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from Jornal de Fato
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Brasil é pródigo em obras faraônicas e inacabadas
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Ahistória do Brasil é pródiga em obras faraônicas e inacabadas. Um ícone dessa triste sina é a Ferrovia do Aço: anunciada em 1973 a um custo inicial de US$ 1,1 bilhão, a obra foi suspensa por falta de pagamentos em 1978 e só terminou em 1986 — após consumir US$ 4 bilhões e sofrer drásticas simplificações em relação ao projeto original. Na década de 1990, outro projeto megalomaníaco escandalizou o país e serviu para uma mudança de parâmetros na fiscalização das obras inacabadas: a construção do edifício-sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo. Iniciada em 1992, a obra foi abandonada em 1998 após consumir R$ 230 milhões — R$ 169 milhões deles desviados em um esquema de corrupção.
O TCU descobriu os primeiros indícios de irregularidades no TRT paulista em 1994. Naquele mesmo ano, o Congresso Nacional passou a incluir no Orçamento Geral da União um dispositivo que hoje serve de alerta contra novos escândalos: uma lista de obras e serviços com indícios de irregularidades graves, conhecida como Anexo VI. Nesses empreen-
Prefeitura de Búzios e Prefeitura de Além Paraíba
Creches inacabada em Búzio é o retrato visto em todo o Brasil
dimentos, os problemas identificados são tão críticos que a paralisação é menos danosa do que a continuidade da obra.
Esse mecanismo de proteção dos recursos públicos é desencadeado todos os anos pelo TCU, que envia para a Comissão Mista de Orçamento (CMO) informações sobre o andamento de contratos considerados suspeitos. O relatório, conhecido como Fiscobras, chega ao Congresso até o dia 25 de outubro — 55 dias após a entrega do projeto de lei orçamentária pelo Poder Executivo.
No Fiscobras 2021, encaminhado durante a elaboração do último Orçamento, a Corte de Contas listou quatro empreendimentos com indícios de irregularidades graves: • Construção da BR-040 (RJ). Com 35,13% de execução física, houve sobrepreço e problemas nos projetos básico e executivo; • Ampliação de capacidade da BR-290 (RS). Com 88,12% de execução física, os auditores identificaram superfaturamento; • Adequação de trecho rodoviário na BR-116 (BA). Com 8,83% de execução física, o projeto de pavimentação estava em desacordo com a licitação; e • Construção da BR-235 (BA). Com 92,35% de execução física, houve indícios de superfaturamento.
Durante a tramitação na CMO, o relator-geral do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), acatou duas sugestões do TCU e incluiu no Anexo VI a paralisação das obras na BR-040 (RJ) e na BR-290 (RS). Os dois empreendimentos em andamento na Bahia (BR-116 e BR-235) foram poupados do bloqueio.
Embora leve em conta as informações prestadas pelo Fiscobras, o Congresso tem autonomia para incluir no Anexo VI obras com indícios de irregularidades graves que não tenham sido sugeridas pelo TCU. Foi o que aconteceu no Orçamento deste ano: o Parlamento decidiu suspender o repasse de recursos para a Ferrovia Transnordestina, o que não havia sido originalmente proposto pelos auditores.
A decisão de incluir a Transnordestina no Anexo VI partiu do Comitê de Avaliação das Informações sobre Obras e Serviços com Indícios de Irregularidades Graves (COI), vinculado à CMO. Segundo o COI, apesar de já terem sido aplicados pelo menos R$ 5,7 bilhões de recursos públicos desde 2006, o empreendimento tem “histórico deplorável de execução”. “A concessionária não conseguiu executar mais da metade das obras e não dispõe de projeto adequado nem de orçamento confiável para a conclusão”, destacou o coordenador do comitê, deputado Paulo Azi (União-BA).
O bloqueio de obras com indícios de irregularidades graves pode ser revisto a qualquer momento ao longo do ano. Tudo depende de uma decisão da CMO, composta por 10 senadores e 30 deputados. Se avaliar que os problemas que deram causa à paralisação foram superados, a comissão pode determinar a continuidade do empreendimento por meio de um decreto legislativo. O projeto só vai ao Plenário do Congresso se houver recurso proposto por um décimo dos membros do Senado e da Câmara.
‘emenda-janela’ Os parlamentares têm um “desvirtuamento, deformação, burla e fraude” papel central na destinação de recursos para a conclusão de obras públicas. No Orçamento deste ano, cada um dos 81 senadores e 513 deputados teve a oportunidade de sugerir emendas individuais até o limite de R$ 17,6 milhões. As bancadas estaduais indicaram um total de R$ 5,7 bilhões em despesas.
