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Os 47 anos da morte de Vladimir Herzog e os atuais ataques à imprensa no Brasil
Vítima da ditadura, o jornalista brasileiro virou símbolo de resistência e da violência praticada na época da ditadura
Por Ana Carolina Coelho, Ana Kézia de Andrade, Eshlyn Canete e Laura Mello
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Em 25 de outubro de 1975, morria o jornalista, dramaturgo e professor Vladimir Herzog, assassinado em uma cela do DOI/CODI, em São Paulo. O Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) era um órgão subordinado ao Exército e criado durante o regime militar para combater inimigos internos que, supostamente, ameaçavam a segurança nacional.
No dia anterior à sua morte, Herzog, então funcionário da TV Cultura de São Paulo, se apresentará voluntariamente para depor às autoridades militares. Logo após foi preso, interrogado, torturado e morto.
As autoridades da época informaram que se tratou de suicídio e publicaram uma foto em que ele aparece enforcado, segundo o laudo ofi cial, com a cinta do macacão que usava amarrada a uma grade a 1,63 metros de altura. Ocorre, porém, que o macacão dos prisioneiros não tinha cinto, que era retirado, juntamente com os cordões dos sapatos. As fotos do laudo ofi cial mostravam os pés do prisioneiro tocando o chão, com os joelhos fl etidos – posição em que o enforcamento era impossível.
A versão foi comprovada como falsa por uma ação civil na Justiça Federal, em 1976. Em outubro de 1978, o juiz federal Márcio Moraes, em sentença histórica, responsabilizou o governo federal pela morte de Herzog e pediu a apuração do caso.
Em 1992, o Tribunal de Justiça do Estado considerou que a Lei de Anistia (1979) impedia a investigação. Em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil por negligência na investigação do assassinato do jornalista.
Jornalista Vladimir Herzog, morto pela ditadura
Corte Interamericana e o Caso Vladimir Herzog
Em julho de 2009, grupos que atuam pelos direitos humanos como o Tortura Nunca Mais e o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (Cejil/Brasil), elaboraram e enviaram uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a fi m de denunciar a violação sofrida pelo jornalista e seus familiares. Entre idas e vindas do processo judicial, a CIDH, em 2016, remeteu o processo à Corte Interamericana, após as “ações e omissões” do governo.
Em reparação ao caso, a Corte determinou que o governo ressarça os custos do processo da família de Herzog, tanto materialmente através de pagamento em dinheiro, quanto publicamente, reconhecendo sua responsabilidade. Além disso, exigiu que o Estado adotasse medidas para garantir que crimes contra a humanidade sejam considerados imprescritíveis. De todas essas medidas impostas, o Brasil realizou apenas uma: o pagamento.
No entanto, o Ministério Público Federal em São Paulo, em 2018, reabriu as investigações do caso e, em 2020, a procuradora da República Ana Leticia Absy apresentou denúncia contra seis pessoas pelo assassinato de Herzog. Entre elas está Harry Shibata, médico legista do caso denunciado por falsidade ideológica, e Audir Santos Maciel, comandante do DOI-CODI na época, denunciado por homicídio qualifi cado. A 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo, porém, rejeitou a denúncia, declarando que a Lei da Anistia assegurava aos réus imunidade e que o crime já havia prescrito, não levando em conta as medidas determinadas pela Corte Interamericana. Dois dias após a decisão, a procuradora recorreu e o recurso ainda aguarda julgamento.
O histórico de ataque à Jornalistas no Brasil
Após o assassinato de Herzog, em janeiro de 1976, um ato de coragem foi feito por aqueles que viveram a mesma realidade. Um abaixo-assinado chamado “Em Nome da Verdade” foi escrito por 467 profi ssionais e recebeu 1004 assinaturas de jornalistas ao redor do Brasil. Com o objetivo de contestar o falso inquérito feito pelos militares, o documento desmentia o “suicídio” do diretor da TV Cultura ponto a ponto. O assassinato do jornalista Vladimir Herzog traumatizou uma profi ssão e a consciência de uma nação.
Os ataques aos jornalistas ainda são problemas atuais. Nos últimos anos, o crescimento do índice de violência contra os comunicadores aumentou signifi cativamente. O ataque à Vera Magalhães e a morte de Dom Phillips revelam a censura ainda sofrida na profi ssão.
Em outubro de 2022, Vera Magalhães, apresentadora do programa Roda Viva, na TV Cultura, foi agredida verbalmente pelo deputado bolsonarista Douglas Garcia (Republicanos), que chamou ela de “vergonha para o jornalismo brasileiro”, repetindo a mesma frase do presidente Jair Bolsonaro. O político ainda questionou o salário da jornalista e filmou o ataque com o objetivo de constranger e intimidar Vera. Nesse momento, porém, o jornalista Leão Serva tirou o celular da mão dele e arremessou longe.
Esse não foi o primeiro ataque à Vera. A campanha de Bolsonaro ofende as jornalistas e adversárias que acusam contra ele. Foram muitos ataques produtos da misoginia, sexismo e notícias falsas. A cobertura eleitoral vem se tornando insegura e sem respeito à liberdade de imprensa pelos políticos.
A violência contra o jornalista britânico Dom Phillips foi ainda mais pesada. O colaborador do The Guardian desapareceu junto com o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira, em 5 de junho. Dez dias depois os irmãos Amarildo Oliveira e Oseney Oliveira confessaram o assassinato do jornalista e do indigenista. Dom viajava pela Amazônia a fi m de relatar a crise ambiental brasileira e os problemas das comunidades indígenas.
Em 2019, em um evento sobre a região Amazônia o atual presidente disse a ele: “Primeiro, vocês têm que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês” e, logo após, o britânico fi cou conhecido como o jornalista que foi alvo de ataques de Bolsonaro.

© Reprodução: Memorial da democracia
Vladimir Herzog morto na cela do DOI-COD, em São Paulo