5 minute read

O descaso com a causa animal no Brasil

Apesar do crescente número de animais abandonados, as políticas brasileiras continuam a negligenciar a problemática

Por Bárbara More, Larissa Isabella e Victor Trovão

Advertisement

Fome, frio, medo e dor são alguns sentimentos conhecidos por animais abandonados. Incapazes de se comunicar, eles enfrentam a maldade desde cedo, dispondo de apenas um lugar como casa, as ruas. Entre cavalos e cachorros, as mais diversas espécies encontram as faces do abandono tutelar e governamental em um país onde suas existências são invisibilizadas.

De acordo com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, todos os animais têm direito ao respeito e à proteção, no entanto, na maioria das vezes, isso não se configura como realidade. A cada ano, o número de animais nas ruas cresce e o quadro se agrava de forma normalizada.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, existem cerca de 30 milhões de animais abandonados no Brasil. Destes, cerca de 170 mil estão sob os cuidados de ONGs que lutam pela causa animal. Elas trabalham incansavelmente para resgatar esses animais e ajudá-los a encontrar uma nova oportunidade.

Causa Animal no Brasil

A luta pela vida dos animais no Brasil começou a ser organizada pela União Internacional Protetora dos Animais, em 1895, na capital paulista. O estado de São Paulo sempre se destacou por ter sido pioneiro na defesa dos animais, no entanto, com o decorrer dos anos, o Rio de Janeiro também passou a integrar a luta fortemente. Nascia, então, a Sociedade Brasileira Protetora dos Animais, em 1907, na capital carioca.

Progressivamente, o número de pessoas envolvidas na causa animal aumentava e, simultaneamente, o ativismo também. Eles deram vozes aos animais em busca da amenização dos inúmeros maus-tratos a que os animais eram e continuam a ser submetidos. Hoje, a luta se transformou ao redor do mundo. Milhares de pessoas continuam a lutar pela valorização da vida independente da espécie e o ativismo é potencializado pelas redes sociais.

© @caosemdono

Cão resgatado pela ONG “Cão Sem Dono”

ONG e Dificuldades

A ONG “Cão Sem Dono” atua há vinte anos no resgate, tratamento e reabilitação de animais abandonados. No começo, era um sítio pequeno que abrigava cerca de dez a quinze cachorros. Hoje, ela expandiu sua atuação e conta com 250 cães no espaço de Itapecerica da Serra, somando 450 em toda a ONG. “Vontade a gente tem de resgatar todos, mas estrutura é o que falta”, declara o funcionário Bruno Roberto dos Anjos.

Pelos mais diversos motivos, como mudança de residência, falta de tempo ou até mesmo a instabilidade financeira, diariamente, diversos animais enfrentam as dificuldades do abandono e de sobreviver nas ruas, avenidas e em lugares públicos. É nesses casos que a “Cão Sem Dono” entra para prestar apoio e garantir que esses cachorros recebam tratamento médico, passem por adaptação - para que voltem a se tornar habilitados ao convívio doméstico – e, assim, encontrem um lar apropriado.

Contudo, Bruno destaca que não é um trabalho fácil, ainda mais com reformas em andamento. “É muito difícil a gente estar em obras e, ao mesmo tempo, tem a ração, tem que pagar funcionário, tem a situação do Brasil que é super delicada. Então, a gente remaneja, vai tirando daqui e colocando ali. A gente tem o bazar e depende de campanhas de ração.”

A grande maioria dos animais abandonados nas cidades brasileiras seguem um padrão: não possuem raça definida, sendo conhecidos como vira-latas. O funcionário ressaltou que muitas pessoas não estão interessadas nesse perfil e vão atrás do que consideram o cachorro dos sonhos - que geralmente é uma fêmea, de porte pequeno, que possa viver em apartamento. “Adote sempre um cão que não tem um lar. Não vá atrás de raça, de gênero ou nada. Vá atrás do coração de um cachorro porque, por trás desses dentinhos, há sempre um coração batendo”, finaliza.

Política

Para um combate mais amplo e efetivo, a causa animal também necessita de combatentes no aspecto político. Os governantes têm extrema responsabilidade na hora de garantir ao povo direitos básicos e isso também deveria englobar os animais do país.

Com uma política cada vez mais diversa e inclusiva, o meio ambiente e a pauta animal se tornaram uma cobrança da população. Nas eleições, foi expressiva a utilização da palavra “protetor” junto aos nomes de candidatos que, em sua maioria, são de partidos de direita.

Isso se contradiz quando analisamos as pautas ambientais relacionadas a essa direção política. A maioria dos candidatos que se colocam como defensores da causa não apresentam propostas que poderiam ser direcionadas também ao bem-estar geral da fauna brasileira, questão amplamente debatida pelos ativistas ambientais. Geralmente, são somente relacionadas aos cães e tendem a ser voltadas à castração e controle desses animais nas ruas.

Em geral, no Brasil, esse viés político tende a defender a chamada “família tradicional brasileira”, o que explicaria, em partes, a razão de terem seguido o caminho da proteção animal. Afinal, para muitos conservadores, o estereótipo do formato dessa família inclui um bichinho de estimação.

Porém, levando em consideração o costume de compra de animais domésticos no país, é complicado entender quais são as propostas de proteção para os animais que não são de raça. Nas eleições de 2022, 39 candidatos assinaram a “Pauta Mínima Animalista”, do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal. Entre esses, 21 concorreram ao cargo de deputado estadual, 17 a deputado federal e 1 a governador.

Nas últimas eleições, a bancada caminhou para um aumento significativo de integrantes. Em 2016, nas eleições de prefeito, vice-prefeito e vereadores, 39 candidatos com o nome de protetor foram eleitos e, desses, 30 eram mulheres brancas filiadas a partidos de direita.

Mesmo com o aumento da representatividade dentro do parlamento, essas pessoas continuam trazendo o olhar conservador que, muitas vezes, pode ser excludente. Isso reforça a questão dos animais sem raça definida, que não entram no padrão de “animal dos sonhos”.

© @caosemdono

Cão resgatado pela ONG “Cão Sem Dono”

This article is from: