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OPINIÃO

eSPaÇo jornaLiSTa MarTinS de VaSConCeLoS

Organização: CLauder arCanjo

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rUa SaNtO aNtÔNIO: ÚltIMO reFÚgIO PaUlISta

raiMundo anTonio de SouZa LoPeS

é escritor e jornalista rsouzalopes@hotmail.com

O ano foi o de 1981. Maio, o mês. De repente, percebi que o sonho infantil de ganhar o mundo, de conhecer São Paulo, de “enricar”, não estava mais fazendo sentido para mim. A mudança de emprego, a saudade e o frio foram combustíveis para a decisão que estava prestes a tomar. Ou seja: retornar para a minha querida cidade de Mossoró.

Confesso que sou de índole emotiva - como se diz “manteiga derretida” - quando se trata de determinadas coisas, especialmente, as puxadas para os vínculos pessoais. E eu já estava, há quatro anos e meio, longe do aconchego dos familiares. Algumas coisas, nesse período, estavam mudadas em minha vida. Nesse curto espaço de tempo, já havia me perdido, e me achado – graças a Deus –, passado por inúmeras dificuldades e até conseguido encontrar a saída de alguns complicados labirintos em que fui aprisionado.

São Paulo, para quem encontra (e deseja) certa facilidade de conhecer a sua vida noturna, é uma armadilha difícil de se livrar. E isso, com o passar do tempo, torna-se viciante, quase obrigatório viver cotidianamente. (In)felizmente, tive o prazer de conhecer o lazer que o dinheiro ganhado podia me proporcionar. Duas coisas, porém, foram essenciais para que eu não ultrapassasse, em nenhum momento, os limites: a distância entre onde me encontrava e o local onde se encontravam meus principais parentes. Assim, quando a euforia do prazer mundano queria se sobrepor ao compromisso profissional – que era de onde eu tirava às condições para usufruí-lo –, a reflexão se fazia presente e a avaliação entre o certo e o errado era colocada na ponta da consciência. Desta forma, mesmo alimentando a superfluidade em mim, prevalecia, no resultado final, o bom senso.

A Rua Santo Antônio, na Bela Vista, São Paulo, foi o último lugar onde morei. Por uma estranha coincidência, o prédio de três andares tinha, como locadora, dona Silvia, a mesma da pensão da Rua Jandaia, onde morei, logo que cheguei à capital paulista. Nesse prédio, moravam dezesseis pessoas. Na Kit em que eu morava, somente eu e um jovem de Mirandópolis, o Fernando. Depois, quando eu resolvi que vinha embora, voltar para o Nordeste, um parente meu chegou e foi morar com ele, no meu lugar. Mas ainda passamos um bom tempo os três morando juntos.

Particularmente, não estava satisfeito. A mudança de emprego não estava me fazendo bem. Interessante! A empresa era uma Agência de Publicidade, e o seu dono era meu conhecido. Na verdade, ele tinha sido meu diretor no antigo emprego. Portanto, eu já o conhecia e, entre nós, já existia um vínculo profissional bastante profícuo. No entanto, o modus operandi do novo emprego parecia não cair bem em mim. Nem os colegas de trabalho. Então, cada dia trabalhado era custoso, sofrido, “desprazeroso”. E a promessa de ser contratado, para trabalhar num outro clube famoso da capital, parecia estar fadada ao fracasso.

De tal modo que a mistura de insatisfação – por estar trabalhando em algo que não me satisfazia profissionalmente – com a expectativa de ser chamado para trabalhar novamente com esportes, gerava, em mim, uma ansiedade muito grande, na maioria das vezes, só aliviada pelas constantes incursões noturnas. Para completar, o local onde eu morava ficava “vizinho” às Ruas Augusta e Major Sertório, e seus inferninhos culturais, conhecidos como “a boca do luxo”. Deixei, nelas, uma boa parte do que havia ganhado nos últimos quatro anos e meio...

Com o passar do tempo, a não mudança de emprego e a insatisfação no local de trabalho, forçaramme a pedir demissão. Um erro, hoje admito. Poderia ter me adaptado. E, com certeza, me adaptaria; pois, na verdade, estava no meio do que eu gostava de fazer: que era o de criar. Talvez o estopim de não querer “me adaptar” tenha sido causado pela incompatibilidade que passou a existir, depois que fui contratado. Entrei ganhando um salário acima do maior salário do empregado mais bem pago da agência. Isso causou, acredito, uma certa inveja. Passei a ser o foco de toda e qualquer atividade, de elogio ou de desrespeito. Por isso, e para não criar um clima (mais) hostil no trabalho, preferi sair.

No meio de toda essa confusão, que envolveu razão e emoção, houve um elemento da natureza que, sem sombra de dúvida, mais cedo ou mais tarde, faria com que eu voltasse: o frio. Ele, para mim, foi cruel. A ele, sim, não tive jeito de me adaptar. Podia vestir o que fosse, me proteger da melhor forma possível, não tinha jeito. A boca ficava cortada, as juntas dos dedos se abriam, os pés ficavam em estado de calamidade, as orelhas sangravam, o corpo só faltava entrar em catatonia (com exagero e tudo). E olha que me protegia da melhor forma possível, com luvas, calças, camisas e meias térmicas, suéteres, blazers, blusões; enfim, quando o frio chegava, eu saía de casa parecendo um esquimó. Mas não tinha jeito. Talvez tenha sido, e foi, o gatilho de que eu precisava para voltar.

Nunca mais, depois de 1981, andei em São Paulo (já passei por cima). Deixei vários amigos que até hoje me cobram uma visita. Um dia, quem sabe, eu ande por suas ruas de novo. São Paulo não me fez mal; pelo contrário, ela foi importantíssima para o complemento da minha cidadania. Reservo, em meus arquivos, quase todos os bons momentos – e as angústias que todo jovem também tem –, os amores vividos e os frutos produzidos.

dI reçÃO geral: César Santos dIretOr de redaçÃO: César Santos gereN te ad MINIS tra tIVa: Ângela Karina deP. de aSSINatUraS: Alvanir Carlos Um produto da Santos Editora de Jornais Ltda.. Fundado em 28 de agosto de 2000, por César Santos e Carlos Santos.

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