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OPINIÃO

eSPaÇO JOrNaliSTa MarTiNS de VaSCONCelOS

organização: Clauder arCaNJO

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O qUe é eScreVer beM?

aéCiO CâNdidO

professor da UERN, aposentado. autor da obra Tempos do verbo aeciocandidocuite@gmail.com

O poeta Crispiniano Neto conheceu um rapaz que tem da escrita uma visão muito particular. Eu o conheci também: era simpático, efusivo no cumprimento, sempre disposto a falar de seus planos literários. Perdi-o de vista por um tempo, depois o reencontrei, mais taludo, encaminhandose para uma profissão da palavra. São muitas as profissões da palavra: professor, advogado, comentarista esportivo, padre e pastor são algumas delas.

Crispiniano, também por algum tempo, perdeu de vista esse rapaz. Quando o reencontrou, reencontrou-o eufórico.

– Crispiniano, faz tempo que você não me vê, não é?

Crispiniano não tinha dado tanto pela ausência, mas a confirmou. – De fato, por onde você andava? – Rapaz, eu tive aí umas férias e fiquei o tempo todo em casa, trancado, escrevendo. Rapaz, eu escrevi um livro que você precisa ver. Não é por ser meu não, mas tá muito bom. Agora, tem uma coisa: NEGUINHO RODA PRA ENTENDER!

Eu comecei dizendo que ele tinha da escrita “uma visão particular”. Não é verdade. Além dele, tem muita gente que pensa que texto bom é aquele que o leitor não entende.

Herdamos dos portugueses o gosto pelo beletrismo, pela escrita intrincada, empolada. O jovem advogado sabe que para ter sucesso no Tribunal do Júri precisa mesclar a linguagem impenetrável do juridiquês com o sentimentalismo rasteiro e apelativo do espírito nacional. Aliás, o Direito no Brasil é o campo onde o beletrismo não perde espaço.

O austríaco Karl Popper foi talvez o maior filósofo da ciência que o mundo já conheceu. E escrevia com uma simplicidade de doer. Há riscos grandes na leitura de Popper. O primeiro deles é que o texto é tão atraente e de escalada tão fácil que no primeiro contato fica-se com a impressão de que se entendeu tudo. Impressão falsa, claro. É preciso voltar a ele outras vezes mais, para se perceber ideias que estavam ali e que não foram vistas na primeira leitura.

Bertrand Russel, um filósofo inglês do século passado, infelizmente muito pouco lido hoje em dia, é outro exemplo de grande texto: inteligente, profundo e claro. Leitura de grandes lições. Russel recebeu um Nobel de Literatura, em 1958, sem nunca ter escrito nenhum texto de ficção. Todos os seus escritos eram filosóficos: de história da filosofia, de moral e de lógica matemática. Salvo os de lógica matemática, que são, por compulsão do seu próprio DNA, áridos e intrincados, destinados a iniciados com longo tempo de prática, os textos de Bertrand Russel são de uma clareza que encandeia. Simples, diretos, elegantes, despidos de qualquer tipo de empulhação.

Juliana de Albuquerque escreveu na edição de 7 de setembro de 2021 da Folha de São Paulo um artigo intitulado O que torna um livro difícil? “Alguns livros são difíceis”, diz ela, “porque não estamos acostumados com a linguagem empregada por seu autor. Outros porque ainda carecemos do conhecimento necessário para compreender algumas das suas reflexões”.

Sem dúvida. Mas escrever não é um ato unilateral. Como o texto só se realiza diante do leitor, os dois envolvidos na relação, escritor e leitor, são responsáveis por ela. Se o leitor precisa se preparar para ler, o escritor também precisa se preparar para escrever. A primeira regra é escrever para ser entendido, o que não implica em renunciar à beleza do estilo nem à profundidade do seu pensamento. O leitor, por sua vez, deve se esforçar para estar à altura do autor. É uma relação de cumplicidade. Arrogância de um lado e preguiça mental de outro abortam o encontro.

Mas o texto pouco compreensível depõe muito mais contra o autor do que contra o leitor. A ideia bem compreendida pode ser passada à frente de modo simples e claro. Atribui-se a Einstein esta frase inclemente: “Quem não é capaz de explicar uma teoria difícil a uma criança é porque não entendeu a teoria”. No outro polo dessa visão está Arthur Giannotti, paulista, filósofo de grande coragem intelectual, autor de obras originais sobre o pensamento de Marx, falecido no ano passado e que esteve em Mossoró em inícios dos anos 1990. Diz-se que, perguntado por que sua escrita era tão difícil, ele deu uma resposta abusada: “Escrevo difícil porque penso difícil”. Giannotti tinha inteligência e sensibilidade de sobra para saber que sua resposta era apenas uma piada.

Escrever é um trabalho difícil, massacrante. Ele se dá como uma luta contínua com as palavras, em nome da clareza do pensamento e da beleza do estilo. Mas por mais que queira, nem sempre o escritor ganha essa luta. Aliás, para sua autocrítica, quase sempre perde. “Lutar com palavras / é a luta mais vã. / Entanto lutamos / mal rompe a manhã”, diz Drummond.

O peso desse trabalho fez o americano Frank Norris, escritor do final do século XIX, confessar: “Não gosto de escrever, gosto de ter escrito”. A fórmula é conhecida: escrever bem é escrever de modo claro e com graça. Mas como tantas outras coisas, é mais fácil dizer do que fazer.

dI reçÃO geral: César santos dIretOr de redaçÃO: César santos gereN te ad MINIS tra tIVa: Ângela Karina deP. de aSSINatUraS: alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

FILIADO À

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