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OPINIÃO

eSPAÇo JorNALISTA mArTINS de VASCoNCeLoS

Organização: CLAuder ArCANJo

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O PINtaSSIlgO

VANdA mArIA JACINTo

escritora, autora do livro Rabiscando os caminhos da prosa v.m.j@hotmail.com

Um dos seus objetivos, quando enveredou pelos caminhos da educação, era trabalhar com alfabetização de jovens e adultos. Ensejar o aprendizado daqueles que não tiveram, ou deixaram passar, as oportunidades do ensino regular sempre fora o seu maior desejo. No entanto, estava apenas começando como professora concursada no Estado. Não tinha como optar pela turma.

Mais um ano letivo iniciava. Recém-chegada na escola tentava se ambientar. No final da semana de estudos que antecedia às aulas, cada professor recebia a relação da sua turma. A sua era um quarto ano, no vespertino, cujos alunos estavam fora de faixa. Percebeu, sem muito esforço, que as melhores turmas – ou seja, aquelas com os alunos dentro da faixa etária – eram destinadas aos professores mais antigos na escola. Mas não se abalou, pois os desafios sempre foram bem enfrentados por ela. Sem contar que alguns dos seus alunos eram jovens adolescentes – fato que atenderia, mais ou menos, o seu desejo primeiro – trabalhar com adultos. Alguém ainda insinuou que a sua turma deveria ficar com algum professor mais experiente, porém como ninguém deu atenção, acabou por ficar do mesmo jeito.

Passou o final de semana organizando a primeira aula na turma. Embora, com muitas ideias na cabeça, resolveu iniciar com uma dinâmica de apresentação.

Para a sua surpresa, os seus alunos, em sua maioria, já trabalhavam para ajudar no orçamento familiar. A atividade que deveria ser uma simples apresentação terminou por ocupar o horário todo antes do recreio, pois o atraso de um dos alunos – que justificou estar ajudando o pai a debulhar feijão para vender no dia seguinte – favoreceu a cada um discorrer sobre a sua atividade “profissional”.

No intervalo, os professores conhecedores dos alunos trabalhosos questionaram sobre o segredo de ela ter retido os alunos em classe, sem que perturbassem nas portas. Sem uma resposta precisa, ela sorriu e ficou sem saber o que responder.

A turma era, realmente, um tanto trabalhosa, mas nada que não pudesse mudar.

Pegando uma conversinha aqui e outra ali, ela foi dando conta do recado, praticando a “interdisciplinaridade” muito antes da sua convenção.

Todo conhecimento era abordado de forma a se interligar com a vida de cada um. Assim, foi ganhando o carinho e a confiança de todos.

Com o afastamento, já no final do ano, da professora do ensino de artes por motivo de saúde, e sem ter como ser substituída, ficou determinado que as aulas semanais seriam ministradas pela própria professora da turma. Resolveu, então, trabalhar o Natal nessas aulas. Além do conteúdo explicativo sobre essa grandiosa festa, foi confeccionando enfeites natalinos com a turma, com o objetivo de montar uma grande árvore de Natal, que seria sorteada entre eles.

Papai Noel de casca de ovo, anjinhos de capa de caderno, presentinhos de caixa de fósforos, estrela de papelão, laçarotes, espirais de cartolina, círculos de cartolina, no formato de bolas de Natal, com a foto de cada um deles... Enfim, foram muitas as ideias que surgiram com o passar dos dias.

A troca de presentes seriam os cartões de boas festas, confeccionados por eles mesmos.

No encerramento do ano, após a entrega dos resultados que, digase de passagem, foi melhor que o esperado, aconteceu a confraternização.

Tudo foi maravilhoso, com lanches e sucos e o sorteio da árvore. Mas a surpresa maior veio do Davi, um dos seus alunos. Ele pediu para ir ao banheiro e, quando voltou, veio com uma gaiola e lhe deu de presente um pintassilgo. Ele vendia passarinhos lá na COBAL – um local de comercialização de alimentos e outras coisas. Nesse tempo, ainda era permitido.

Mais assustado que ela, ele – o passarinho – pulava sem parar...

Sempre foi contra a prisão dos pássaros, mas como não aceitar? Ficou feliz, no entanto preocupada em como alimentar o bichinho. Na folia da turma, todos querendo ver de perto, ele recomendava: – “É só dá milopiste pra ele... Ele é muito cantadô!”

Ela, sem entender direito o que era “milopiste”, só balançava a cabeça em sinal de entendimento.

Cuidou dele por muito tempo. De fato, era cantador.

“Milopiste”? Sim, ela descobriu que era alpiste, comida específica para pássaros.

O Davi? Nunca mais o viu, tampouco o esqueceu.

dI reçÃO geral: César santos dIretOr de redaçÃO: César santos gereN te ad MINIS tra tIVa: Ângela Karina deP. de aSSINatUraS: alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

FILIADO À

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