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VIAGEM A NOVA DANTZIG

Do Sertão do Guairá a Londrina, Quatro Séculos de História

1985-2020

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Azevedo, José Julio de Viagem a Nova Dantzig : do sertão do Guairá aos primórdios de Londrina, quatro Séculos de história /José Julio de Azevedo. – São Mateus do Sul, PR : José Julio De Azevedo Azevedo : Manoel Menezes, 2020. ISBN 978-65-00-03806-4

1. Colonização - História 2. Emigrantes e migrantes – Ficção - 3. Paraná (Estado) – História 4. Romance histórico brasileiro 5. Sertão do Guairacá –Londrina – História 6. Sertão do Guairacá – Londrina – Cambé – Século 20

I. Título.

20-37208 CDD-869.93081

Índices para catálogo sistemáBco:

1. Romance histórico : Literatura brasileira

869.93081

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

Copyright©2020 – Todos os direitos reservados para José Julio de Azevedo / ISBN: 978-65-00-03806-4

Capa e editoração: Manoel Menezes

Impressão: Reproset Indústria Gráfica – Fone: (41)3376-1713

1ª Edição: CuriBba – Julho / 2020

Proibida a reprodução, total ou parcial, por quaisquer meios a não ser em citações breves, com indicação da fonte.

Contato: julio.1.julio@hotmail.com

41-998779291

Sumário

Introdução 9

Famílias e pioneiros citados 13

Personagens históricos e intelectuais citados 17

Capítulo I 19

Rápido perfil do personagem principal / A família / No esconderijo do Zorro / Uma excursão inspiradora / A peroba secular

Capítulo II 32

Rememorando a infância / Uma redação elogiada / Na redação do jornal / Essa tal da Jovem Guarda

Capítulo III 37

Pálido retrato de Nova Dantzig / No jornal do Silvana / Professor Couto / Sob o pé de araBcum / Perigo na estrada de ferro

Capítulo IV 47

Na casa do professor Couto / Uma visita inesperada / Mudando os planos /

Regressando ao passado

Capítulo V 55

Da Europa ao Brasil / Os primeiros dias de uma nova cidade / Tempo de provações / Uma tragédia mundial / A milenar cidade de Danzig

Capítulo VI 77

Manoel e Luiza / A terceira reportagem / Adeus cerejeiras em flor / Mais um mergulho no passado / Imigração japonesa no Brasil

Capítulo VII 96

Os acordeões de Ricieri Codato.

Capítulo VIII 106

João Stefanini, ‘bate-pau’ da polícia / Tempos de ditadura /

Emilio Oldemburg / Festa na serraria / Bailando na roça.

Capítulo IX 117

Emilio Oldemburg / Festa na travessia do Equador / Jornada de um grego / Cambará, boca do sertão / Miss Londrina

Capítulo X 129

Gervásio MaBas, de Carangola ao Paraná / Um alagoano / Lama e maleita Índios, onças e safristas / Nos trilhos da História

Capítulo XI 148

Isaura, a primeira professora / NordesBnos nos sertões paranaenses / Um ilustre visitante / Primórdios da colonização / Fulgêncio Ferreira Neto

Capítulo XII 156

A pequena cosmopolita / Miguel, o redator / BraBslava, um ponto de encontro na História / Um jornalista entre duas BraBslava

Capítulo XIII 169

Rápida passagem pela revolução soviéBca / Um fidalgo entre camponeses da Rússia / A estrada ferindo a floresta / Fridtjof Nansen: esforço para salvar 25 milhões de russos

Capítulo XIV 180

O Prefeito catarinense de Nova Dantzig / Pioneiros evangélicos Racionamento em tempo de guerra / Abastecimento de água e energia elétrica / Banda musical / O Primeiro blackout.

Capítulo XV 202

Nascimento de Rolândia / Judeus refugiados / Alemães perseguidos na 2ª Guerra / Contribuições de Oswald Nixdorf

Capítulo XVI 219

O pensamento universalista de Goethe / Hitler e o nacionalismo / Sobre cristais quebrados / Refugiados em Shangai.

Capítulo XVII 224

Na praça dos touros / Fuga para Gibraltar / Greve na roça / O aprendiz de fotógrafo / Retrato da figueira branca / A memória visual da História

Capítulo XVIII 241

Imigração suíça e alemã no Brasil / Voando no Graf Zeppelin / Entre pássaros e borboletas / O valor da mulher do colono / Passagem por Rolândia.

Capítulo XIX 255

Uma viagem de trem.

Capítulo XX 257

Uma família italiana / Bailão da roça / Paixões clandesBnas / Motorista de taxi / Viagem de trem / A peregrinação da família Dalto / Pe. Symphoriano Kopf / Amizade e cooperação.

Capítulo XXI 264

Duas famílias da Ilha da Madeira / Viagem de pé de bode / A Primeira Missa / Francisco e Emília Mendonça / Sob a luz de candeeiros / Num cargueiro do Lloyd / Construindo um ranchinho de palmito / Despedida / Vida na roça

Capítulo XXII 271

O alvorecer de uma cidade / Heimtal e os alemães da Rússia / Perseguições e prisões durante a guerra / Trilha do café até ao norte do Paraná.

Capítulo XXIII 285

Cine Universo, a úlBma sessão de cinema.

Capitulo XXIV 288

A história de Zé Liba / A JusBça no sertão / Primórdios de Sertanópolis

Memórias de Manoel Teixeira de Souza / Uma comunidade no alto Piquiri / O quebra milho.

Capítulo XXV 298

Ingleses no Norte do Paraná / 1929: crise e oportunidade / George Craig Smith e a primeira caravana / Marco inicial / Malária, a velha bruxa.

Capítulo XXVI 307

A construção da Estrada de Ferro São Paulo-Paraná / Resistência indígena / Trilhos eletrificados / Ingleses da CTNP sob pressão.

Capítulo XXVII 314

Viagem ao coração da selva.

