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OPINIÃO
from Jornal De Fato
eSPaÇo JoRNaLiSTa maRTiNS de VaSCoNCeLoS
organização: CLaudeR aRCaNJo
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reSPeIteM CÂMara CaSCUdO
Thiago goNzaga
Escritor e pesquisador da Literatura Potiguar thiagokats@hotmail.com
Recentemente, tivemos conhecimento, perplexos, que a estátua de Câmara Cascudo, em frente ao Memorial do mesmo nome, foi pichada, com a frase: “Fascistas não passarão”. Os fanáticos que cometeram esse terrível ato de vandalismo com certeza não sabem quem foi Câmara Cascudo. Arriscamos dizer que uma pessoa que comete esse tipo de ato nunca leu nenhum livro dele, e o que sabe sobre Cascudo, talvez tenha lido em alguma nota de rede social, sendo influenciada facilmente por textos sem conteúdo, opiniões vazias, o que nos faz lembrar outro mestre, Umberto Eco, quando disse que as redes sociais deram voz a um monte de imbecis que antes só opinavam em conversa de mesa de bar, sem prejudicar a coletividade.
Cascudo nunca foi fascista. Nos solidarizamos com a memória do mestre, exemplo de homem culto e simples, acessível a todos e admirado por muitos, desde as pessoas mais humildes, até chefes de Estado e grandes homens do seu tempo. Além dos netos e netas, que estão aí para provar, deixou ainda muitos ex-alunos, intelectuais que preservam a memória dele, sempre com muitos louvores.
Os que cometeram essa infeliz pichação esquecem que Cascudo, embora fosse uma pessoa genial em tudo que propôs fazer, foi um homem do tempo dele. Quando surgiu, o integralismo era uma moda, uma novidade, naquela época, tendo tido a adesão de vários intelectuais natalenses, como Otto Guerra, Seabra Fagundes, Manoel Rodrigues de Melo, dentre outros nomes. Natural e perfeitamente compreensível que o jovem Cascudo aderisse às ideias novas. Ficou evidente ao longo do tempo que Cascudo se arrependera de algumas de suas escolhas, até mesmo em sua literatura, quando escreveu alguns contos e poemas e depois deixou-os de lado. Contudo, nós acreditamos que é melhor alguém ter uma posição, mesmo que errônea, e venha a se arrepender depois, do que ser omisso, como muitos fizeram e fazem atualmente.
É preciso dizer também que, naquela época ainda não havia acontecido a segunda guerra mundial, que escancarou os horrores do fascismo. Cascudo não apoiava e nada tinha a ver com essa ideologia, tanto é verdade que os americanos o convidaram para ser Coordenador da Defesa Civil, em Natal, durante a guerra. Cascudo ofereceu abrigo, através de cartas, ao filósofo espanhol Miguel de Unamuno, justamente quando este foi vítima do fascismo.
Historiador, antropólogo, folclorista, biógrafo, cronista, jornalista... Luís da Câmara Cascudo passou toda a sua vida em Natal e dedicou-se ao estudo da cultura popular brasileira. Foi professor de Direito Internacional Público na Faculdade de Direito de Natal, hoje Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Co-fundador e membro da Academia Norte-riograndense de Letras.
Começou a trabalhar como jornalista aos 19 anos em “A Imprensa”, de propriedade do seu pai, e depois passou para “A República” e o “Diário de Natal” – nos anos 1960 já havia publicado quase 2.000 textos.
Pesquisador das manifestações culturais brasileiras, especialmente de suas raízes populares, deixou uma extensa obra, inclusive o Dicionário do Folclore Brasileiro (1952), que Américo de Oliveira Costa considerou a sua suma, etnográfica. Entre os seus muitos títulos destacam-se: Alma Patrícia (1921), crítica literária, obra de estreia; Literatura Oral, História da Alimentação no Brasil e Civilização e Cultura. Estudioso do período das invasões holandesas, publicou Geografia do Brasil Holandês. Em suas memórias constam: Ontem e Na Ronda do Tempo.
Dentre tantos atributos que o destacaram, Cascudo foi quem trouxe para o Rio Grande do Norte os primeiros sinais do movimento modernista, fez importantes ligações dos nossos autores com o Sudeste do país, apoiou e escreveu sobre mulheres como Palmyra Wanderley e Auta de Souza, afrodescendentes como Fabião das Queimadas, produziu mais de cem prefácios de livros, incentivando autores experientes e mais jovens, manteve correspondência com grandes nomes do seu tempo, como Monteiro Lobato e Mário de Andrade, redigiu para dezenas de jornais e revistas e já foi estudado por outras dezenas de pesquisadores que continuam descobrindo coisas novas sobre o mestre.
Abstraindo um tanto da área etnográfica e folclórica, por ser hors concours, selecionamos cinco livros da vasta obra de Luís da Câmara Cascudo, composta por mais de 150 livros, para sugerir aos desinformados críticos do mestre que, ao invés de perderem tempo com discussões banais, desfrutem da leitura do nosso maior escritor: 1: Canto de Muro. (Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1977); 2: História da Cidade do Natal. (Natal: Edição da Prefeitura Municipal, 1947); 3: Nosso Amigo Castriciano, 1874-1947. Reminiscências e Notas. (Recife: Imprensa Universitária, 1965); 4: O Tempo e Eu: confidências e proposições. (Natal: Imprensa Universitária, 1968); 5: Prelúdio e Fuga do Real. (Natal: Fundação José Augusto, 1974).
Todos estes livros foram reeditados e são referências básicas para se conhecer um pouco da obra do mestre, além da etnografia e do folclore. Como bônus ainda indicamos outro livro – póstumo – No Caminho do Avião, notas de reportagem aérea (1922-1933), (Natal/RN: EDUFRN – Editora da UFRN, 2007). Como o próprio título já sugere, a obra é uma série de reportagens feitas por Cascudo, que relatam a passagem de aviadores por Natal, na fase heroica da aviação civil. Dentre os assuntos abordados, o primeiro avião que pousou em Natal, a presença de aviadores italianos, e os voos memoráveis dos franceses, entre eles, o famoso Jean Mermoz.
Fica a sugestão de leitura para os que apenas ouviram falar de Cascudo.
Por fim, ainda dá tempo de dizer: independente da posição política, religiosa, independente do time para o qual torcia, pessoas com quem conversou, lugares que frequentava – respeitem Luís da Câmara Cascudo, nosso maior monumento.


dI reçÃO geral: César santos dIretOr de redaçÃO: César santos gereN te ad MINIS tra tIVa: Ângela Karina deP. de aSSINatUraS: alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.
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