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Potiguar faz jogo decisivo contra time baiano no Frasqueirão

Angélica volta com ar doutoral

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Liderança feminina

domingo

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Mossoró em destaque nacional

ESPECIAL MISS TEEN RN 2020

MOSSORÓ (RN), DOMINGO, 8 DE NOVEMBRO DE 2020 | EDIÇÃO 5.911 – ANO XXI | R$ 2,50

André Júnior lidera pesquisa no município de Itaú

PRINCIPAL 8

O QUE ELES O QUE ELES PROPÔEM PARA PROPÔEM PARA

SEGURANÇA SEGURANÇA PÚBLICA PÚBLICA

Última reportagem da série sobre as propostas dos seis candidatos e candidatas à Prefeitura de Mossoró traz os planos para a segurança pública

PRINCIPAL 3 E 4

Potiguar faz jogo decisivo contra time baiano no Frasqueirão

MOSSORÓ 1

Chuvarada de pesquisa marca última semana de campanha em Mossoró

CÉSAR SANTOS 5

COVID-19

BOLETIM DA COVID-19 NO RIO GRANDE DO NORTE - Nº 211

Última atualização: 6 de novembro de 2020 - às 18h20 82.208 CONFIRMADOS 2.598 ÓBITOS 35.703 SUSPEITOS 197.001 DESCARTADOS

CASO MARIANA FERRER COLOCA EM DEBATE ABUSO CONTRA MULHER

O caso "estupro culposo" de Mariana Ferrer ganhou bastante repercussão em todo o país e reascendeu debate sobre o abuso sexual contra a mulher. O repórter Fábio Vale levanta o tema em reportagem especial. SEGURANÇA 5 E 6

Abolições e Santo Antônio lideram casos de dengue e chikungunya

MOSSORÓ 3

NESTA EDIÇÃO [40 PÁGINAS]

OPINIÃO...............................................P2 POLÍTICA............................................P3 CÉSAR SANTOS...............................P5 GERAIS/OPINIÃO.............................P6 BRASIL/MUNDO...............................P8

CADERNOS

MOSSORÓ..............................P1 A 8 MULHER ........................................ P1 A 4 DOMINGO........................P1 A 16 TELEVISÃO.................................P1 A 12

ESPAÇO JORNALISTA MARTINS DE VASCONCELOS

Organização: CLAUDER ARCANJO

ANCHIETA, LUIZ, ARIMATEIA E O ANJO DO SALIPI

EDMÍLSON CAMINHA

Escritor, membro da Academia de Letras do Brasil edmilson.caminha@gmail.com

Quando vejo na televisão entrevistas em ambientes com livros, às vezes nem presto atenção a perguntas e respostas, ocupado que estou com o título das obras e o nome dos autores impressos nas lombadas. Entre os “campeões de audiência”, o livro Lava Jato, de Vladimir Netto, os cinco volumes de Elio Gaspari sobre a ditadura de 1964 e os três tomos da biografia de Getúlio Vargas, por Lira Neto. Meu amigo José Anchieta de Oliveira, que lê tudo, é também praticante do esporte, mas sem que nos aproximemos de Aldir Blanc, autor da letra de “O bêbado e a equilibrista”: fotos de revistas ou de jornais em que aparecessem livros eram minuciosamente esquadrinhadas com uma lupa, à caça não dos que já existissem em sua biblioteca, mas de edições que lhe faltassem, doravante perseguidas com o faro do leitor que o leva ao sebo onde resta o último exemplar...

Observe-se que me refiro a “leitor” e não a “bibliófilo”, pois o honroso título subentende recursos financeiros para a compra de obras raras, primeiras edições e outras joias literárias que chegam a custar fortunas. Além do que nem todo pretenso bibliófilo é, por definição, bom leitor: há os que compram livros com a ganância de investidores, interessados no lucro da revenda; ou com o ciúme dos egoístas, para tê-los como tesouros guardados no cofre. Verdadeiros praticantes da nobre arte da bibliofilia são José Mário Pereira, Antonio Carlos Secchin, Pedro Corrêa do Lago, José Augusto Bezerra, Lúcio Alcântara, que, a exemplo de Rubens Borba de Moraes, José Mindlin, Waldemar Torres, não se consideram donos das maravilhosas bibliotecas que formaram no decorrer de toda a vida. Grandes leitores, sabem mais do que ninguém quanta cultura nelas se encontra, riqueza da qual modestamente se julgam fiéis depositários, guardiães, zeladores, para que passe de geração a geração, incólume, como fortuna de um povo, patrimônio maior de um país.