Capítulo XXVIII 318

Clemente Soares, o baiano que chegou antes da CTNP.

Capítulo XXIX 334

Descrição da terra.

Capítulo XXX 341

Jathay na antevéspera da colonização / Nas margens de um rio / Memórias de Antenor / Quando o povo perdeu a querença.

Capítulo XXXI 347

Da velha Áustria à serra dos Dourados / Sumiço dos índios Coroados / Testemunha de uma chacina / José Jofilly / Barão de Antonina / Xetás: “Peixe em Lagoa Seca”.

Capítulo XXXII 360

Grilos gigantescos / Delirantes projetos ferroviários / Sesmarias e posseiros Concessões de terras para colonização / Companhia Agrícola Barbosa.

Capítulo XXXIII 367

Ribeirão Vermelho, anatomia de um “grilo” / Uma “posse” com 90 mil alqueires / Acórdão do Supremo Tribunal Federal.

Capítulo XXXIV 378

Confronto entre grileiros, fazendeiros e posseiros na área dos gigantescos grilos.

Capítulo XXXV 382

Índios e fazendeiros na província de São Paulo / Um tropeiro em busca do “Paiquerê” / Os índios e a história oficial / Saint Hilaire, Bigg-Wither, Telêmaco Borba: testemunho de viajantes do sertão.

Capítulo XXXVI 390

Joaquim Francisco Lopes, o sertanista / John Henry Ellio^ com caingangues no norte do Paraná, depois dos bandeirantes.

Capítulo XXXVII 395

Viagem de Juan Dias de Solis / O primeiro aventureiro a chegar ao Peru / A resistência do cacique Guairacá / Descrição de Cabeça de Vaca / A negaBva de Aracaré.

Capítulo XXXVIII 404

Os índios e a Companhia de Jesus / A estratégia de Dom Hernando / Reduções no Guairá e escravidão nos ervais / Guerra aos índios “infiéis” / Invasões dos bandeirantes no sul do Brasil.

Capítulo XXXIX 408

Revisitando os “Manuscritos da Coleção de Angelis”.

Capítulo XL 431

O dilúvio / Uma viagem ao passado / Na terra caingangue Caingire, brinquedo de índio / O regresso à Nova Dantzig.

Capítulo XLI 441

Epílogo

Apêndices 450

Posfácio 456

Bibliografia 457

Encarte (FOTOS) 465

Capítulo I

Rápido perfil do personagem principal / A família / No esconderijo do Zorro /Uma excursão inspiradora / A peroba secular (trechos)

– Bom dia, seu Olavo Godoy!

– Bom dia, professor, vejo que chegaram no horário combinado!

O professor e o motorista sentaram-se em cadeiras, ao lado do anfitrião. Os jovens encostaram-se ao longo da mureta, que separava o jardim do alpendre.

– Meninos, enquanto dona Mariana prepara um cafezinho, colhido, torrado, moído e coado aqui mesmo, vamos bater um papo. Depois a gente vai caminhar uns dois quilômetros até à reserva. Muito bem, professor, estou à sua disposição para responder o que puder, de acordo com minha modesta cultura.

– Seu Olavo, o moBvo principal desta excursão é justamente incenBvar a garotada a culBvar o gosto pela natureza e o interesse pela preservação das florestas.

Voltando-se aos alunos: a mata que vamos conhecer é uma das poucas remanescentes da vigorosa floresta da região. Há muito tempo toda esta região era ponBlhada de furiosos vulcões. A natureza levou milhões de anos para criar as caracterísBcas geológicas e geográficas atuais. Outros milênios foram necessários para formar esta rica terra vermelha, lava apodrecida, de onde surgiu a poderosa flora e a fauna locais. Vocês poderiam imaginar que, há pouco mais de trinta anos, cerca de 90% do norte do Paraná era coberto por uma exuberante mata subtropical? O que vocês vão conhecer é fruto de uma consciência ambiental rara, em nosso meio rural. Desde o início do século, quando a colonização começou, no norte do Estado – a parBr do Noroeste do estado – conhecido por “Norte Velho” – as florestas passaram a ser destruídas com grandes queimadas, machados e trançadores, abrindo espaço para o café, principalmente. O homem enfrentava a floresta como inimigo a ser vencido. O código Florestal do Paraná, de 1907, orientava e garanBa a proteção das florestas, exigia que parte de cada propriedade fosse conservada em mato – e havia glebas de até cinquenta mil alqueires. Mas, por falta de consciência e fiscalização, efeBvas, grande parte das matas, nas propriedades, foram devastadas. Vamos agora fazer algumas perguntas ao ilustre fazendeiro, pois ele tem precioso conhecimento a transmiBr. Faz parte da História deste patrimônio de valor inesBmável. Não estamos numa sala, mas trata-se de uma aula! Prestem atenção, anotem no caderno, meninos, que isto é matéria para a próxima prova. Vocês também poderão fazer perguntas ao seu Olavo. Antes de tudo, gostaríamos que o senhor contasse como é que, em sua terra natal, chegaram informações sobre o Norte do Paraná.

Legenda foto

Álvaro Godoy em frente a seu rancho na an ga sesmaria, em 1930.

– Meu pai sempre foi um homem da terra, lidando com gado na região de Campinas, onde nasci. Foi em 1923 que ele comprou terras aqui no Paraná, conhecendo apenas o mapa da gleba. Essas terras pertenciam a herdeiros de um tropeiro. Por ocasião da Guerra do Paraguai, aquele tropeiro transportava manBmentos, com seus carros de boi, em pleno sertão, abastecendo as tropas brasileiras, na fronteira com aquele país. Ao terminar a guerra, em reconhecimento pelos serviços prestados, D. Pedro II deu-lhe uma sesmaria, que os tais herdeiros lotearam. Foi em 1930 que, acompanhando outro comprador, meu irmão Álvaro veio tomar posse das terras. Eu cheguei em 1936, com quatorze anos de idade.