Embora não sejam a única fonte de financiamento, as emendas parlamentares estão no centro do debate sobre as obras inacabadas. O senador Esperidião Amin (PP-SC) levantou essa lebre durante audiência pública na Comissão de Educação. Ele chamou a atenção para o que classificou de emenda-janela: uma dotação que, embora não seja suficiente para concluir um empreendimento, é usada por gestores locais com motivação meramente política ou eleitoral. — Não dá para fazer uma obra de R$ 1 milhão? Abre R$ 1 mil só para começar. Para Amin, é preciso investigar eventuais irregularidades na execução de obras públicas. Mas tão importante quanto isso, segundo o parlamentar, é “consertar o sistema”. O senador defendeu, por exemplo, que a liberação de dinheiro para a construção de creches e escolas por meio do FNDE siga os mesmos parâmetros de desempenho adotados na gestão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). — Alguém de vocês já recebeu denúncias sobre o Fundeb? Não. Por quê? Porque o Fundeb tem critérios. Minha ideia é criarmos 27 fundos estaduais de desenvolvimento da educação. Ele passa a ser não uma repartição pública onde a gente vai pedir dinheiro. Se o prefeito vier pedir, você vai procurar corrigir: “Não, você está com três obras inacabadas. Isso não pode acontecer”. Vamos destinar o dinheiro para acabar as três ou explicar por que não precisam ser feitas — explicou Amin. O presidente da Comissão de Educação, senador Marcelo Castro (MDB-PI), é o relator do Orçamento de 2023. Ele usa palavras duras para classificar as emendasjanela: “desvirtuamento, deformação, burla e fraude”. Embora proibidas desde 1993, elas deram origem a mais de 2 mil empenhos em 2021. Castro reconhece que, em algumas situações muito específicas, uma obra pode ser dividida em etapas com bons resultados para a sociedade. Mas esse tipo de gasto deve ser considerado uma exceção. Não pode ser generalizado. — Você vai fazer uma adutora em um município para beneficiar dez povoados. Vamos supor que isso custe R$ 10 milhões. Não tem esse dinheiro, mas tem R$ 1 milhão. Com R$ 1 milhão, dá para botar água no primeiro povoado. Então, é uma etapa útil. O que você não pode é botar um recurso que não tenha uma finalidade social. Obras de grande porte — como a transposição do rio São Francisco, orçada em R$ 8,2 bilhões — dependem de uma previsão orçamentária de médio ou longo prazo. Elas são incluídas no Plano Plurianual (PPA), uma lei aprovada para indicar quais são as prioridades do poder público a cada quadriênio. Em obras de menor porte, no entanto, esse planejamento orçamentário não existe na prática. A cada novo ano, a liberação dos recursos é incerta: ocorre “a conta gotas”, como define o senador Otto Alencar (PSD-BA). — A obra fica inacabada e dá um prejuízo muito grande. Na Bahia, várias creches foram iniciadas, mas não foram concluídas. Não porque o prefeito não teve a decisão de fazer. Mas porque só se coloca no Orçamento de um ano parte dos recursos, ao contrário de se repassar o recurso integral e fiscalizar a execução física da obra. Acho errado, sou um crítico disso. Se vou fazer um hospital, e ele custa R$ 10 milhões, que se coloque no orçamento R$ 10 milhões para fazer a obra — sugere.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) alerta para outra faceta do problema. Segundo ele, um componente político pode contribuir para a interrupção de projetos iniciados em gestões anteriores. — Tem obra com 80% praticamente, quase pronta. O problema no Brasil é que você não tem política de Estado, você tem política de governo. Então, cada governo que entra acaba com tudo e não faz o dever de casa: concluir as obras ou dar continuidade aos projetos que estão funcionando — disse. Para o senador Humberto Costa (PT-PE), ver tanto dinheiro enterrado em canteiros de obras abandonadas é motivo de indignação. — Considero um absurdo existirem tantas obras inacabadas e tanto recurso público mal aplicado. É a absoluta ausência de uma política de Estado que garanta que obras iniciadas por um governo terão continuidade e serão concluídas em outros governos. Isso gera um prejuízo enorme para a população, que fica privada de obras e ações importantes — afirma. O senador Wellington Fagundes (PL-MT) classifica as obras inacabadas como “uma herança maldita”, que pode ocorrer “por falta de planejamento ou por falta de responsabilidade”. Qualquer que seja a causa, segundo o parlamentar, a consequência é sempre a mesma: a população insatisfeita. — O cidadão reclama e com razão. Temos mais de 2 mil creches inacabadas. O trabalhador que tem seu filho e quer deixá-lo numa creche vê a obra inacabada e fica revoltado. Isso é extremamente ruim para a imagem daqueles estão à frente do serviço público — avalia. O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) reconhece que o Brasil tem “centenas de obras inacabadas”. Mas, para o parlamentar, o Poder Executivo tem se empenhado para concluí-las.