
2 minute read
n ada é o que parece
from Jornal de Fato
Roteirista de cinema e colaborador assíduo das minisséries de Maria Adelaide Amaral, João Emanuel Carneiro mostrou a força de sua escrita e o apelo popular de suas histórias a partir de dois sucessos para o difícil horário das 19h. Em “Da Cor do Pecado”, de 2004, fez barulho ao recolocar Taís Araújo no posto de mocinha e revitalizar a faixa. Dois anos depois, na pretensiosa “Cobras & Lagartos”, criticou a indústria do consumo com direito a um elenco repleto de nomes do primeiro time da Globo. O êxito dos dois projetos foi suficiente para que João Emanuel chegasse ao seleto grupo de autores das nove. Inventivo e sem receios, há exatos 15 anos, João fez de “A Favorita”, sua estreia no horário, uma grande brincadeira com o público. Apresentou as personagens Flora e Donatella, de Patrícia Pillar e Claudia Raia, respectivamente, em todas as suas complexidades e, só no meio do caminho, revelou quem era a vilã e a heroína da história. “Tive a ideia para essa novela uns cinco anos antes da exibição. Estava cansado de ver as mocinhas e vilãs sob a mesma ótica folhetinesca. Não fujo do formato de novela, mas acho que é possível subverter algumas coisas e ainda assim conquistar o público”, conta João.
Na trama, Donatella foi adotada ainda criança pela família de Flora e as duas cresceram como irmãs. Por conta do talento musical, na juventude, formaram a dupla Faísca e Espoleta e obtiveram relativo sucesso comercial. A carreira, entretanto, foi interrompida depois que as cantoras conheceram os amigos Marcelo e Dodi, personagens de Flávio Tolezani e Murilo Benício. Donatella casou-se com Marcelo e Flora com Dodi. Porém, a felicidade de Donatella começa a desmoronar ao ter seu filho recém-nascido misteriosamente raptado e descobrir o caso extraconjugal mantido por Marcelo e Flora, que acaba grávida de Lara, personagem de Mariana Ximenes. No pior momento de discórdia entre as duas, Marcelo é assassinado e a culpa recai sobre Flora, que foi pega em flagrante com a arma do crime e é sentenciada a 18 anos de reclusão. “As duas personagens eram muito ambíguas. Donatella criou a Lara como se fosse filha dela. A volta da Flo- ra ao contexto familiar mexe com os sentimentos de todo mundo”, explica Raia.
Advertisement
Em um primeiro momento, o autor e o diretor Ricardo Waddington valeram-se das características físicas das protagonistas para confundir o telespectador, contrapondo os traços angelicais e o semblante por vezes frágil de Pillar com a postura sempre altiva de Raia. Ousando no formato, em vez de só revelar as reais intenções das personagens ao público no último capítulo, João Emanuel, aos poucos, não apenas trouxe à tona o caráter doentio e perigoso de Flora, como também criou mistérios e ganchos sobre novos personagens, como o sensível Zé Bob, o garanhão Halley, a desconfiada Irene e, especialmente, o enigmático Silveirinha, personagens de Carmo Dalla Vecchia, Cauã Reymond, Glória Menezes e Ary Fontoura. “Todo mundo trabalhou muito em cima da dualidade dos personagens. Afinal, por muitos capítulos a leitura da novela foi meio secreta. Acho que o maior legado desse texto foi mostrar que é possível reinventar uma trama a partir de desfechos e novas criações. A história era muito sagaz”, elogia Pillar, que se destacou em sua primeira incursão como vilã.
Inicialmente idealizada para se passar na região CentroOeste, João Emanuel teve de modificar seu plano por conta dos altos custos que isso acarretaria ao projeto. Na ânsia de equilibrar a cidade grande e o ambiente rural, a trama acabou sendo desenvolvida entre a capital e o interior de São Paulo. O formato dúbio de apresentar a história e o sucesso da saga mutante de “Caminhos do Coração”, da Record, fizeram com que os primeiros meses de “A Favorita” tivessem audiência aquém do esperado. “Foi tudo uma aposta desde o início. Então, o risco era calculado. Antecipamos um pouco a revelação dos verdadeiros vilões e a novela conquistou o público que merecia”, conta o diretor.