Assim é gostoso assisBr aula – pensou Miguel. As palavras do pioneiro atraíam, de fato, a atenção dos adolescentes. O professor José moBvava-os com sabedoria: aprendiam ali um pouco da História da região, contada justamente por alguém que fazia parte dela. Miguel, enfrentando certa Bmidez, perguntou:

– Seu Olavo, quando seu irmão chegou, em 1930, ainda Bnha índio por aqui?

– Meu filho, pouca gente vivia na região. Havia um povoado, Jathay, junto à margem direita do rio Tibagi, que foi fundado em 1851 pelo governo imperial do Brasil, como uma colônia militar. Naquele tempo já havia o conflito diplomáBco com o Paraguai, com relação às fronteiras entre os dois países. Então o governo criou a colônia para sua defesa. Havia também um lugarejo anBgo, chamado São Roque, hoje Tamarana: uma populaçãozinha de índios e mesBços. De vez em quando aparecia algum índio, aqui. Eles procuravam serviço: o que sabiam fazer era derrubar mato, queimar e plantar pequenas roças.

Quando chegou, em 1936, Olavo encontrou o irmão Álvaro morando num ranchão, feito de palmito e coberto de tabuinhas de pinho. Havia uma clareira no mato, uma roça de milho e alguns porcos, comprados de um safrista. Da mesma forma que os paulistas e mineiros penetravam a região, na direção norte/sul, esses safristas subiam em direção oposta. Levavam uma vida seminômade esses caboclos paranaenses, criadores ou compradores de porcos. Abriam clareiras nas matas, plantavam milho e abóbora, para alimentar os suínos. Quando a vara estava pronta para o abate, os safristas compravam os porcos e levavam, a pé, até Jathay. Ali os bunodontes eram negociados com compradores paulistas.

– Quer dizer que criar e vender porcos era a única aBvidade econômica, nessa época, na região? – perguntou o professor.

– Não. Havia também um anBgo comércio de peles de animais selvagens, feito por caçadores. Em 1930, uma empresa de origem inglesa, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), começou a vender lotes de terras. Ela havia adquirido em 1925 centenas de milhares de alqueires, na região: terra roxa, excelente para café.

Naquele ano a CTNP e os primeiros compradores de lotes construíram os primeiros ranchos da futura cidade de Londrina; era iniciado também o comércio de madeira de lei, como a peroba, com a instalação de serrarias.

– Seu Olavo – perguntou o professor – como é que surgiu a ideia de preservar uma área tão grande de floresta, além daquilo que mandava a lei?

– No início fazíamos as derrubadas do mato. Depois, ateávamos fogo, queimávamos a mata. No outro dia eu ia andar pela clareira, pra ver se o fogo havia se alastrado. Eu sempre carregava um saco, nessas andanças. Naquele dia, mais tarde, chegou o Álvaro e perguntou: “O que é que você tem dentro desse saco?” Veja, eu disse, achei dois cateBnhos e um filhoBnho de veado, no meio da queimada. Então ele disse: “Você não sabe que cateto não se dá bem com veado?” “É - eu respondi - mas na hora da tragédia fizeram uma trégua!” E caímos na risada. Então levei os bichinhos para essa região, que até hoje ficou preservada. É uma área muito propícia para uma reserva, porque tem o espigão, que é a parte mais alta, e as baixadas com minas de água e riachos – isto é, diversos Bpos de habitats. Naquela noite, a gente conversava no rancho, sob a luz de uma lamparina. Meu irmão disse: ‘Nós precisamos cuidar daquilo para os bichos; não podemos deixar as matas todas se perderem’. Eu disse que estava de acordo. Ali ninguém mexeu mais! Hoje são quase trezentos alqueires de florestas.

Nesse momento chegou dona Mariana, com um sorriso luminoso que seus antepassados trouxeram da África, no rosto moreno. Colocou a bandeja com as xícaras de café puro numa mesa de madeira. O aroma perfumando o ar. Depois do cafezinho com biscoitos de polvilho a turma toda seguiu seu Olavo, rumo ao santuário ecológico.

Penetrar na floresta, com a turma toda, não era aconselhável. Por isso, seu Olavo preferiu guiá-la por uma trilha aberta. Miguel ficou de boca aberta frente à visão maravilhosa: os leques dos palmitais inclinados graciosamente sobre a vereda, entrelaçados de cipós. Outras vigorosas árvores erguiam bem alto as suas copas, abrigando em seus galhos uma mulBforme variedade de parasitas, orquídeas e bromélias em flor. Os pássaros riscavam o ar, deixando o eco de seu trinado. O chão úmido, por onde passavam, estava coberto de folhas em decomposição. Nas margens da trilha brotavam samambaias de diversas espécies. O cicerone ia idenBficando as árvores: marfim, cedro, peroba, caviúna, cabriúva, figueiras colossais. IdenBficava também alguns pássaros menos ariscos à passagem da irreverente caravana: sanhaços, baitacas, jandaias e até um tucano do papo amarelo, que calmamente devorava uma vagem de ingá. Depois de algum tempo de caminhada, o guia atraiu a turma para o interior da floresta, deixando a trilha. Parou onde havia um tronco redondo e reBlíneo, formoso, abrindo sua copa lá em cima, a cerca de cinquenta metros de altura, por sobre todas as outras espécies da flora naBva. O professor, então, ao passar as mãos na casca grossa da árvore, ensinou:

– Observem esta peroba, ela tem cerca de mil anos de idade: é preciso cinco, seis homens, para abraçá-la. Derrubada, poderia render uns cinco mil dólares. Mas, em pé, seu valor é inesBmável. Enquanto Olavo viver, com certeza, ninguém vai derrubá-la! (trecho)

Capítulo V

Da Europa ao Brasil / Os primeiros dias de uma nova cidade / Tempo de provações / Uma tragédia mundial /

