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OPINIÃO
from Jornal De Fato
esPaÇo JoRNaLIsta MaRtINs de VasCoNCeLos
organização: CLaudeR aRCaNJo
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ONde eStÃOOSMOderadOS?
aéCIo CâNdIdo
professor da UERN, aposentado. autor da obra Tempos do verbo aeciocandidocuite@gmail.com
Todo muçulmano é terrorista? Claro que não. Todo evangélico é fanático? De jeito nenhum. Todo fanático é terrorista? Não, mas, se bem estimulado, pode vir a ser.
Dona Michele é fanática. Esperamos que nunca venha a ser terrorista, como seu marido já o foi (o episódio no Exército: a organização de um atentado a bomba, etc.). Uma prova de fanatismo: ela acredita que o Demônio estava instalado nas dependências do Palácio da Alvorada – na cozinha, no quarto do casal, nos corredores, na sala. Usando a Bíblia como uma vareta mágica, ela botou o Demônio pra correr.
Dona Michele acredita na presença do Demônio e na sua força, dela, contra ele, mas não quer que acreditemos que Queiroz depositou vários cheques na sua conta. O Demônio, se esteve no Palácio, não deixou nenhuma prova concreta, mas ela não precisa de provas para acreditar; já dos cheques, o Coaf levantou provas aos montes, mas ela não acredita em provas. Como seu marido, ela não acredita nas provas da eficácia das vacinas nem nas da eficiência das urnas eletrônicas.
O fanático precisa de inimigos. Para criar a identidade de pessoa boa, de gente do bem, ele precisa criar a identidade contrária: a de pessoa má, que é o outro. Na mentalidade evangélica fanatizada, quem é do bem está salvo, quem é do mal está condenado ao fogo do inferno. O mundo é bem simples, está dividido em dois lados: o do bem e o do mal. Isso se chama maniqueísmo. O lado do mal é o lado do comunismo, já instalado no país, via PT. Gente livre do fanatismo religioso e laico sabe que esse comunismo propalado não existe. Mas o fanático acredita no que não existe: ele acredita nos fantasmas que cria. Esses fantasmas têm um nome técnico: chamam-se teorias da conspiração.
O fanático representa você com a imagem que ele construiu. Você é um comunista, acusa ele. Você, que se conhece bem, sabe que não é comunista, mas não adianta explicar. O fanático não quer explicações. Ele prossegue nas acusações: você é contra a família. Você tem mãe, pai, irmãos, tios e primos. Você os visita frequentemente, reúne-se com eles, acode-os nas necessidades, paga o plano de saúde de seus pais, é arrimo de família e, de certo modo, é o assistente espiritual de todos eles, porque sempre é chamado a ajudar a resolver pequenas desavenças e ressentimentos familiares. Mas, como você não vive em cultos louvando a Deus de modo espalhafatoso, você é contra a família.
Idem para o patriotismo. Você é professor, esforça-se por preparar bem suas aulas, estuda, para não fazer feio diante dos alunos, cruza a cidade para chegar à escola onde trabalha, tira dinheiro do próprio bolso para organizar comemorações cívicas e festivas na escola, dispõe-se a ouvir todos os problemas dos alunos, estimula-os em competições científicas e esportivas, enfim, decisivamente, você contribui para o desenvolvimento social e econômico do país, muitas vezes com grande quota de sacrifício pessoal. Mas como você não anda com a bandeira do Brasil enrolada no corpo, não frequentas manifestações convocadas por Jair Bolsonaro, acha que os militares têm um papel a cumprir na sociedade, mas não o de dirigentes políticos, por tudo isso, você não é patriota. E não adianta você mostrar o que concretamente faz pelo Brasil, o modelo de patriota do bolsonarismo é outro e você, muito felizmente, não se enquadra nele.
O estranho é que muitas vertentes evangélicas criticam em outras religiões aquilo que elas próprias praticam. A Igreja Universal dissemina ódio contra as religiões de matriz africana, quando seus próprios cultos têm rituais de cura e buscam a intervenção dos espíritos nos negócios deste mundo. Nos cultos da Universal chega gente em pencas endemoniada, prejudicada no emprego, no casamento e na vida pessoal como um todo por causa de algum encosto maligno. O que faz o pastor na frente do altar e sob a aclamação dos fiéis? Exorciza o encosto. Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, vende toda espécie de cura, através de rituais ou de objetos milagrosos, como o feijão de um mil reais capaz de curar COVID.
Dona Michele, nos cultos da Batista de Alagoinha, sua igreja, e também fora deles, fala línguas, embora não se saiba quais línguas, se o aramaico, o hebraico, o grego ou o sânscrito, pra manter a coerência com as divindades que ela cultua. Para falar línguas estranhas e desconhecidas, o que é preciso? Uma possessão. Dona Michele fala possuída pelo Espírito Santo. Aqui há um preconceito hierárquico: ser possuída pelo Espírito Santo pode; por Zé Pelintra, Maria Padilha ou por algum caboclo anônimo, não pode. Dona Michele é seletiva nas possessões.
Dar gritinhos e pulinhos e rodar alegremente, como fez Dona Michele depois do anúncio da escolha de um ministro terrivelmente evangélico para ocupar o honroso posto de ministro do Supremo Tribunal Federal, pode; rodar e rodar em dança ritual e ir ao chão sob efeito da possessão, as filhas de santo do candomblé não podem. A possessão de Dona Michele é santa, a das filhas de santo é demoníaca.
Para Dona Michele, sacerdote de religião africana não é sacerdote, é feiticeiro, macumbeiro. Os transes do candomblé não são comunicação religiosa; já seus gritos de aleluia, suas mãos levantadas e seus pulinhos miúdos são efeitos diretos de sua ligação com Deus.
Dona Michele não sabe o que é tolerância religiosa. Elite política intolerante é um perigo. Como sabemos? Ora, a História guarda o registro de governos aberrantes. Catarina de Médicis e seu filho Carlos IX, rei da França, foram os responsáveis diretos pela Noite de São Bartolomeu, uma noite de agosto de 1572, quando mais de 4 mil protestantes foram mortos em Paris por católicos fanáticos. A equação é de uma clareza estonteante: fanatismo religioso + política = mortes.
O mundo ocidental, com seus valores liberais e democráticos, se surpreende por que os moderados islâmicos não protestam com veemência contra o terrorismo dos extremistas. O mesmo se pode cobrar, no Brasil, dos evangélicos moderados: por que eles não protestam veementemente contra as sandices e a intolerância religiosa de dona Michele e de outros pastores obscurantistas? Estão também devendo os protestos contra a pseudociência, a anticiência e a caricatura das mentiras políticas do chefe da Nação, marido de Dona Michele.


dI reçÃO geral: César santos dIretOr de redaçÃO: César santos gereN te ad MINIS tra tIVa: Ângela Karina deP. de aSSINatUraS: alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.
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