Mais do que uns e outros – os que têm preciosos acervos ou poucas dezenas de exemplares nas estantes –, comove-me quem sequer pode comprá-los, além das contas a pagar no fim do mês, e contudo não renunciam ao sonho: leem avidamente, insaciavelmente, apaixonadamente, sabedores de que não conseguiriam viver em um mundo sem livros. Personagens de histórias que nos emocionam pela grandeza humana e pela doçura espiritual de que se revestem.

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Com o meio salário mínimo que ganhava como faz-tudo no escritório de uma empresa, Anchieta lê no jornal O Povo a notícia do lançamento, em Fortaleza, de Tieta do Agreste, o novo romance de Jorge Amado. Às cinco da tarde, chega à Livraria Ciência e Cultura, a pasta cheia de papéis, modestamente trajado, a querer passar despercebido entre homens de paletó e gravata e mulheres a perfumar de francês o ambiente, “cuidado aí...”, chega a ouvir de alguém. Volumoso, Tieta é caro; compra, então, A morte e a morte de Quincas Berro d’Água, fininho, que não lhe esvaziará o bolso. Começa a sessão de autógrafos, “e eu ainda vou ter de subir aqueles degraus...”, pensa com vontade de ir embora, ao ver o escritor sentado à mesa em um pequeno palco. Quando chega a vez daquele cearense humilde, quase a pedir desculpa por estar ali, Jorge Amado levanta-se, desce do praticável, leva-o até a mesa, autografa-lhe o exemplar e o acompanha de volta, para espanto dos endinheirados que não lhe mereceriam o gesto. Tinha o autor a certeza de que seria lido pelo moço pobre, diferentemente dos grã-finos que não passariam da capa, e jamais se perderiam com a fogosa baiana pelas dunas de Mangue Seco... Dois homens dignos: Anchieta e Jorge Amado, exemplos luminosos da sensibilidade e da nobreza de espírito que só se acham nas criaturas verdadeiramente grandes.

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Baiano, Luiz Amorim chega adolescente a Brasília, com irmãos e a mãe que tirará o sustento de um emprego doméstico. O quase menino torna-se engraxate, pedreiro... e estuda, tão penosamente que só lerá o primeiro livro aos 18 anos, alfabetizado que fora aos 16. O açougue em que trabalha lhe serve também de casa, com o que poupa o dinheiro que investe na leitura, de clássicos da filosofia, da antropologia, da sociologia, ciências pelas quais se apaixona. Em 1994, vira dono do negócio, que passa a chamar-se T-Bone, certamente o primeiro “açougue cultural” do Brasil, talvez do mundo.

A ideia repercutiu pela originalidade: a poucos passos dos balcões frigoríficos cheios de picanha, filé e alcatra, uma estante com livros à disposição dos fregueses – e dos empregados também, que recebiam um bônus salarial por obra lida, desde que apresentassem ao chefe relatório sobre o tema e os personagens da história... Impossibilitado pela saúde pública de promover aquela estranha convivência – da carne que sacia o corpo com o pão que alimenta o espírito –, o jeito foi alojar o acervo, já com tamanho de biblioteca, em um centro cultural mantido pela empresa na vizinhança, com auditório e dependências para atividades artísticas.

Luiz Amorim sonhou mais: por que não prateleiras com livros nos pontos de ônibus de Brasília? Plantava-se, assim, a semente da “Parada Cultural”, que logo se multiplicou no percurso da avenida W-3 Norte, com cartaz em que se leem os poucos itens do regulamento: “Leve um livro por vez; devolva-o em bom estado; mantenha a prateleira organizada; enquanto o ônibus não vem, ajude a organizá-la; doe livros que estão parados em sua casa: livros são para ser lidos.” O êxito foi grande, apesar de apostas pessimistas na perda dos exemplares, nos vândalos que ateariam fogo à noite, no “pode até dar certo com os brasilienses, mas não em outras cidades...”, ao que respondeu o idealizador do projeto:

Não acredito nisso. O ser humano é igual em qualquer lugar do mundo, a essência é a mesma. A natureza não fez ninguém especial, diferente. Somos todos iguais, nascemos, crescemos, adoecemos, morremos. Seja no Tibete, em Brasília, no norte da Europa, na África, o homem entende um sorriso, um abraço, as pessoas se comunicam mesmo sem falar a mesma língua. O sol queima da mesma maneira o Bill Gates e um mendigo, não há distinção entre eles na essência. É um projeto simples, pode ser feito em qualquer lugar, por qualquer pessoa. A Secretaria da Cultura do Governo do Distrito Federal pediu autorização para implantá-lo nas estações do metrô. Já é conhecido até no exterior. Uma consultora da Espanha vem a Brasília para ver como funciona e propor a experiência a países da União Europeia.

