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OPINIÃO

ESPaÇO JORNaliSTa maRTiNS DE VaSCONCElOS

Pindaíba (XVii)

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Organização: ClaUDER aRCaNJO

O desafiO dO recOmeçO

ClaUDER aRCaNJO

escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras. clauderarcanjo@gmail.com

— Estou bem melhor — respondeu Ferreirinha ao médico de plantão.

Doutor Artur Arcanjo verificou pressão, temperatura e batimentos cardíacos e, após registrar tudo no prontuário médico, indagou-o: — Então, senhor José Ferreira das Mercês, animado? Já posso lhe dar alta hoje. Quem virá para acompanhá-lo?

Mal completou suas palavras, percebeu que alguém entrara. Ao virar-se, o médico deu pela presença de duas crianças.

Ferreirinha elevou a cabeça do travesseiro e, ao vê-las, quis se sentar no leito. Foi ajudado pelo doutor. — Telzinho, Belinha, meus filhos! Vocês aqui?... — não conseguiu mais nada dizer, a voz embargada, os olhos emocionados.

Foi surpreendido pelo abraço dos dois, apertando-o na altura da cintura, por entre as pernas. — Vou deixá-los a sós. Qualquer coisa, senhor Ferreira, pode chamar a enfermaria. Tenham um bom dia.

— Papai, vamos para casa — A voz da pequena era mais uma ordem do que um pedido.

Ferreirinha das Mercês olhou Telzinho, sentiu nele já os traços da maturidade, como se ela se antecipasse aos anos. O filho deu-lhe a mão direita e, apoiando-o, fez com que ele se levantasse. — Vista a roupa, pai. A gente vai com o senhor.

Ferreira retirou as vestes de paciente e voltou ao surrado traje que usara quando fora internado, há dias.

Chegaram em casa, José Ferreira das Mercês entre a filha e o filho. Rumaram direto para o quarto grande. Lá deram com a cama preparada, chinelos ao pé do leito, pijama junto à cadeira, e a Bíblia Sagrada na cabeceira.

Chegaram em casa, José Ferreira das Mercês entre a filha e o filho. Rumaram direto para o quarto grande. Lá deram com a cama preparada, chinelos ao pé do leito, pijama junto à cadeira, e a Bíblia Sagrada na cabeceira. — Mas, filhos, sua mãe...

Foi interrompido por Belinha: — Troque de roupa, paizinho, e descanse.

Os filhos se retiraram, encostando a porta do quarto.

Ferreirinha correu a vista pelo ambiente, lá vivera muitos anos de sua vida matrimonial, até que se dera a sua...

Emocionou-se, sentiu a visão turva e sentou-se na cadeira próxima da janela que dava para o pequeno jardim.

Um trinado na copa da árvore atraiu-lhe a atenção: um canário, em cântico belo, a encantar a companheira, esta no galho ao lado. Com pouco, os dois se encontraram ternamente.

— Venha almoçar, a mesa está posta...

Era a ex-esposa, Domênica Melgaço. Ele sentiu o seu perfume, sempre discreto. Na voz, um quê de súplica.

Ao chegar à sala de jantar: a cabeceira vazia, com o seu prato e os talheres. Tudo como antes.

As crianças já sentadas, banhadas e esperando pelos pais. Domênica serviu a todos, antes de se servir. Uma galinha caipira, prato preferido de Ferreirinha.

Ele comeu regiamente; a cabeça sempre baixa, o silêncio sobre a mesa, como companheiro fiel e incômodo daquele possível recomeço.

Ao terminar, Ferreira abençoou os filhos e, antes de se recolher, dirigiu-se a Domênica: — Conversaremos depois da minha sesta. Neste momento ainda me sinto fraco.

Domênica Melgaço ajeitou os cabelos, passou a mão na cintura e... preferiu permanecer calada.

Ferreira das Mercês hauriu o perfume de Domênica, agora nem tão discreto. No silêncio, captoulhe um acento de acordo.

Ferreirinha dormiu, profundamente. Sonhou que entrava em um campo onde imperava uma paz angelical. Cercado de tranquilidade e de cordura, descansava e via-se abraçado por uma dama apaixonada. Ela acariciava-o, a tomá-lo nos braços, afastando todos os seus fantasmas do passado. A expulsão de casa: “Você, como provedor do lar, tem se revelado um fracassado. Um fracassado!”; o enamoramento com Gervásia, o recurso à cartomante, a busca por caminhos desconhecidos, a desorientação, os dias no hospital, os cuidados de Magda... Tudo em flashes rápidos, mas vivos e intensos.

Ao despertar, percebeu um trinado quase junto de si. Os canários se bicavam, carinhosamente, à janela.

Quando Ferreira virou-se, a presença de Domênica Melgaço: calada, atenta. Em seguida, reunindo coragem, ela indagou, amável: — Sonhou comigo, querido?

Ela aproximou-se ainda mais, o rosto em lágrimas.

Ferreirinha das Mercês quis consolá-la, não pôde. Aquela proximidade, aquele perfume...

Os pensamentos em redemoinho, a língua como se presa, o corpo em febre. — Afaste-se, por favor! O meu sofrimento foi muito grande, Domênica. Tenha paciência comigo.

E deixou o quarto, em busca de ar livre.

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