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Gestação do coração

Famílias contam como é a espera por um filho adotivo durante a pandemia da Covid-19

Allanis Menuci, Isadora Martelli, Milena Chezanoski e Maria Eduarda Cassins.

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Às vezes as coisas não vêm quando desejamos, mas sim quando precisamos. Após duas tentativas não bem-sucedidas de gravidez e seis anos na fila de espera, Maria Luíza Bastos, assistente administrativa, e Edivaldo Oliveira Bastos Júnior, analista financeiro, conseguiram completar a sua família por meio da adoção. O caminho para a chegada da criança não foi um momento fácil. O processo parecia ser infinito e carregado de inseguranças. Porém, toda a demora foi ressignificada quando o sonho do casal de tornou realidade. Eles não tiveram dúvida de que encontram seu filho do coração

O primeiro passo da família foi procurar a Vara da Infância e da Juventude para informá-los do desejo de entrar para a longa fila de adoção. Após um curso preparatório de quatro semanas, eles tiveram a autorização da para dar início ao processo. Edivaldo e Maria Luíza passaram por um questionário sobre as características físicas da criança, mas para eles a cor da pele ou o sexo não importavam, o amor seria o mesmo. ”Essa fase é bem complicada, pois quando nós planejamos um filho não sabemos como ele virá, mas nas opções colocamos que não tinhamos preferência entre o sexo e a cor [da pele] do nosso filho, mas queriamos pegar a primeira infância da criança então os principais critérios eram ter entre 1 a 3 anos, e na parte de doenças, se fosse o caso, seria uma doença tratável’’, comentou ela. O ano era 2013 e ali iniciava o processo de adoção da família Bastos.

A espera não foi fácil para o casal. Maria Luiza chegou a desenvolver um quadro depressivo após cinco anos na fila. “A gestação do coração, como a gente chama, é muito sofrida por todos os anos na fila de espera.” Para conseguir cuidar de seu psicológico, ela se desfez de tudo que havia preparado. O quartinho da criança estava pronto e decorado desde o início do processo. A esperança de Maria e Edivaldo estava por um fio, quando a Vara da infância e da juventude entrou em contato para informar que Cézar estava à espera deles na Casa Lar. Mais tarde, o casal descobriu que a espera prolongada era resultados de erros no cadastro.

“A gestação do coração, como a gente chama, é muito sofrida por todos os anos na fila de espera.”

Maria Luiza, Assistente Administrativa

A inserção de um novo capítulo na história de famílias brasileiras que adotaram crianças na pandemia.

Acervo pessoal da família Bastos.

Cézar é uma criança super amorosa e se adaptou extremamente bem com toda a família.

“Nesse meio tempo, as crianças de 1 a 3 anos eram as mais procuradas. Então, para acelerar o processo, pedimos para mudarem para crianças entre 1 a 6 anos, mas depois do encerramento descobrimos que eles não mudaram e esperamos os 6 anos [de fila de adoção] mesmo.”

Devido à pandemia, o contato entre as famílias e as crianças ficou mais apressado. Porém, ainda assim, o período de adaptação entre Cézar e seus pais ocorreu de forma bastante positiva, não demorando muito para ele ir morar com Maria Luiza e Edivaldo. ‘’Ele se adaptou super bem, agora é só amor e carinho.’’

Por mais que não seja comum ouvir histórias de famílias que adotaram crianças na pandemia, o Ministério Público do Paraná registrou um aumento no número de adoções em 2020 em relação a 2019. Segundo o MP, Curitiba completou 130 processos de adoção até o dia 18 de dezembro do ano passado - um número recorde ao se comparar com os 113 processos do ano anterior. Já ampliando para nível estadual, o Paraná foi o segundo estado brasileiro a registrar o maior número de adoções entre 2019 e 2021, ficando apenas atrás de São Paulo. Dados do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) indicam que 1.088 crianças, entre 0 e 18 anos, foram regularmente adotadas no estado durante o período citado. Ainda, a Comissão Estadual Judiciária de Adoção do Paraná (CEJA/PR) intermediou 42 adoções internacionais.

Para a promotora de justiça titular da 3ª Promotoria de Justiça de Infância e Juventude, Fernanda Garcez, o aumento do tempo em casa e o aumento do uso de internet possibilitou que as pessoas buscassem um maior entendimento sobre o processo de adoção - principalmente a chamada adoção tardia, que é a adoção de adolescentes e crianças mais velhas. Mesmo com o aumento no número de adoções no Paraná, a promotora vê algumas dificuldades e situações que, infelizmente, acontecem nesse processo por parte das famílias que entram com o desejo de realizar a adoção. Um dos exemplos citados por Fernanda é quando a família busca a Vara de Infância e Juventude para devolver a criança, mesmo após ter completado o período de adaptação e o processo de adoção em si. Com isso, ela comenta sobre as necessidades de um processo cauteloso de análise das famílias e preparação psicológica: “São casos trágicos que, acima de tudo, ensinam a todos nós o quanto de empatia ainda falta na sociedade brasileira, e nos fazem reforçar as cautelas de preparação dos interessados à adoção na fase ainda inicial, de habilitação”.

