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Moradia é direito: a história e resistência do Movimento Sem-Teto e a ocupação 9 de Julho

Defensores do movimento que já tirou milhares de pessoas de áreas vulneráveis sofrem preconceito e marginalização

Por Fabiana Caminha, Lídia Rodrigues e Nicolas Lopes

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“Venho de um meio que deturpa o MSTC”, afirma Renato Haro na Ocupação 9 de Julho, em entrevista para o Contraponto. Apesar da imagem “monstruosa” que algumas pessoas constroem sobre o Movimento dos Sem-Teto, a moradia é um direito básico de qualquer cidadão.

O sentimento de “estrangeira do próprio país” mencionado por Silva faz parte de um projeto do Estado de exclusão de grupos populacionais. A ativista do movimento reforça que nunca achou que teria sua própria casa, porque São Paulo sempre recebe as pessoas, mas não as acolhe.

Além do grande estereótipo que foi colocado nos Sem-Teto, outro problema vivido pelos militantes e moradores de ocupações é a especulação imobiliária, um movimento que pode ser comparado ao ato de “guardar caixão”. A especulação imobiliária acontece quando se compra um terreno ou imóvel e não se faz nenhum uso dele, o proprietário apenas aguarda a valorização do espaço para quando for interessante vender.

Um terreno pode ser valorizado de muitas formas, o desenvolvimento da infraestrutura da rua, como a pavimentação, a inserção de redes de esgoto, energia elétrica e água; assim como melhorias nos sistemas de transporte e, até mesmo, construções na vizinhança são formas de aumentar o valor de um determinado ambiente.

Muitos vazios urbanos surgem devido à especulação; esses lugares poderiam dar espaço a casas de cultura, parques e principalmente, moradias. “Nós temos mais de 290 mil imóveis desocupados na cidade de São Paulo e, pelo IBGE de 2010, cerca de 400 mil famílias sem moradia na

No coração da cidade de São Paulo, a ocupação 9 de julho é capital, essa conta não fecha”, alerta Silva. A emblemática ocupação hoje um importante ponto 9 de Julho é presidida por Carcultural e símbolo da luta men, e situa-se no bairro da pelo direito à moradia. Bela Vista, na Rua Álvaro de O edifício da década de 40 fi- Carvalho número 427, próxicou mais de 20 anos desocu- ma a praça Roosevelt. O MSTC pado e passou a servir de lar gere o local desde 2016, quanpara mais de 100 famílias do o prédio foi recuperado em 1997, na primeira ocu- para as famílias desabrigadas. pação. A mobilização foi ne- Atualmente, a construção recessária para a solidificação pleta de plantas e grafites é do Movimento Sem-Teto o lar de mais de 120 famílias do Centro, fundado oficial- que agora desfrutam do direimente em 2001. Hoje, o to à moradia digna. movimento é responsável O movimento preocupapela organização de outras -se não apenas em trazer teto, quatro ocupações no centro mas também em dar acesso à da capital paulista, além da saúde, alimentação, cultura e 9 de Julho. ao lazer das famílias que ha-

Em seus mais de 20 bitam a ocupação. Por isso, a anos de funcionamento, o MSTC tirou infraestrutura do prédio da 9 de Julho conta mais de três mil pessoas de áreas vulnerá- com uma biblioteca, quadras, exposições, veis, à margem da cidade. O realojamento horta, brechó, cozinha, refeitório e outras dessas pessoas facilita o acesso à educa- áreas comunitárias, em que trabalham alção, saúde, meio de transporte, cultura e guns dos moradores. possibilita a vida em uma moradia digna. Aos domingos, é organizado na ocupa-

Com base nos dados fornecidos pelo ção um almoço aberto à visitação por R$ MSTC, foi elaborado um esboço da realida- 40. Na refeição, são servidos pratos com de dos mais de 900 moradores que depen- carne e itens vegetarianos, preparados por dem das ocupações para terem acesso às diferentes chefes, além de um bar moncondições básicas para a sua sobrevivência. tado para os clientes e música ambiente.