A milenar cidade de Danzig

Seguindo a orientação do editor do jornal, Miguel foi em busca de outros pioneiros. Perguntando aqui e ali, chegou à casa de madeira onde vivia dona Catarina, a mãe de Érica, uma professora que gostava de culBvar flores e cuidar de gaBnhos. Em qualquer época do ano havia flores em seu jardim. Rubens, seu esposo, era um excelente eletrotécnico no conserto de rádios e vitrolas. Sua oficina ficava na rua Alemanha, que depois passou a ser Belo Horizonte, por Decreto do Presidente Getúlio Vargas: que proibiu nomes de cidades ou logradouros de países inimigos, na 2ª Guerra Mundial. Miguel passou pelo portão, cruzou o corredor florido, ao lado da casa, todo aromaBzado pelo inebriante perfume dos lírios da “datura inóxia”. Foi recebido no pequeno alpendre interno, onde dona Maria Catarina o recebeu. Só depois de várias visitas é que se dispôs a contar algo de sua vida e também dos primeiros imigrantes de Dantzig, que viveram os primeiros anos na pequena vila rural, o “Danziger Hof”.

Katherine Kuns Noske – seu nome de baBsmo - é a úlBma imigrante de Dantzig que ainda vive na cidade, além de alguns membros da família Tkotz, Lapuse e Peus. Seu pai chamava-se Paulus e a mãe, Auguste Kuns. Katherine chegou ao Brasil, com seu esposo, Richard Noske, juntamente com outras famílias de dantziganos na segunda leva de emigrantes da “Cidade Livre”. Nasceu em Danzig no dia 8 de dezembro de 1903. Passou a infância na pequena propriedade rural da família, nos arredores da cidade. Ali, em tempos de paz, viviam farta e laboriosamente, culBvando cereais, frutas e hortaliças, além de manterem uma pequena criação de gado, porcos e aves. A pequena dedicava especial atenção à sua criação de coelhos. Vivia com os irmãos Alexander, Margaretha, Paul e MaBlde. Perdeu o pai quando Bnha apenas dois anos –por isso os pequenos foram criados com a ajuda de um avô, que vivia no síBo; e também por um Bo, que era o tutor das crianças. Mergulhando em suas memórias Katherine lembra a paisagem de sua infância: – Tínhamos um belo jardim na frente da casa, que era grande e bem construída, para enfrentar o inverno, que era longo e rigoroso no norte da Europa. Por isso, a gente Bnha que dar o duro no verão, para ter o que comer nos meses frios, e também para alimentar os animais, com aveia e alfafa que a gente guardava em fardos.

Assim que estourou a Primeira Guerra Mundial o irmão mais velho foi convocado para lutar pela Alemanha. Desses longos e sofridos anos, lembra das tropas do exército, que chegavam e confiscavam alimentos e animais, na zona rural. Para garanBr alguma proteína a família Bnha que criar porcos ocultos, no porão da casa: e rezar para que seus grunhidos não alertassem os soldados. Nessa época Auguste, a mãe da família, levava, escondidos sob as roupas ou disfarçados de alguma maneira, queijos, ovos e legumes, para socorrer alguns parentes que viviam na cidade de Danzig. Certa ocasião uma escolta trouxe dois soldados russos, prisioneiros de guerra, para trabalharem no síBo. Katherine, então com 15 anos, comunicava-se com eles através de gestos. Meses mais tarde a família recebia seu primogênito, que voltara do front por estar muito doente. O rapaz ficou meses sem poder trabalhar, mas conseguiu sobreviver ao trágico conflito.

Em meados 1932 duas levas de imigrantes dantziganos já estavam no Brasil. Nessa época a cidade de Danzig, na Europa, Bnha cerca de duzentos mil habitantes. Urbe cosmopolita, com universidades, museus, academias de ciências, teatros, catedrais e edificações seculares. Graças à sua posição geográfica – junto às rotas fluviais, maríBmas e terrestres – exercia importante papel no comércio, pesca e transportes. Seus estaleiros produziam grandes navios. Havia fábricas de máquinas e de produtos químicos.

Danzig, segundo pesquisas históricas, nasceu de um anBgo vilarejo de pesca, no delta do rio Vístula. Por volta do ano 1000, possuía cerca de mil habitantes – era a “sede dos senhores eslavos de Danzig”. Em 1178, mercadores alemães começaram a ocupar a região, trazendo notável desenvolvimento econômico: com isso a região passou a ser, em 1240, parte da “Liga HanseáBca”. Começava, então, um período de lutas entre eslavos e germânicos, e conseguiram se impor em 1301. Em fins do século XIII, o porto de Danzig tornou-se elo de ligação com vários países da Europa e, por via terrestre e fluvial, com a Polônia, o Império Kiewer e Bizâncio.

Em 1361, a cidade promulgou sua primeira ConsBtuição. Tinha então cerca de dez mil habitantes, a maioria de origem alemã. Firmou-se, culturalmente, como uma cidade internacional. Entre 1361 a 1416, a cidade voltou a sofrer por causa de sangrentas lutas, por sua posse – após breve pacto com a Prússia, retornou o domínio polonês. Os Séculos XVI e XVII marcaram o apogeu comercial, voltando a fazer parte da Prússia em 1793. Em 1807, foi saqueada por Napoleão, que lhe conferiu o status de Cidade Livre. Mas, sete anos depois, foi reconquistada pela Prússia. Com a rendição alemã, em 1918, que colocou termo à Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Paz de Versalhes deu a Danzig, a condição de Estado Livre. Seu território era ligado à Polônia por uma união aduaneira, sob o controle da Liga das Nações. A grande influência econômica que a Polônia passou a ter, na região, fez com que a população, majoritariamente alemã, se senBsse prejudicada por concorrentes poloneses. A consequência disso foi o desemprego, tensão social, crescente rivalidade entre poloneses e alemães, principalmente (6/27).