Já sobre os protocolos consequentes da pandemia da Covid-19 para a adoção, a promotora de justiça relatou não haver muitas mudanças. No início da pandemia, algumas etapas como as entrevistas psicológicas presenciais foram suspensas, mas já retornaram em 2021. Mesmo assim, os processos de adoção em Curitiba não foram interrompidos em nenhum momento.

“Ele era uma criança de feição triste e a partir do momento de adaptação, ele começou a sorrir para nós.” Maria Luiza, Assistente Administrativa

Com as diversas alterações feitas no cotidiano das pessoas ao redor do globo para o ajuste à pandemia da Covid-19, os processos de adoção não ficaram de fora. Segundo dados disponibilizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 3.236 processos oficiais de adoção foram iniciados no Brasil em 2019. Já em 2020, houve o crescimento de 17% desse número ainda em período de pré-pandemia. Mesmo com esse constante aumento durante a quarentena, a quantidade de processos sendo concluídos foi inferior ao esperado pelo CNJ, que se propôs a assinar uma resolução conjunta a outros órgãos sugerindo procedimentos de guardas provisórias para pessoas habilitadas e instituições de acolhimento.

Ainda visando o aceleramento desses processos, o CNJ recomendou aos tribunais a realização de audiências on-line, a fim de priorizar os pedidos de adoção e o contato virtual por meio de plataformas ou aplicativos.

Ionara Carraro, funcionária da SecretariaMunicipal de Saúde de Araucária (no Paraná), atua na área de acolhimento das crianças para adoção, e afirma quehouve adaptações no processo geral por conta da pandemia.‘’O processo de adoção no Brasil inteiro está sendo híbrido, com o primeiro contato dos pais com a criança de forma remota através de videochamadas e, na sequência, com todas as medidas e protocolos de segurança sendo tomados, as visitas presenciais são realizadas gradativamente”, completou Ionara. Em meio a tantos prejuízos e caos causados pela pandemia, essas famílias têm, pelo menos, uma vantagem - a tecnologia acabou colaborando para os processos não estacionarem, e no decorrer disso ainda os acelerou.

ESPERA NA PANDEMIA

Após tentar inseminação artificial e não ter sucesso, o casal Ana Lúcia e João Carlos, que preferem não revelar seus nomes completos, decidiram entrar na fila de adoção. Como a pandemia começou logo que eles entraram com o processo, acabou sendo um pouco mais conturbado, e a cada mudança de bandeira, o fórum poderia fechar e paralisar o processo, o que aconteceu algumas vezes.

Ana e João esperaram por um ano e meio, e mesmo com as dificuldades impostas pela Covid-19, a ligação tão aguardada aconteceu. ‘’Recebemos uma vídeo chamada do Fórum, da psicóloga e da assistente social nos avisando que tinha chegado a nossa vez de sermos pais’’, relembra Ana Lúcia bastante emocionada.

Mas a situação não seria tão simples, afinal o filho de Ana e João estava com o processo em aberto ainda, e eles podiam nem chegar a registrar a criança. Mesmo assim decidiram ser sua família acolhedora. E Ana relata a emoção de conhecer seu filho: ‘’Foi amor à primeira vista, aquele abraço, foi difícil de controlar o choro’’. O casal elogia o sistema de adoção, que apesar de burocrático, teve muito cuidado com todo o processo, que não era simples. Durante a adaptação, eram enviados vídeos e fotos ao fórum para mostrar como ele estava. Até mesmo as audiências foram on-line. ‘’Utilizamos o nosso celular mesmo para acompanhar a audiência no Fórum online com o juiz.’’

Quando trouxeram o menino para casa tiveram que enfrentar o estado psicológico bem abalado de seu filho Mesmo assim, com amor e cuidado, o pequeno se adaptou facilmente à família. E, hoje, o sistema ainda oferece assistência psicológica, principalmente para quando os pais decidirem explicar como é a chamada gestação do coração. Feita a adaptação e a espera da decisão sobre a guarda do menor, que durou um ano e um mês, a família, agora completa, comemora. ‘’Antes nós éramos só um casal, hoje nós somos pais, somos uma família, e ele veio para nos preencher`, dizem Ana e João.

Filho de Ana e João viveu desde o 6 meses em abrigo. Agora está em seu verdadeiro lar.

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