Há características comuns entre as Também são montadas pequenas barrapessoas que lutam pelo direito à moradia. A maioria são mulheres não-brancas. Mais de 60% das famílias do MSTC têm como titular, a pessoa cadastrada responsável pelo espaço, uma mulher. A história de Carmen Silva, ativista do MSTC e deputada estadual por São Paulo, é similar à de outras mulheres que residem nas ocupações. Ela é nordestina, nascida no recôncavo baiano e sempre teve a origem apagada. “Na minha certidão de nascimento está escrito ‘Parda’. Mas eu não admito, eu sou filha de negra e neta de indígena. E para não morrer na mão do feminicídio, eu vim embora fugida para São Paulo”, explica a ativista, que também revela que dormiu cas de vendas de doces e outros produtos. “Eu acompanho o trabalho da cozinha da ocupação pelo Instagram e eu sou grande fã de Carmen Virgínia, que veio cozinhar hoje” conta Danielle Spinelli em sua primeira visita ao local. “Aqui existe um trabalho muito bacana de todo o movimento dos Sem-Teto em São Paulo, de trazer uma alimentação boa, de trazer o entendimento de como se alimentar e como é produtivo se alimentar de pequenas propriedades onde se produz com uma manutenção da terra, sem muito desmatamento, e como isso é viável e possível”, diz a visitante. Para Magda Castanha, produtora e voluntária da ocupação, é importante que a luta por um lar aconteça, assim como propõe o lema do movimento, de que enquanpelas ruas de São Paulo e, em um albergue, to moradia for privilégio, ocupar é direito. conheceu o MSTC. “Foi aí que vi um Brasil “O MSTC é um movimento necessário injusto, e, por mais que eu me compreen- na cidade de São Paulo, que é uma cidade desse brasileira, eu me sentia uma refugia- com tantos prédios sem função social espeda aqui em São Paulo”, complementa. rando para serem ocupados enquanto cada

Os obstáculos dos movimentos vez mais pessoas se deslocam para morar defensores de moradia não são poucos. na periferia, com longas jornadas para cheO preconceito e a marginalização dos gar ao trabalho. O movimento pretende ocupantes e militantes sempre existiu, os trazer moradia digna, com acesso à saúde, integrantes são julgados como vândalos educação e cultura, porque aqui dentro toe invasores. das essas frentes são feitas”, explica.

MSTCMOVIMENTO SEM TETO DO CENTRO

ENTENDA A REALIDADE DE QUEM VIVE NAS OCUPAÇÕES

ESPAÇO vivem em até 2 pessoas

Em média, as famílias moram em 2,46 pessoas por espaço. A maioria delas (59%) é constituída por até 2 pessoas e apenas 10% delas possuem 5 pessoas ou mais. se reconhecem pardos e negros As famílias são oriundas de diversas partes do Brasil, da América Latina e da África. Dentre os titulares, 66% se reconhecem como pardos e negros. concluiu os estudos Entre os titulares, pouco mais de 30% possui o fundamental completo e apenas 9% concluiu o ensino superior. têm renda familiar de 1 salário mínimo A renda familiar média dessas famílias é de R$ 1.368,00. Mais da metade (54%) tem renda familiar de 1 salário mínimo e apenas 9% mais de 2 salários mínimos.

RAÇA ESCOLARIDADE RENDA TEMPO 59% 66% 9% 54% 30% são moradores há mais de 6 anos Apenas 40% das famílias moram nas ocupações há pelo menos 3 anos. 32% moram lá de 3 a 6 anos e 28% há mais de 6 anos. Dados: MSTC Design: Fabiana Caminha

Ensaio fotográfico Ocupação 9 de Julho

Por Fabiana Caminha

© Fotos: Fabiana Caminha

© Fotos: Fabiana Caminha

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