A região mais anBga de Danzig abriga construções notáveis e históricas, como a igreja “Marienkirche”, em esBlo góBco, do Século XVI; o páBo “Artushof”, os ediecios “Zeughaus” e “Krantor”, entre outros, à beiramar, com esBlo fpico dos séculos XVI a XVIII. Em 1931 a cidade ainda se erguia dos graves prejuízos da primeira grande guerra. Como resultado ocorreu a crise econômica que a depressão de 1929 acentuara. Nessa época, suas ruas eram transformadas em palco de manifestações grevistas e de agitadores de facções políBco-ideológicas. Por toda a Alemanha, a situação era insustentável. Os estrangeiros reBravam seu capital do país; reservas disponíveis desapareciam dos bancos e a indústria agonizava. Tudo isso favorecia a ascensão do parBdo Nacional-Socialista, conhecido como parBdo Nazista, de Adolph Hitler que, em 1930, conseguira maioria parlamentar.

Após esse breve resumo, para localizar o prezado leitor no contexto histórico, vamos conBnuar o relato da conversa do nosso personagem com sua entrevistada, que também sofrera as consequências dessa crise:

– A situação estava muito diecil para nossa família. Meu noivo, apesar de ser formado no InsBtuto Politécnico, não conseguia emprego. Certo dia, quando eu ia de bicicleta até a cidade, para encontrar-me com ele Bve que parar na entrada de Danzig. Um grupo muito barulhento, da “Juventude Nazista”, fazia um desfile. Os jovens erguiam os estandartes vermelhos, com a suásBca desenhada em negro. Marchavam como militares, cantando o hino do parBdo nacional-socialista. Quem entrava nesse parBdo logo arrumava emprego, ficava bem de vida. Mas meu marido nunca quis parBcipar desse movimento. O jeito foi deixar Danzig assim que surgiu uma oportunidade.

Miguel, vivamente interessado, acompanhava o relato de Katherine. Indagou: – E essa oportunidade, como apareceu?

– Assim que nos casamos, Richard viu um anúncio, num jornal, oferecendo terras no Brasil. Era um corretor ligado à Paraná PlantaBons: empresa de Londres, que controlava a Companhia de Terras Norte do Paraná, que vendia glebas no estado do Paraná. Os interessados eram convidados a parBcipar de reuniões, para conhecer as propostas. Eu fui com meu noivo a uma dessas reuniões.

O casal, na hora marcada, chegou ao local indicado. Havia dezenas de interessados. Eram bancários, escriturários, profissionais urbanos desempregados; comerciantes à beira da falência, técnicos e até alguns profissionais liberais. Eles se reuniam em um “kaffee” na estrada de acesso entre Danzig e Langfuhr. O entusiasmado corretor falava da ferBlidade da terra, preço e facilidades de pagamento, em prestações anuais. A região em breve seria servida por uma eficiente estrada de ferro, com estações intermediárias, Bnha uma terra roxa, basálBca muito rica, das melhores do mundo. Haveria hospedagem gratuita, nos primeiros dias e uma estalagem provisória junto à gleba dos lotes reservados.

Era uma nova esperança de vida para muitos desesperados, uma tábua de salvação. Um futuro! O entusiasmado corretor contagiou a maioria dos presentes. Esses dantziganos começaram a fazer planos. Numa dessas reuniões, até escolheram o nome da futura cidade que pretendiam fundar na região selvagem: “Neu Danzig”’.

Depois de cerca de um mês de viagem, desde que o navio parBra do porto alemão de Bremem, a primeira leva de emigrantes chegava a Santos. O sol da manhã fazia resplandecer as águas da baía. A visão das montanhas intensamente verdes, emolduradas pelas palmeiras em movimento, o calor – essas foram as primeiras imagens e sensações das famílias que chegavam ao Brasil. Depois de uma longa e cansaBva viagem de trem, chegaram à vila de Jathay, famosa pelas suas víBmas de malária. No outro lado do rio Tibagi, atravessado por balsas, guindadas por cabos de aço para vencer a correnteza, a jardineira da colonizadora os aguardava. Era um pequeno ônibus aberto que mais tarde ganhou o apelido de “CaBta”. Cerca de uma hora depois estavam no Patrimônio Três Bocas: primeiro nome da futura cidade de Londrina.

(TRECHO)

Capítulo VI (trechos)

Manoel e Luiza / A terceira reportagem / Adeus cerejeiras em flor / Mais um mergulho no passado / Imigração japonesa no Brasil (...)

Viagem de São Paulo a Nova Dantzig de carroça

João Almerindo da Silva ouvia “bondade, só bondade”, do norte do Paraná. Ficou convencido e veio com a família seguindo os corretores, Raimundinho e Eugenio Brugin. Antes de mudar comprou as datas (lotes urbanos) onde a família iria morar e o síBo de cinco alqueires, na futura avenida Brasil. Depois comprou mais dois alqueires onde, décadas depois, foi construído um conjunto de casas populares:

– Do siBo do Cilião até o cemitério era tudo do meu pai, não fomos mais pra roça. Trabalhava aqui, armazém, recebendo café, cereais durante vinte anos até os Codato falir. Chegamos em novembro de 32. Eu, pai, mãe, irmãos. Eu e o Aguinello viemos por terra, com a carroça puxada por três burros, trazendo certas mercadorias diecil de despachar. O resto veio de trem até Jataizinho, depois de caminhão (sic).

A primeira providência de Manoel foi fazer um mangueirão de troncos de palmito para fechar os burros. Nova Dantzig em 1933 se resumia à casa dos Almerindo, o bar de uma japonesa, a venda do Alberto Koch, a padaria do O^o Gaertner. Conforme o entrevistado havia “uma vendinha pro lado de cima onde ‘tava feito o correio, aonde eu ia lá buscá carta da namorada – na esquina da Brasil com a Equador. Na igreja do lado de cima Bnha um manguerão de palmito de fechá porco que traziam de Ibicatu, por ali. Os porquero esperando algum caminhão que aparecia pra carregá os porco”(sic).

