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SáBADO
from Jornal De Fato
eSPAÇo joRnALISTA MARTInS de VASConCeLoS
Organização: CLAudeR ARCAnjo
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COVID XII
RAIMundo AnTonIo de SouZA LoPeS
é escritor e jornalista rsouzalopes@hotmail.com
Aproveitei para ligar o computador, ler as notícias e escrever. Enquanto isso, as marteladas continuavam e o “cercado” foi criando contornos. Tentei não ficar “prestando atenção” nas batidas e muito menos no que era conversado. Fechei, para isso, as janelas e liguei um ventilador. Estava bom demais. O que na verdade me incomodava era a dor de cabeça. Sentia-a “pesada” e, ao mesmo tempo, pressionada. Mais ou menos como se estivesse colocada numa prensa e, de vez em quando, alguém desse uma “apertadinha” para comprimir um pouquinho mais. Resolvi também que não ligaria para esse “pequeno” detalhe. Por via das dúvidas, fui verificar a saturação de oxigênio no sangue. Estava em 96%. Pelo menos isso, pensei. Como sou avesso a tomar remédio sem prescrição (já disse isso), nem cogitei um analgésico. Assim, concentrei-me nas atividades que estava fazendo no computador. Mergulhei de cara nas tarefas do meu cotidiano. Li as notícias dos principais jornais do país e de Mossoró, depois passei para o esporte, em seguida entretenimento e, por fim, o que mais me interessava: literatura. De vez em quando eu dava uma olhada em duas ou três páginas de Brás Cubas. De repente, senti a necessidade de ir tomar um banho. Dizem que antes de você se molhar deve tomar um copo com água natural. Sempre faço isso. E como hidratação no meu estado era primordial, três a quatro litros por dia estavam sendo consumidos. Tomei banho. A dor de cabeça, com ela sendo apertada por alguma coisa invisível, persistia. Além disso, o corpo continuava esquisito. Vez por outra, ao me deslocar da ponta da cama onde estava o computador para ir me sentar numa cadeira localizada do lado esquerdo de quem se deita na cama era acometido de uma vertigem. Todavia, não dava muita importância, creditando à covid e seus sintomas. Mas que estava incomodando, isso estava. Finalmente, as batidas na porta anunciavam a chegada do almoço. Lá fora, isso no Bar do Gordo, as marteladas também emudeceram, sinal de que a pausa era para forrar o estômago. Sentei-me o mais confortável que pude para degustar a culinária preparada por dona Dora. O prato estava bem feito, muito colorido, com um cheiro bom, porém só comi a quantidade que comia das outras vezes porque trinquei os dentes e segui os conselhos dos especialistas de que era preciso fortalecer o organismo, mesmo que o fastio imperasse. Após, os cuidados de sempre: lavagem dos pratos, talheres e copos com água sanitária, detergente e, depois de limpos, borrifadas de álcool para, em seguida, colocá-los do outro lado da porta.
Dei um tempo para consumar a digestão, peguei o celular e fui dar uma olhada nas redes sociais. Espantei-me com a quantidade de mensagens recebidas e, em muitas delas, as palavras eram idênticas: “Como amanheceu hoje?”, “Está sentindo alguma coisa?”, “Está se hidratando?", "Está com febre?”, “Está tomando remédios?" Sim e não foram as respostas, na maioria das vezes. Sinceramente, o meu estado me permitia não ser prolixo. Mais uma vez compreendi o quanto perdemos tempo com as nossas redes sociais. E o que me incomodava mais ainda era constatar que a não resposta totalmente adequada, explicadinha, fazia com que eu ficasse com remorso, acreditam? Por exemplo, responder apenas com um sim para o “está com febre?” não equivalia a uma resposta bem dada. As redes nos escravizam, ajuizei.
