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O papel das propagandas no aumento de transtornos alimentares

Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) diz que o número de cirurgias plásticas cresceu 140% entre os adolescentes

Laura Mello, Marcela Foresti e Paula Moraes

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Ao longo dos anos, os meios de comunicação estabeleceram sua própria definição do que seria a maneira “ideal” de apresentar-se. Composta pelo corpo magro e sem marcas, a pele impecável, o cabelo hidratado e sempre no lugar e as roupas da última moda sempre perfeitas.

No mundo real, essa perfeição não existe. O ser humano é desigual. Cada corpo tem seu formato, a pele nem sempre está perfeita, cada cabelo é de um jeito e a roupa, às vezes, é o que vai ser confortável para aguentar o dia.

As propagandas midiáticas e o ideal que elas constroem influenciam uma grande parcela da sociedade, principalmente jovens mulheres, que sentem que precisam atingir esse ideal para serem aceitas pela sociedade. E, por conta disso, muitas acabam desenvolvendo problemas psicológicos, como depressão, ansiedade e transtornos alimentares, na busca de alcançar aquilo que veem nas propagandas.

“A gente, infelizmente, vem de um histórico da publicidade no qual sempre foi muito comum que a gente utilizasse edições fortíssimas principalmente nas modelos. Não tem como ignorar o fato que, na verdade, isso é uma construção cultural e social que se definiu como ‘belo’.”, comenta a publicitária Rebeca Miscow.

Há um movimento que, ao mesmo tempo em que vai contra essas imagens irreais, também preza pela realidade e representação. A atriz norte-americana Zendaya, por exemplo, em uma capa para revista Americana Modeliste, em 2017, se viu completamente diferente após as alterações feitas pelos editores da revista em seu corpo, e resolveu veicular em suas redes sociais as imagens originais, apenas com maquiagem e cabelo arrumado, sem photoshop e retoques exagerados, junto de uma objeção pública contra a ação da revista.

Para Miscow, a publicidade, assim como o jornalismo, tem a função de informar sobre as marcas e produtos e o uso de imagens irreais não é algo benéfico para os projetos. “Normalmente, ali a gente está falando sobre a realidade de marcas, empresas ou instituições, então porque não usar a verdade? Não faz sentido usar nada que seja irreal.”

A busca pela perfeição se tornou um problema global e pode ser considerada questão de saúde pública. O parlamento britânico, vendo esse crescente aumento, criou em agosto deste ano um projeto de lei que exige que anúncios que tenham sido alterados digitalmente devem conter um aviso de que houve modificações na imagem.

Em 2018, as atrizes Lili Reinhart e Camila Mendes fizeram uma sessão de fotos para a edição das Filipinas da revista Cosmopolitan. Posteriormente, as atrizes vieram a público criticar a revista pelas edições feitas no corpo de ambas, diminuindo suas cinturas, para encaixá-las no padrão de beleza do Oriente. “As empresas de publicidade editam o corpo das pessoas com o intuito de atender a agenda da beleza e da perfeição da cultura que ela está inserida”, diz Miscow.

O psicólogo André Ryoki explica que o ideal de beleza é reforçado pelas imagens manipuladas espalhadas pelas mídias e que não é algo tangível. Além disso, ele reforça que a disseminação de edições nas publicidades e nos meios de comunicação causam e agravam quadros de transtornos alimentares. Durante a pandemia, segundo o Royal Children’s Hospital, houve um crescimento de 48% no número de internações por transtornos alimentares e, além disso, as mulheres representam 80% das pessoas que mais sofrem com esse quadro.

Ademais, ele diz que estimular um ideal inatingível de beleza ao consumir conteúdos com imagens manipuladas faz com que o indivíduo decida fazer uma intervenção cirúrgica. “Se eu não sou aquilo e nunca serei, o que me resta é uma intervenção no real, na carne. Vou fazer o que o photoshop faz na fotografia: eu vou no cirurgião plástico para ele fazer na minha pele”.

Antes e depois do Photoshop feito em ensaio da atriz Zendaya, para a Revista “Modeliste” Photoshop realizado em Lili Reinhart para a revista Cosmopolitan Phillipines, em 2018

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) diz que o número de cirurgias plásticas cresceu 140% entre os adolescentes de 13 a 18 anos somente em 2021. O Brasil é o país que mais realiza cirurgias no mundo. São cerca de um milhão de procedimentos por ano. A mais realizada é o silicone, seguido da lipoaspiração e blefaroplastia (procedimento para corrigir pálpebras caídas).

O consumo em massa reforça um ideal cultural impossível. “Trata-se de uma retroalimentação bem cruel”, comenta Ryoki e finaliza: “nós nos organizamos em sociedade e a gente nunca está sozinho. Isso implica que a gente não é a gente sozinho. Nós somos sempre para o outro, com o outro, em relação ao outro e tendo o outro como parâmetro e como espelho.” Com isso, entende-se que a publicidade, querendo puxar o apelo da massa, tenta se fixar em um padrão inalcançável, fazendo com que essa massa de consumo continue em busca desse “outro” perfeito. Assim, até os corpos expostos em anúncios e tidos como ideais apresentam edições para chegar mais perto do conhecido como “perfeito”.

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