Enquanto Manoel fazia o mangueirão para guardar os burros seu pai construiu uma casa na esquina da avenida Brasil com a praça Santo Antônio, para moradia. Ele veio antes para fazer o rancho, depois é que veio toda a família. Manoel:

– Nossa carroça ficou encostada. A casa era um começo de rancho feito de palmito e coberto de tabuinha. Nóis rachava as tabuinha e cobria. Mais tarde fizemos o resto das três casa. Meu pai morreu em 1936, com 61 anos, víBma de um enfarto. Era 13 de junho, dia de Santo Antônio. Ele e eu em 1934 ajudamos a fazer a Igrejinha, serrando tábuas. Tinha mais carpinteiro ajudando (sic).

Depois de se casarem Manoel e Maria Luiza Zimmermann ficaram alguns meses em Palmital. Em 1934 estavam de mudança para Nova Dantzig. O local de sua moradia Bnha a visão privilegiada, na futura avenida Brasil, porque era o caminho de quem vinha do sul do Distrito: Fazenda Bulle, São Domingos, BraBslava e a colônia dos danziganos.

Maria Luiza:

– Em 1941 voltamos para Palmital pra ganhar a Conceição porque morria muita criança aqui de desinteria, por causa da água. Mais tarde chegou o Dr. Luso, seguido do seu Antônio Muniz Franco, primeiro farmacêuBco. Mas antes disso era diecil! O único poço que Bnha o pai do Manoel que fez, não dava conta. A gente ia até o rio São Domingos de carroça pra lavar roupa, era mato só. E as crianças por causa da água morriam. Aqui era gozado: passava gente trazendo aquelas pessoas que morriam enroladas dentro de lençol, ou rede. Tinha uns que vinham doentes e chegavam mortos. Aqui não Bnha médico, levava até Londrina. Vinha um bando a cavalo e outro bando a pé. Um pouco carregava dois, um de cada lado da vara, o doente ou morto amarrado no meio; outro pouco, outros carregavam nos ombros. Parecia assombração, dava medo! Aqui pegavam a jardineira que vinha uma vez por dia. Quando chovia muito iam a pé até encontrar o ônibus. Depois veio o Dr. José Luso. Ele era do governo, do exército, depois foi embora.

Luiza conta também que um dia matou uma grande cobra: “onde hoje é a porta da igreja, dessa grossura! Ela ‘tava com a cabeça assim, no ar. Ali ainda era matão. As crianças foram brincar e vieram gritando. Cheguei com a espingarda e dei um Bro. Aparou o pescoço da cobra”: Era uma jararacuçu, víbora peçonhenta. Nesse período os jovens alemães de Danzig vinham à cidade a cavalo, subiam a estrada e passavam pela casa da esquina, ao lado do mato onde seria erguido o templo de madeira. Maria comenta: “Os alemães passavam e falavam pra minha sogra: ‘Filha sua?’ Queriam me namorar, porque eu era loira”. (trecho)

Do país das cerejeiras à vila de Nova Dantzig

As famílias dos imigrantes Kanezo Takarashi e Narahara abriam na vila pequenos empórios para atender à demanda do Patrimônio da Lorena, colônia nipônica fundada por Koji Yoshikawa em novembro de 1932. Chegavam, em seguida, as famílias de Takey Miyazaki, Riyei Sonomura e Tsutomi Ueda. As famílias de Takeshi Sugueta, Ryu-Ishi Shimada, Mamoru Sassaki e Yoshitaro Uratani fortaleciam a colônia que, em 1937, contava com escola e associação cultural; ficava ao sul do “Danziger Hof”. Junto ao rio Barra Grande, desde 1932, viviam as famílias de Mikitaro Otake, KoiB Tsukamoto, Maeda, Matsumoto, Kazuyoshi, Tanaka, Ito e Iwase.

Conforme Massao Ohno (6/21), em 1908, com a chegada de 781 famílias de japoneses ao Brasil – contratados para trabalhar em fazendas de café no interior paulista – era iniciada oficialmente a emigração nipônica ao nosso país. Desde então, até a década de quarenta, cerca de cento e cinquenta mil nipônicos navegaram rumo ao mesmo desBno. Tudo isso aconteceu depois do acordo firmado entre os governos dos dois países, em Paris, no dia 5 de novembro de 1895. Esse grande fluxo de emigrantes ocorria em função do Japão se encontrar com a economia enfraquecida por duas guerras sucessivas. A primeira, contra a China, em 1894 e, em 1904, contra a Rússia: as duas vitórias não amenizaram uma situação diecil, composta de desemprego e desespero, pelo excesso de população e falta de terras para a agricultura. Os pioneiros embarcaram no navio “Kassato Maru”, ancorado no porto de Kobe. Fugiam do colapso econômico de meados do Século 19. Em 1918 chegavam a São Paulo 2.673 imigrantes nipônicos – a maioria desBnada à zona cafeeira paulista. Hoje é significaBva a contribuição desta parcela da população brasileira, para o progresso do nosso País, na agricultura, culinária, cultura, artes, etc. A honesBdade e dedicação de seus descendentes honram o nosso País.

Miguel sabia que o Oriente não ficava longe. Bastava atravessar a rua de sua casa. Entrou na mercearia de Massako Yamamura Ueda, para conhecer sua história. Anos mais tarde, daquele diálogo e entrevistas posteriores, Miguel escreveu a narraBva abaixo – elaborada a parBr do texto então publicado nas páginas do “Nova Dantzig Nofcias”, editado pelo Silvana.

A pequena Massako brinca com uma amiguinha. Brotando do Oceano Pacífico o sol nasce e brilha nas delicadas flores das cerejeiras. Pequenas, rosas claras, inundam de alegria o Japão, quando chega abril Cantam e colhem florinhas do chão, para fazer colares: – Arugakita! Arugakita!

