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Tetos sob ameaça

Moradores da ocupação Jardim Veneza sofrem com ameaça de despejo a partir do dia 31 de dezembro

Augusto Vellozo, Guilherme Araki, Tiago Carrar e Vinicius Bittencourt

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No bairro Tatuquara, na região sul de Curitiba, 341 famílias da comunidade Jardim Veneza, área de ocupação irregular, sofrem risco de despejo, por meio de reintegração de posse que está prevista para acontecer a partir do dia 31 de dezembro. Os moradores ocupam a área desde o dia 12 de dezembro de 2020, e passam por dúvidas e incertezas quanto ao futuro.

“Tenho duas crianças e estou desempregada, inclusive eu vim para cá, porque fui mandada embora do meu trabalho com a pandemia. O aluguel foi batendo na porta e o dono vinha atrás para cobrar . Resumindo, eu saí da minha casa com ordem de despejo. Aqui foi uma forma que eu achei de não levar os meus filhos para a rua”, relata Hilhales Adryangelle, moradora da comunidade.

“Eu passei muita necessidade, de não poder comer para deixar para meus filhos, para sobrar para a janta deles. Aqui a gente achou uma forma de sobreviver, não passamos fome graças à cozinha comunitária, podemos almoçar todos os dias. Dependemos daqui, não só pela moradia, mas pela comida, também”, completa a moradora.

Entre as ruas de terra, com subidas e descidas, estão barracos de madeira e lona, alguns até sem banheiro, como é o caso da moradia de Hilhales. Apesar da falta de estrutura e dificuldades, os moradores mostram união e apego ao local onde se instalaram e vivem suas vidas.

A ordem de reintegração de posse já existia mas estava suspensa, sendo validada novamente no dia 21 de setembro de 2021, pelo desembargador Fernando Paulino da Silva Wolff Filho. Porém, no dia 8 de outubro, foi promulgada a Lei nº 14.216/2021, que suspende medidas judiciais e administrativas que resultem em desocupação ou remoção forçada coletiva até o fim de 2021, devido à pandemia de coronavírus. Com base nessa legislação, a defesa da ocupação Jardim Veneza, requereu a suspensão da decisão que ordenou a reintegração de posse. O pedido foi acatado pelo desembargador e a decisão encontra-se suspensa até 31 de dezembro de 2021.

“A partir dessa data (31 de dezembro), o plano de remoção poderá começar a ser realizado e, após isso, a desocupação. A principal preocupação em torno da decisão está no fato de ela condicionar a reintegração de posse à realocação das pessoas em instituições. Sabe-se que não há instituições adequadas para todas as famílias, que acabam sendo colocadas em locais improvisados, como ginásios, por um tempo e, depois, retornam à situação de desabrigo”, afirma Bárbara, do setor jurídico do MTST/PR (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

O plano de remoção demanda, entre outras medidas, que o grupo atingido seja ouvido e atendido, a indicação de locais de acolhimento institucional, que seja a atenção à população que exige atendimento especializado e a orientação das pessoas que têm direito a aluguel social.

“Eu passei muita necessidade, de não poder comer para deixar para meus filhos.”

Hilhales Adryangelle, moradora da comunidade Guilherme Araki

Entrada da comunidade localizada no bairro Tatuaquara.

Sylvia Ramos Leitão, professora de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e doutora em Planejamento Urbano e Regional, comenta que, por meio da Fundação de Assistência Social (FAS), muitas pessoas das áreas de ocupação em Curitiba recebem auxílio e acompanhamento, mas lidar com o número elevado de famílias em um curto espaço de tempo pode dificultar um acolhimento completo. “Então, eles (FAS e Cohab) vão fazer abrigos sociais, que são formas de não deixar as pessoas na rua. Mas isso se dá só até um certo tempo, não é uma coisa efetiva”, coloca ela.

A professora ainda aponta que a pandemia foi responsável por potencializar este problema, a partir da dificuldade das pessoas em encontrar trabalho e ter uma renda fixa, fazendo com que o número de famílias nesta situação seja exponencial. “No frigir dos ovos, são 350 famílias que estão precisando de solução. Só que não é apenas agora na pandemia, mas, sim, uma solução histórica, para um problema que existe em Curitiba desde os anos 70.”

“Nós queremos que eles apresentem uma alternativa de moradia digna, mas pelo que foi apresentado para nós, querem nos colocar em algo como uma instituição. E depois as famílias vão voltar para um não destino, ou seja, para o olho da rua”, afirma Fernanda Cordeiro, moradora da ocupação e liderança comunitária.

“Todos nós que estamos aqui correndo esse perigo e estamos com o coração na mão. Tem noites que a gente perde o sono pensando se vão nos tirar daqui mesmo”, relata Lindair Couto, moradora da ocupação que se encontra desempregada, aos 59 anos. “A gente não consegue comprar uma casa. Eu fui atrás duas vezes depois de ter vindo para cá, porque sempre estamos correndo esse perigo (de despejo).

“No frigir dos ovos são 350 famílias que estão precisando de solução.”

Sylvia Ramos Leitão, professora

Guilherme Araki

Casa de madeira e lona que, segundo moradora, sofre em dias de chuva.

Quando eu falei o meu salário na época, R$ 1.030, o rapaz perguntou se eu tinha algum dinheiro guardado e eu não tinha. Ele falou que sentia muito, mas que eu não conseguiria entrar no Plano da Casa Amarela (programa com o objetivo de viabilizar a produção de empreendimentos habitacionais, em áreas públicas ou privadas) com o meu salário”, completou.

A reportagem da CDM tentou contato com a Companhia de Habitação popular de Curitiba (Cohab), mas não obteve resposta.

Guilherme Araki

Varais improvisados em uma pequena casa da comunidade.

Veja também

Acompanhe a situação da ocupação Jardim Veneza

portalcomunicare.com.br Ocupações irregulares em Curitiba

De acordo com informação da Cohab em abril de 2021, a capital do Paraná tem cerca de 40 mil famílias instaladas em 453 ocupações espalhadas pela cidade de Curitiba. Tratam-se de moradias onde as famílias não têm título dos lotes e não existe planta aprovada de loteamento. Novas ocupações e despejos são recorrentes na cidade, principalmente nos primeiros e últimos meses de cada ano. No dia 7 de dezembro de 2020, moradores da área conhecida como “Nova Caiuá”, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), situada em terreno de propriedade da Prefeitura, sofreram despejo de suas casas. Cerca de 300 famílias foram comunicadas que teriam 30 minutos para deixar o local e, já do lado de fora, foram dispersados pela Guarda Municipal com balas de borracha, bomba de gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Eles não puderam retornar para recolher seus pertences. Também no CIC, dez dias depois, no dia 17 de dezembro de 2020, foram despejadas outras 300 famílias, aproximadamente, em nova ação de reintegração de posse, na Ocupação Nova Guaporé. A ocupação estava instalada no local desde outubro. Após o despejo, as famílias foram para outro terreno, no bairro Campo Comprido, nomeado como Nova Guaporé 2. No dia 6 de fevereiro de 2021, no Tatuquara, bairro em que também se localiza a Vila Jardim Veneza, cerca de 200 pessoas ocuparam um terreno em frente à BR 476. As famílias passaram a madrugada no local, porém foram retiradas já na manhã seguinte.

Guilherme Araki

Casas instaladas agrupadamente na ocupação Jardim Veneza.

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