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OPINIÃO

eSPaÇo jornaLiSTa MarTinS de VaSConCeLoS

Organização: CLauder arCanjo

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Na BatIdadO BaIÃO

ManoeL onoFre jr.

Escritor, autor da obra Chão dos Simples, e membro da academia norte-rio-grandense de Letras (anRL)

“Quando toquei baião para o Humberto Teixeira, surgiu a ideia de fazer um gênero novo. O baião já existia como coisa do folclore. Tirei o baião baseado no bojo da viola do cantador; quando ele faz o tempero para entrar na cantoria. Dá aquela cadência e aquela batida no bojo da viola”. A afirmação é de Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, e consta do livro Rostos e Gostos da Música Popular Brasileira, de Tarik de Souza e Elifas Andreato (ed. 1979, pág. 25). Ela está em sintonia com o que dizem, a respeito do gênero, Câmara Cascudo (Dicionário do Folclore Brasileiro - 1984, pág. 96), Oneyda Alvarenga (Música Popular Brasileira - 1982, pág. 180), José Ramos Tinhorão (Pequena História da Música Popular - 1974, pág. 209) e Vasco Mariz (A Canção Brasileira - 1977, pág. 152), este último, aliás, quase que se limitando a reproduzir o verbete do “Dicionário”.

Cascudo acrescenta: “A partir de 1946, o grande sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga divulgou pelas estações de rádio do Rio de Janeiro o baião, modificando-o com a inconsciente influência local dos sambas e congas cubanas.”

Gonzaga, não apenas músico, mas também compositor, e da maior importância, lançou e divulgou a partir do baião, gêneros correlatos como o xaxado, o xote (de schottisch), a toada. Sozinho ou em parceria com Humberto Teixeira e depois com Zé Dantas, além de outros, criou pequenas obras-primas, inspiradas no sertão do Nordeste. Essa música, eminentemente rurbana, esteve em evidência nas décadas de 40 e 50, chegando a alcançar ressonância internacional. “Delicado” de Valdir Azevedo, por exemplo, foi sucesso em vários países da Europa e América. Mas, sobreveio um período de decadência. Gonzaga, o rei, eclipsado, passou a dedicar-se quase sempre a apresentações no interior do país. Isto durou até 1968, quando rebenta o Movimento Tropicalista, integrado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rogério Duprat e outros. Caetano regravou Asa Branca. Gil, que desde criança amava o baião, também deixou patente a influência gonzagueana em várias de suas composições. E o ritmo sertanejo e nordestino, antes esnobado, ganhou prestígio até mesmo nos círculos intelectualizados e sofisticados.

Depois, outros músicos e compositores, como os integrantes do Quinteto Violado, vieram engrossar a corrente do baião, embora sem a enorme criatividade dos dois baianos.

Letras antológicas

Luiz Gonzaga, essencialmente, é compositor, ou seja, criador de música, e intérprete, como foi dito. As letras mais expressivas, em seu repertório, pertencem aos parceiros já referidos.

De Humberto Teixeira, alguns versos ficaram célebres. Estes de Asa Branca, por exemplo, muitos líricos:

“Quando o verde dos teus óio

Se espaiá na prantação

Eu te asseguro, num chore não, viu?

Que eu vortarei, viu, meu coração!” (*)

E estes, plenos de humor:

“Paraíba masculina Muié macho, sim senhor.”

Mas Humberto Teixeira não é apenas letrista; também compõe, e muito bem, como comprova o baião Kalu, um dos grandes êxitos da cantora Dalva de Oliveira.

“Kalu, Kalu

Tira o verde desses óio di riba d’eu.”

Em parceria com Carlos Barroso, ele criou Dezessete Légua e Meia, cuja letra é das mais interessantes: “Eu já andei sem pará Dezessete légua e meia Pra ir no forró dançá Ai, ai, ai, ai, ai, ai Eu fui no forró dançá Valeu a pena eu andá Dezessete légua e meia Pois Rosinha tava lá Ai, ai, ai, ai A Rosinha tava lá. Cheguei no forró moído Em carne viva…sarada Mas logo fui socorrido Tomando três talagada E quando Zé Sanfoneiro Gemeu no fole o baião Rodei com Rosa o terreiro Roçando em meu coração Rodei com Rosa o terreiro Roçando em meu coração Ai que tentação!”

Gilberto Gil deu nova e moderna interpretação a esta música, com arranjo do maestro Rogério Duprat.

Outro parceiro famoso de Gonzagão, o médico pernambucano Zé Dantas. Autor de Vem Morena, Riacho do Navio, Imbalança, Cintura Fina, Algodão, A Dança da Moda, A Volta da Asa Branca, etc., salientando-se Vozes da Seca, toada-baião, tida e havida como a primeira canção de protesto na História da Música Popular Brasileira. Vejam estes versos, verdadeiramente antológicos em sua simpleza e dramaticidade:

“Seu doutô, os nordestinos Têm muita gratidão Pelo auxílio dos sulistas Nessa seca do sertão Mas doutô uma esmola A um home qui é são Ou lhe mata de vergonha Ou vicia o cidadão.”

Hoje em dia, fora de moda, o baião sobrevive no repertório de cantores e compositores de primeira linha, como Fagner e Alceu Valença.

*Num excelente trabalho de pesquisa, publicado em livro sob o título Baião dos Dois: Zédantas e Luiz Gonzaga (1988), a Profa. Mundicarmo Maria R. Ferretti refere-se a depoimento que atribui a autoria de “Asa Branca” a Zé Dantas.

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