Papai observa as crianças, sentado na varanda, fazendo tatami. Do rádio ouve reclame. É o governo prometendo passagens e emprego a emigrantes. Nessa manhã distante de 1928, um nome leva sua imaginação para bem longe de Kumamoto: Brasil! Mamãe chega trazendo frutos da terra no cesto de vime: peras, nabos, rabanetes. Ela é quem trabalha no pequeno pedaço de terra arrendado. Além de frutas e legumes, planta arroz e trigo. Papai conta: “no inverno vamos para Brasil”. Mamãe concorda; silenciosa, submissa, pensaBva.

28 de novembro. No porto de Kobe, dezenas de crianças, com uniformes escolares cantam “Hotaro nokikai” – música de despedida. Jogam serpenBnas coloridas nos que embarcam no cargueiro Wakasa Maru. Massako tem dez anos. Não imagina quão longa será a viagem – dois meses, dois dias. Bandeirolas brancas e vermelhas enfeitam o navio que zarpa. A menina tudo vê com ingênua alegria nos olhos. Adultos, pensaBvos, imaginam o futuro ancorado num conBnente distante, milhares de milhas, além-proa. As crianças estão no convés, brincando com bolas, petecas e ping-pong. Um marujo brincalhão oferece frutas, doces e bolachas para os pequenos.

Anoitece. Massako descobre que o navio está navegando no ouro. A luz torna-se prata quando chega lua. Essa visão agora é um tesouro guardado na alma. Sagrado como saudade. Brilha a viola de três cordas que o pai toca: faz vibrar as cordas do shamizen com melodia de esperança.

Manhã. Círculo de fogo alumia o rosto de quem olha o oriente. Massako, Tieko, dezenas de crianças gritam. Apontam com os dedinhos à inquieta tribo de golfinhos – mergulham no ar, fazem malabarismo sobre a cauda. Ao longe, uma baleia esguicha água, como uma fonte, acompanhada do filhote.

Tarde. Passageiros, tripulantes saúdam, da amurada, navio irmão que cruza o Wakasa Maru – buzina soa alto em resposta à nave que regressa à pátria. Tieko ouve essas aclamações, corre de sua cabine, deixando na mesa o caderno das aulas de Português. Navio oscila. A menina tropeça e cai de uma escada. Hoje não tem teatro. Nem cinema. Papai de Massako não alegra marujos com sua viola. O céu esconde suas estrelas, manto de nuvens cinza. Ondas encapeladas sacodem o navio. Um copo cai e se quebra. Alguém fuma, sentado ao rés do chão. Papai, mamãe e irmãos de Tieko abraçados – choram baixinho. Nem escoBlhas fechadas abafam gemidos de dor. Nem os raios, trovões da tempestade. Pequena Massako observa de longe o caixão iluminado por uma vela. Tieko tem o rosto coberto por um lenço branco. Ela dorme, não quer mais brincar. Sua alma voa como passarinho novo. Pousa no mastro mais alto – e parte. A dança de relâmpagos iluminando as trevas amedronta Massako. Noite ainda. Ecoa o som seco, dolente, do tambor. O imediato anuncia, sob um guarda-chuva, a todos os viventes do navio que há luto. Manhã. Professor de Português reúne crianças. Ensina música budista para a solenidade. Um monge canta sutras. Cheiro de incenso no ar. O caixão circula o convés, sobre quatro ombros, levando areia e o corpo de Tieko. O cortejo acompanha a marcha fúnebre, executada com tambor e flauta. A urna escorrega pela rampa de madeira. Corais crescerão sobre o pequeno corpo que vai alimentar algas azuis, caranguejos, cavalos marinhos.

A nave aporta. Sol tórrido derrete açúcar cristal em um armazém do cais, na África do Sul. Homens negros fortes, grandes dentes, sobem a escada de portaló. Apavorados japonesinhos correm; se escondem sob o vão de uma escada. Espiam os estranhos passageiros embarcando.

Noite. Ouvem seus tambores e instrumentos de corda. Negros cantam, dançam com vigor, graça e agilidade – suor nos corpos luzidios. Depois, dormem em redes ancoradas no porão.

31 de dezembro. Famílias se reúnem. Adultos e crianças, com trajes de festa, cantam juntos hinos budistas. Uma pessoa sorri e se inclina diante de outra pessoa que se inclina e sorri. O navio cruza a linha imaginária do ano novo. No primeiro dia tem festa de corrida. Massako fica vendo papai que parBcipa, sentadinha ao lado da mamãe.

Agora Wakasa Maru cruza a linha do Equador – conBnua a navegar até o porto de Santos. Pequena mulBdão desce. Terra firme depois de dois meses de oceano. Ali, no páBo, sete famílias budistas firmam propósito de ficarem juntas, na terra estranha. Trem para São Paulo. Ediecio MarBnelli domina paisagem urbana. São levados à Hospedaria dos Imigrantes, insBtuição do governo paulista que recebe e facilita acesso dos estrangeiros ao colonato em fazendas de café.

Contrato obriga japoneses para trabalho de dois anos, nas fazendas. As sete famílias são designadas para o Município de Santa Rita, fazenda Córrego Rico. Papai esquece o shamizen e tatame, tapete que tanto gosta de fazer. Sino badala, alerta para o trabalho. Cantam galos na madrugada; cantoria dos pássaros. Rumo da roça; capinar, arruar, fazer valetas. Dez horas comem comida fria debaixo da sombra da paineira. Pensam em voz alta, olhando um para outro:

– Trabalhar bastante, ganhar dinheiro, voltar pra Japon (sic).

Na sede da grande fazenda tem farmácia, escola, cinema e igreja de católico. Massako aprendeu reza no hotel do porto de Kobe. Entra na escola: aprender Português. Passa um ano. Família muda pra fazenda Vassununga. Ganha dois mil réis por dia. Papai e mamãe têm que amarrar pano para proteger as mãos, braços. Palmas afiadas da cana, que cortam para a usina de açúcar. Ali não ganham dinheiro: recebem vale pra compra na venda da fazenda. Fim do mês, quase sem dinheiro. Fazendeiro deixa plantar arroz e horta.