Para deixar o meu sábado mais animado, as marteladas voltaram com força total, agora com o apoio de uma outra turma que estava montando “o palco” dos artistas. Resolvi escrever um pouco. Pensei em começar com uma prosa poética. Gosto. A crônica, quando ela
Ilustrativa

vem recheada de lirismo, torna as frases mais melodiosas. Até que comecei bem, no entanto algo me impediu de dar seguimento. Um entrave, uma indisposição literária, uma pane no pensamento. Depois de avaliar que seria muito difícil dar continuidade diante do quadro em que me encontrava, resolvi que deixaria para depois o que havia iniciado, que era mais ou menos assim:
Belas são as tardes em que os voos se tornam parcerias. De todos os voos já empreendidos, o melhor deles foi quando estavas ao meu lado. Juntos, o horizonte era de brigadeiro, e o céu não tinha limites para nós…
De vez em quando o carro de som passava anunciando o evento do dia seguinte no bar em frente daqui de casa. Sinceramente? Sem querer ser pessimista (pois pessimismo era tudo de que eu não precisava) diante do quadro que se apresentava - com relação ao evento -, e fazendo uma projeção matemática entre espaço, ocupação, vendas (cartelas, açaí, churrasquinhos, refrigerantes e bebidas), o cenário final não era muito promissor. Era o tal negócio: no meu entender, a maioria dos frequentadores do ambiente era de trabalhadores de baixa renda. Talvez, e continuando fazendo uma projeção do quadro que eu mais ou menos conhecia - de pessoas que frequentam bares de periferias -, a média ficava em torno de R $30,00, por pessoa. Desses, vinte reais seriam retirados para a compra da cartela do bingo de três mil reais. Sim, a quantia anunciada - de cento e cinquenta vezes o valor do investimento - estimulava a compra e, consequentemente, o desejo de ser, para cada um que comprava, o ganhador daquela “fortuna”. Sobrava, portanto, dez reais. É claro e evidente que essa gama de frequentadores talvez desse em torno de 60 por cento do total. Os outros quarenta por cento seriam divididos em: vinte por cento deles até poderiam ter além dos trinta reais - e gastariam o que tivessem nos bolsos -, dez por cento não gastariam além da compra da cartela e os outros dez por cento restantes, digamos, os abastados, gastariam uma quantia considerável se, em primeiro lugar, houvesse um ambiente favorável para o “após” bingo e apresentação das atrações; segundo, se as companhias que arranjassem no local compensassem o dinheiro que estavam gastando. Vale salientar que os meus cálculos eram baseados em apenas homens que frequentavam bares e não nas moçoilas que normalmente aparecem, mas que só sentam em alguma mesa se convidadas, assim como só bebem e comem qualquer coisa se alguém da mesa (no caso, um homem) oferecer e, claro, pagar.
O ser humano é complexo mesmo - e esquisito. Às vezes ele deixa o conforto do seu lar, de poltronas macias, rede armada, comida variada em cima do fogão, cerveja gelada no congelador (ou cachaça de primeira qualidade - comprada na última viagem feita para o interior do estado), o cafuné da patroa e, simplesmente “se larga” para um bar, na maioria das vezes sujo, cheio de bêbados, música de péssimo gosto, tira-gosto duvidoso, cachaça mais duvidosa ainda, cerveja colocada para gelar mais de uma vez no freezer, o ambiente “pegando fogo”, as moscas fazendo a festa… E lá ele se sente à vontade, feliz da vida. E sentar na porta do bar, em um tamborete - de madeira ou de plástico - junto com três ou mais amigos, por várias horas seguidas (algumas vezes até se embriagar), jogar conversa fora e nem saber o que disse dois minutos atrás, e quando a medida do álcool está de meio para cima, começar a cantar ou se levantar e tentar dançar a música que está tocando, nunca foi ou será coisa do outro mundo. É, segundo os especialistas em bares, a magia do botequim. Isso me fez lembrar do tempo em que bebia. "Vou tomar só uma e volto logo” é uma das frases mais mentirosas já ditas por mim (e por todos que bebem). Normalmente “essa uma” só acabava quando o último copo das dezenas de cervejas consumidas já não queria mais descer goela abaixo. Perdi, com essa frase mentirosa, muitos almoços deliciosos e jantares também. Se me arrependo? De algumas vezes, sim; da maioria, não. Se hoje eu faria? Não, não faria, mas o engraçado é que sinto falta de sentar na mesa de um bar, pedir uma cerveja gelada, acender um cigarro e “viajar” ouvindo aquelas músicas de Raul Seixas, de Zé Ramalho, de Fagner e de Roberto Carlos. Acreditem: não tem Credicard que pague o preço. É sem explicação. Só quem bebeu (ou continua bebendo) é que sabe.
Continua...

DI reçÃO geral: César Santos DIretOr De reDaçÃO: César Santos gereN te aDMINIS tra tIVa: Ângela Karina DeP. De aSSINatUraS: Alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.
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