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OPINIÃO
from Jornal De Fato
ESPAÇO JORNALISTA MARTINS DE VASCONCELOS
Organização: CLAUDER ARCANJO
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O PROBLEMA NUNCA FOI A DISTÂNCIA
ÂNGELA RODRIGUES GURGEL
Escritora e Vice-presidente do ICOP angelargurgel@gmail.com
Com o crescente número de casos de covid-19 e suas variantes, parece que precisaremos “esticar” o isolamento, ou, pelo menos, evitar aglomerações. Os encontros continuarão sendo “virtuais”. Isso me fez pensar que, guardadas algumas exceções, o isolamento já existia antes da pandemia. Há muito tempo temos “inventado” meios para nos conectarmos aos fatos e às pessoas, em tempo real, e nos distanciarmos do outro e de nós mesmos. Isolados em nossas “redomas virtuais” vínhamos criando mundos e realidades paralelas. A tecnologia, criada para diminuir distâncias, acabou sendo motivo para não fazermos uma caminhada de 100 metros e ir à casa de um amigo ou parente: resolvemos tudo com uma mensagem via WhatsApp que nos conecta com pessoas do outro lado do mundo ou com o vizinho.
O homem já estava eclipsado por sua criação, perdido num emaranhado de coisas que ele próprio criou e, delas, se tornou refém antes dessa pandemia; esta apenas evidenciou e ampliou tal isolamento. Pais e filhos já se comunicavam por mensagens, não tinham tempo para um bom papo, para o joguinho de cartas ou de bolas. Já fazia algum tempo que as famílias não se reuniam para as refeições. Cada um tinha seu próprio horário, sendo impossível reunir todos em volta da mesa. Há muito nos perdemos nos labirintos construídos pela contemporaneidade. Somos resultado de uma geração que lutou pela liberdade e, hoje, é escrava dessa liberdade. Brigamos por autonomia e perdemos nossa autoridade diante dos valores que foram tão importantes para essas conquistas.
Podemos usar a tecnologia para fazer quase tudo: conhecer pessoas, namorar, ter filhos (in vitro), pagar contas, fazer compras, viajar etc., mas não conseguimos apagar a solidão que nos assola, nem nos relacionarmos com o outro através do olhar, do contato físico, tão necessários a uma convivência verdadeira e profunda. A tecnologia nos ajudou a resolver sérios problemas, criou pontes, transformou e melhorou a vida de países e pessoas, avançou na área da ciência e trouxe inúmeros benefícios à nossa saúde, porém também criou muralhas, celas, derrubou pontes e deixou inúmeras sequelas em nossas relações.
Precisamos voltar a conversar com o outro, a falar “pessoalmente” com os nossos amigos, parentes, vizinhos e conhecidos, esquecer um pouco o mundo virtual e voltar a usar a palavra viva, o contato direto. “Perder” um pouco de tempo, para ganharmos qualidade de vida e mais calor humano. Precisamos reencontrar o outro para nos reencontrarmos.
Estamos enclausurados em nossos muros, perdidos em um sem-fim de informações que nos chega on-line e não sabemos quase nada acerca de nós mesmos e das pessoas que nos cercam. Criamos mecanismos que nos permitem voar e nos esquecemos de caminhar na nossa rua. Aprendemos vários idiomas, mas não falamos a linguagem que nos aproxima do outro. Precisamos derrubar essas barreiras invisíveis que criamos ao nosso redor, sair dessa redoma virtual que nos isola do mundo real. Podemos continuar usufruindo de tudo que criamos, mas não podemos perder o contato com a realidade. Não podemos renunciar ao abraço, à conversa, ao contato pessoal. Somos homens e mulheres construídos à imagem e semelhança de Deus, não podemos nos tornar reféns de nossas criações e nos esquecermos de que viver é mais que estar vivo. Que comunicar-se está além da troca de mensagens. Que a verdadeira comunicação – aquela que aproxima, cria laços – precisa da presença, do afeto, do carinho, do segurar a mão, do toque. Isso a tecnologia não substitui, por mais benefício que traga para nossas vidas e alargue os nossos horizontes.
Foi preciso viver um “isolamento forçado” para descobrirmos que já vivíamos ilhados e essa lonjura não guardava nenhuma relação com a distância, mas com a nossa incapacidade de caminhar em direção ao outro. A falta de comunicação nunca foi provocada pela distância! O problema sempre esteve muito próximo. Quem sabe um dia, não muito distante, não descobriremos que o futuro inteiro cabe nas sementes do presente e paramos de buscar desculpas para nossos adiamentos?!.... Quem sabe nessas buscas e procuras não seremos encontrados e resgatados?!...



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