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Ex-aluno que me engrandece, Pedro Salgueiro é o talentoso contista de O espantalho, O peso do morto e Brincar com armas. Sua crônica sobre os leitores, sobretudo o pai Arimateia, que lhe marcaram a infância no sertão cearense de Tamboril é dos mais belos textos que li nos últimos tempos:

Sempre me chamava a atenção quando, no meio dos afazeres na sua pequena ofici-

na de sapateiro, entre consertos e cheiros de solas e colas, meu pai desamassava um velho jornal que viera embrulhando materiais de encomendas da capital, com paciência botava as folhas, muitas delas rasgadas, em cima de uma mesa ampla e riscada de ponta de faca no fabrico de sapatos, sandálias, cartucheiras... Com uma paciência tocante, deixava quase novinhas as páginas, que depois eram lidas com esmero por vários dias; não raro chamava um amigo para comentar uma notícia antiga que para ele tinha sabor de novidade, naqueles tempos em que as informações demoravam a chegar ao sertão. (...)

Alguns amigos que viajavam traziam também surrados revistas e almanaques, recordo de algumas Seleções amarrotadas, Almanaque Fontoura carcomido nos cantos, meio ensebado pelo manuseio das diversas mãos que passavam pela oficina, páginas dobradas indicavam histórias mais divertidas, até sovela já encontrei como marcador de páginas (...).

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O Brasil é um país onde, entre muitas outras coisas, milagres acontecem. Como Cineas Santos, que nasceu, no sertão do Piauí, condenado à pobreza. Não aquela, tão brasileira, que humilha e degrada, mas a pobreza que, paradoxalmente, dignifica as mulheres e os homens que a sofrem, pela altivez com que a ela não se curvam e dão tudo de si para sobreviver, apenas. Hoje, o intelectual Cineas Santos faz maior o Piauí e enriquece a literatura brasileira: professor, cronista, poeta, editor, fundador do centro cultural Oficina da Palavra, realizador do Salão do Livro do Piauí (Salipi) é um refinado erudito, na mais nobre acepção do termo. Esse o milagre, um piauiense que lutou e venceu quando muitos desanimam e se entregam. Ele mesmo conta uma história plena de grandeza humana e de solidariedade fraterna:

Realizar o Salão do Livro do Piauí sempre foi (continua sendo) um parto doloroso, extre-

mamente difícil e marcado por incertezas de toda ordem. Recursos escassos e a crescente expectativa do público desestabilizam os organizadores do evento. Com justa razão, a plateia sempre espera mais, sempre exige mais...

Véspera de uma das edições do Salipi, eu estava uma pilha: na conta da Fundação Quixote, nem um centavo. Só tínhamos promessas, promessas de políticos... Meio-dia, sol a pino, cheguei à Oficina da Palavra na companhia do mestre Santana, de saudosa memória. Na entrada do prédio, uma senhora de meia idade esperava por mim. Pediu permissão para aproximar-se e, sem se apresentar, declarou: “Professor, no ano passado ouvi o senhor afirmar que, às vezes, depende da ajuda dos amigos para oferecer um almoço a um dos convidados”. Fez uma pausa, aproximou-se um pouco mais e afirmou: “Foi aí que decidi também ajudar. Passei o ano inteiro juntando moedas neste cofrinho e trouxe para o Salipi. Espero que dê para pagar o jantar de um convidado”. De um saco plástico, retirou um pequeno cofre de cerâmica e me entregou. O gesto foi tão insólito que mal balbuciei um obrigado e saí de perto apressadamente. Eu tinha os meus motivos: se desandasse a chorar ali, seria um “segundo dilúvio”, como afirmou Drummond num poema. Nem ao menos sei o nome da cidadã que nos brindou com aquela ração de beleza. A partir de então, o cofrinho com o punhado de moedas tornou-se uma espécie de amuleto do Salipi.

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Anchieta, Jorge Amado, Luiz Amorim, Arimateia, Pedro Salgueiro, Cineas Santos, a benfeitora anônima do Salão do Livro do Piauí... Brasileiros que merecem o reconhecimento oficial do governo, a homenagem do ministério da Cultura, a medalha da Legião de Honra. Se no Brasil a que chegamos houvesse governo, ministério da Cultura e, principalmente, honra...

DI RE ÇÃO GE RAL: Cé sar San tos DIRETOR DE REDAÇÃO: César Santos GE REN TE AD MI NIS TRA TI VA: Ân ge la Ka ri na Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

FI LIA DO À

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