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OPINIÃO

esPaÇo JoRNaLIsta MaRtINs de VasCoNCeLos

Organização: CLaudeR aRCaNJo

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COVID XVII

RaIMuNdo aNtoNIo de souZa LoPes

é escritor e jornalista rsouzalopes@hotmail.com

Engraçado! Deus se torna “mais Deus” sempre que precisamos de sua onipotência. O interessante é que em momentos distintos Deus quase sempre é esquecido. No Natal, por exemplo, quem reina é Papai Noel e seu saco de presentes; na Semana Santa, o Judas ligado ao roubo de galinhas, à bebida e à farra; na Páscoa, o coelhinho com seus chocolates e guloseimas. E Deus? No Natal é o seu nascimento, em Belém da Galileia, numa estrebaria, em uma manjedoura; na Semana Santa, a Sua morte na cruz, no meio de dois ladrões. Nós, no Natal, compramos roupas novas, enchemos nossa casa de comida, convidamos os amigos, fartamo-nos, comendo e bebendo, e desejamos aos presentes um Feliz Natal (por telefone também). Quase nunca nos lembramos dEle. Na passagem de ano, só para ter uma ideia, quem leva os louros é Iemanjá (no sincretismo religioso, Iemanjá corresponde a Nossa Senhora dos Navegantes, a Nossa Senhora da Conceição, a Nossa Senhora das Candeias, a Nossa Senhora da Piedade e a Virgem Maria) quando levamos oferendas e as depositamos no mar, isso não antes de “passarmos pelas sete ondas”. Porém no aperreio, nos momentos em que estamos entre a cruz e a espada, a quem pedimos socorro? Ao onipotente, onisciente e onipresente Arquiteto do Universo. Não fugi à regra, confesso. E pedi para Ele me valer. Enquanto a água parecia levar espírito e matéria, ajudada pela tremedeira no corpo inteiro, eu implorava que se fosse de Sua Vontade eu ainda ficasse um pouco mais por aqui, no que chamamos de Terra, pois ainda tinha algumas coisas que precisava fazer e outras para finalizar (já prestaram atenção que na hora do desespero sempre pedimos a Deus por mais tempo e o porquê, a justificativa, é que ainda temos muitas coisas para fazer, ou tarefas

Ilustrativa

para concluir?). Terminei o banho, mas não conseguia “desapoiar” os braços da parede a minha frente, muito menos levantar a cabeça para olhar onde estava a toalha para me enxugar, se bem que eu não teria condições de fazê-lo. A duras penas, voltei, nu, para o quarto. Deitei-me. Parecia que uma tonelada de pedras comprimia o meu corpo. A respiração ofegante, como se eu tivesse corrido uma maratona de 42 quilômetros. Quase não dava para puxar o ar em razão do cansaço. Lasquei-me, diagnostiquei. Juro como passei a me lembrar de muitos momentos. Foi uma espécie de trailer do filme da minha vida. Flashes, eu ainda menino nas ruas em que morei, brincando de "bandeirinha", de luta de espada, jogando castanha, triângulo, pião, e tomando banho no Rio Mossoró. Pouquíssimas coisas da escola. Na verdade, somente duas: Ginásio Municipal (hoje Escola de Artes) e Colégio Estadual (hoje EE Jerônimo Rosado); na adolescência e um pouco da juventude, Ipiranga e suas inesquecíveis festas, a AACDP e os banhos de piscina, aos sábados e domingos. Assu… Na vida adulta, Sírio, Banorte e Educação. Estava com o spoiler completo.

Assim, com muita dificuldade, olhei para a direita e vi, na mesinha ao lado da cama, o celular. Peguei-o. Quase que no instinto, acionei o modo chamada para dona Dora e coloquei no viva-voz. Fui atendido. Disse-lhe que não estava bem, mas não revelei o que estava sentindo. Ela me perguntou se eu queria o desjejum e eu lhe falei que trouxesse somente coisa líquida. E não queria café. Logo o café que era a bebida que mais apreciava! Mas estava que só de pensar em seu cheiro queria vomitar. Desliguei. Ah, me esqueci de contar uma coisa: além da atualização diária do site da Sarau das Letras, colocando o texto do dia (saído na página 2 do Jornal DeFato), eu também envio, já há vários anos, para um grupo que criei, o Manhã de Luz (6h) e, à noite (22h), o Boa Noite meu Jesus, uma evangelização do padre Alex Nogueira, disponível no Youtube. Assim, com um esforço sobre-humano, ouvi a pregação da manhã. E, em seguida, repassei para o grupo. Como era segunda, somente à noite, depois das 22 horas, é que eu ia atualizar o site da Sarau. Espero estar recuperado desse mal-estar e fraqueza, pensei. Como eu havia pedido apenas coisa líquida, um copo de vitamina me foi dado. Não tive dificuldade para ingerir*. Mas só precisava me lembrar do cheiro do café para começar a me dar ânsia de vômito. Juro que a vontade que tinha era de tomar um comprimido para dormir. Queria me livrar de tudo quanto estava sentindo e, na minha cabeça, dormindo o resto do dia (e a noite), quando acordasse tudo já teria terminado. Lá fora, o batido do martelo na madeira feito grade, que cercou o espaço do Bar do Gordo, ressoou forte nos meus tímpanos e, por tabela, estrondou no restinho do meu juízo.

Esse meu pensar foi ledo engano. Por vários motivos, dos quais destaco dois: primeiro, não consegui dormir (no sentido amplo) direito. Cochilei entre pesadelos e sobressaltos. As costas pareciam estar em brasas, de tão doloridas. Segundo, a sensação de estarem me levando aos poucos, como se fosse uma mudança de domicílio, era incrível! O meu corpo parecia ir embora de mim lentamente. Ou era a minha alma, sei lá! Só sei que algo estava se esvaindo, escorrendo por entre o chão duro do quarto em que me encontrava. Lembrei, entre medos e arrependimentos, de um poema que havia feito falando sobre o que pensava a respeito da vida. Na verdade, embora seja uma pessoa otimista, que acredita no ser humano como sendo bom, caridoso e coletivo, algumas vezes o amargor das coisas ruins, praticadas justo por alguns desses seres humanos, fizeram com que minhas reflexões me levassem para o lado negro dos meus pensamentos, pois diante de tantas injustiças, desigualdades e omissões, o manto da dúvida, a confiança no próximo e na esperança do amanhã perdem-se por entre minhas próprias convicções. Ainda mais num momento como o que eu estava passando…

A vida é nada... É apenas ilusão. É um entra e sai de sonhos e de insignificantes fantasias.

A vida é nada... É apenas ilusão. É um aquém de tudo que desejamos e, com certeza, jamais realizaremos.

A vida é nada... É apenas ilusão. É um desejo apenas concretizado em papel e/ou em pensamentos.

A vida é nada... É apenas ilusão. A vida é resumo de perda: uma parte é dor, a outra é tristeza e, no seu entorno, muita desilusão.

A vida é nada... É apenas ilusão. Sofre quem padece da alma, ri quem fez a alma do outro padecer.

A vida é nada... É apenas ilusão. É a vida seguindo seu curso sem nem prestar atenção.

Continua...

* Quando fui pegar o desjejum, fui nu, só de máscara. Dona Dora deu uma sonora gargalhada. Isso, de certo modo, “maquiou” o meu estado deplorável e ela não percebeu o que estava acontecendo.

DI reçÃO geral: César Santos DIretOr De reDaçÃO: César Santos gereN te aDMINIS tra tIVa: Ângela Karina DeP. De aSSINatUraS: Alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

FILIADO À

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