudo dos supostos fenômenos paranormais, mas desconfiou muito de uma excessiva carga de ingenuidade, e chegou a constatar suas suspeitas. Uma delas foi durante a execução do Projeto Alfa.

A vontade de acreditar no inacreditável, no entanto, é muitas vezes mais forte do que a aceitação da evidência do malogro. Algumas pessoas, mesmo testemunhando o desmascaramento de algumas fraudes e a demonstração pedagógica feita por Randi dos truques desmascarados, reagiram dizendo que ele, Randi, era um paranormal que não queria admitir sua paranormalidade e que disfarçava os poderes que tinha.

Uri Geller, famoso paranormal israelense, foi acusado de prestidigitação por James Randi, que expôs com detalhes cada um dos seus truques. Geller moveu um processo milionário contra Randi e perdeu; perdeu também outro contra o Comitê para a Investigação Científica de Alegações Paranormais. Há vários anos, a Fundação Educacional James Randi, criada por ele, oferece um prêmio de um milhão de dólares a quem apresentar um fenômeno paranormal autêntico.

Num sentido inverso, físicos que se dedicam à mecânica quântica têm contribuído para agitar ainda mais esse campo ao afirmarem que médiuns podem, pelo poder da mente, interferir sobre partículas subatômicas e produzir fenômenos paranormais. São gente que procura relacionar, sem nenhuma comprovação convincente, os horizontes da mecânica quântica com os fenômenos paranormais.

É atrativo para alguns espíritos a aproximação entre uma área de ponta da ciência contemporânea, a da mecânica quântica, um campo extremamente intrincado, que exige, para ser de fato compreendido, uma excelente formação em matemática avançada e em física, que foge completamente a analogias com os fenômenos da vida cotidiana, e uma área remanescente das culturas antigas e primitivas, a da fantasia mística. Fritjof Capra, que nos anos 1990 figurou como guru dessas interpretações extrapoladas, afirma, em Ciência e consciência, que “o elétron não possui propriedades independentes do meu espírito”. E diz mais: “Em física quântica, o nítido corte cartesiano entre o espírito e a matéria, entre a palavra e o mundo, não tem mais validade”. Há muita gente, crítica das religiões e do misticismo tradicional, desejando ouvir algo novo nesse campo, mais conectado com o mundo contemporâneo, daí o sucesso. Essa visão, porém, no meio da comunidade de físicos é encarada sem nenhuma reverência e criticada muito fortemente.

Não é de hoje que o homem sonha com poderes que não tem.

dI reçÃO geral: César santos dIretOr de redaçÃO: César santos gereN te ad MINIS tra tIVa: Ângela Karina deP. de aSSINatUraS: alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

FILIADO À

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