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Luto e luta
from Jornal de Fato
Dom Phillips na Amazônia
Lidar com a realidade, por muitas das vezes, é uma tarefa árdua do jornalismo. E foi justamente um dos lados mais duros e dramáticos da história atual brasileira que Sônia Bridi precisou encarar ao comandar o documentário “Vale dos Isolados: O Assassinato de Bruno e Dom”, que chegou recentemente ao Globoplay. Há um ano, o crime citado no título escancarou a insegurança no Vale do Javari, no Amazonas, a região com a maior quantidade de povos isolados do planeta. A escalada de violência protagonizada por organizações criminosas na região culminou nas mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no dia 5 de junho de 2022. “Temos uma tragédia como ponto de partida desse filme. Convivemos com essa tragédia intensamente. Mas também vamos mostrar porque o Dom e o Bruno morreram”, afirma.
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O documentário é conduzido e dirigido pela repórter, que acompanha o caso desde o início. Nos oito meses em que ficou dedicada ao documentário, a equipe passou mais de 100 dias na Amazônia e ouviu lideranças indígenas, amigos de Bruno e Dom, autoridades e pescadores ilegais. Sônia e o repórter cinematográfico Paulo Zero foram a várias aldeias, algumas a dias de barco de distância da cidade mais próxima.
Segundo a jornalista, o isolamento de grupos isolados até de outros grupos indígenas é uma decisão consciente, decorrente da violência que sofreram, dos traumas que ficaram quando os brancos chegaram perto demais – de doenças a massacres. “Na maioria das vezes, o contato é devastador para os indígenas. E, no fim das contas, Bruno e Dom morreram lutando para que esses grupos sigam tendo esse direito, sigam tendo seu território protegido da invasão dos brancos. É uma história, portanto, de pessoas dispostas a se arriscar na defesa de outras pessoas que nem sabem que elas existem”, defende.
P – O documentário Original Globoplay retrata a história e os bastidores da investigação de um crime bárbaro. Como foi lidar com essa temática de forma tão próxima?
R – O ponto de partida des- se documentário foi uma tragédia. Então, foi uma escolha de conviver com essa tragédia intensamente por bastante tempo. Foi isso que a gente fez, mas não só isso. Desde o início a gente queria mostrar porque o Dom e o Bruno morreram. Por quem eles morreram? Como são as pessoas que vivem lá? Como vivem? Acho que um pouco disso a gente consegue mostrar nesse documentário. Uma tragédia nunca tem só uma causa.
P – Como assim?
R – Os rios lá são sinuosos. Vão e voltam, e contam com curvas que se encontram. Quando a água sobe, você consegue ver os furos e pegar os atalhos. As histórias que encontramos no Vale do Javari foram essa. A violência no Vale do Javari foi gerada pela impunidade. Cada crime que ficou impune já carrega no ventre a próxima violência, a próxima morte.
P – O assassinato de Dom e Bruno contou com uma ampla cobertura da imprensa na época do crime. De que forma o documentário vai em busca de novos detalhes dessa história?
R – Percebemos que era uma história bastante complexa, com muitas ramificações e que valia a pena entender melhor o que está em jogo naquela região. A investigação da polícia mostra que a intenção dos criminosos era matar o Bruno que trabalhava, principalmente, em defesa dos povos isolados, e que o Dom foi morto porque estava junto com ele. Na terra indígena Vale do Javari há pelo menos 16 grupos de indígenas isolados, além de seis etnias contatadas pelos brancos em diferentes épocas. A aproximação mais recente foi feita pelo Bruno, em 2019, com um grupo de indígenas Korubo.
P – Como foi produzir esse projeto em locais tão distantes e com tantas limitações?
R – Temos um grande trabalho de equipe. Agradeço muito ao trabalho da equipe de roteiro, imagens, produção e a montagem linda. O Vale do Javari abriu as portas para gente. Fiquei hospedada na Aldeia Maronal. As pessoas se abriram para contar essa história. Encontramos pessoas dispostas a compartilharem suas histórias.
P – Os povos originários são uma pauta recorrente nas suas reportagens há muitos anos. Teve algum dado novo que surpreendeu você ao longo dos oito meses em que ficou dedicada ao documentário?
R – Me impressionou ver que mesmo os povos que mantêm contato com os brancos há mais de um século ainda têm uma conexão muito intensa com a terra. Eles tiram da floresta praticamente tudo o que precisam e mantém um grau de isolamento muito grande.