IbiBnga, ano 1930. Papai arrenda terreno – até 1934 plantando algodão. No 1934, algodão bonito rende vinte mil réis a arroba. Japonês chega de Londrina. Tem cartucho de mapas debaixo do braço. Paulo Kawazaki fala: “café formado no Norte do Paraná, quatro cova dá um saco. Pé de milho com três espigas”. Papai compra terreno sem ver a terra, só mapa na palavra do patrício. Um conto de réis cada um dos oito alqueires. Depois compra lote na vila de Nova Dantzig e manda fazer casa pequena. Duas famílias apertadas, dentro do “pé-debode” - o barulhento Ford-A, 1929 - do irmão de Massako, até Ourinhos. Depois, até Jathay, têm que fazer viagem de trem: automóvel, gente e mudança.

Tibagi, largo e cristalino rio. Na beira da balsa, Massako vê o céu sobre a floresta – canta Aki Aozorá; segura mão de mamãe. Jardineira de Mathias Heim espera pioneiros na outra margem. A viagem a Nova Dantzig é uma festa aos olhos da jovem. Estrada vermelha fere a floresta de perobas, cedros, cipós – passarinhos cantando, estripulia de macacos na grande árvore.

21 de julho de 1934. Família fica na rua Alemanha, frente venda de Albert Koch – papai, mãe, três irmãos, duas irmãs. A vila tem cerca de duas dúzias de casas de madeira, ranchos esparsos e o açougue de Bjolos, de dois irmãos danziganos.

Tardezinha. Sete quilômetros a pé, chegam ao síBo de Shunta Ideriha. Massako agora é menina graciosa. Amigos conversam na fria noite. Sob lua cheia. Mãos frias perto do fogão. Uma nova terra sob os pés. A pátria gravada no coração, no corpo, cor da pele, modo de falar e de comer. Nos negros olhos de Massako, pousados em suas janelas oblíquas.

Massako Yamamura Ueda (trechos)

“Casa de madeira fica na avenida Inglaterra. Terra de papai está no meio do mato – tem que abrir picada com facão. Toda família trabalhando. Na beira de um córrego constroem rancho. Machados na floresta. Chegam todo dia no escuro: cansados, confiantes”.

Shunta Ideriha, do Japão a Ribeirão Preto

No dia 9 de abril de 1997 Miguel bateu palmas junto ao muro da casa do cidadão João Ideriha, em Londrina. Quando chegou, Miguel não Bnha a menor ideia da história que havia atrás desses filhos de Kameyo e Shunta Ideriha. João nasceu em 12 de outubro de 1919 em Ribeirão Preto-SP. É casado com Arailde Ideriha, paranaense de Antonina-PR. Magro, altura mediana, olhos vivazes e inquietos. Aos 78 anos João revela boa memória dos fatos de sua circunstância:

– Meu pai Bnha 21 anos quando veio para o Brasil, mais ou menos em 1912. Desembarcou em Santos, juntamente com outros japoneses. Em São Paulo embarcaram no trem, seguindo pela Mogiana, até Ribeirão Preto, onde nasci. Anos depois viemos para Nova Europa, uma cidade pequena junto à linha douradense. Ficamos lá dedicando ao planBo de algodão. Em 1932 meu pai resolveu comprar terreno em Nova Dantzig. Era tudo mato naquela época. Em 1933 viemos pra cá de trem até Jataizinho, chegando no dia 16 de junho de 1933 em Londrina. Já era noite, muito frio, barro demais. Eu nunca Bnha pisado em barro porque em nossa região era chão de areia. Foi a coisa mais estranha que eu já Bnha visto.

Miguel pergunta sobre Shunta, seu pai. João conta que ele nasceu em Fukuoka Ken, sul do Japão. Havia incenBvo de fazendeiros para a emigração de japoneses. Depois de uma passagem na Hospedaria dos Imigrantes, na capital paulista, a família embarcou na Estação da Luz em um trem rumo Ribeirão Preto, até fazenda de Quito Junqueira, que havia financiado a sua viagem ao Brasil. O contrato dizia que Bnha que trabalhar dois anos para os colonos pagarem as despesas: “Foi um tempo muito duro, diecil. Tão diecil que ele e outros japoneses fugiram da fazenda. Era insuportável, horroroso. Cedo baBa o sino e Bnha que sair todo mundo. O fiscal vigiava se Bnha alguém em casa, gente parado. No Japão o trabalho da lavoura é mais das mulheres e trabalham em área pequena. Meu pai era carpinteiro, marceneiro de mão cheia. Então conseguiu trabalhar em outra fazenda como carpinteiro. Ficou dois anos lá construindo tulhas e casas (sic).

Em 1916, Shunta conheceu Kameyo, uma jovem imigrante, com quem se casou, em Ribeirão Preto. Desse matrimônio, nasceram seus dois primeiros filhos: Issami e João. Com suas economias Ideriha comprou uma pequena propriedade em Nova Europa, à margem da Estrada de Ferro Douradense. Em 1929 morreu sua esposa, intoxicada com óleo amanhecido de uma lata de sardinhas.

Shunta conhece Tutomu, em 1931. Casa-se com ela, viúva mãe de cinco filhos. Shunta estava em Nova Europa quando teve nofcia da boa terra vermelha, através de Hikoma Udihara, corretor, encarregado pela divulgação da CTNP entre membros da colônia japonesa. Nessa época a família Bnha uma pequena plantação de algodão naquele município. Udihara falou com entusiasmo da terra do norte do Paraná, “uma das melhores do mundo”. Shunta compra 15 alqueires a 450.000 reis cada, em cinco prestações anuais. João Bnha 14 anos quando conheceu o barro do norte do Paraná. De Jathay, após a travessia do rio Tibagi, a família foi levada a Londrina na jardineira aberta.

– Viemos de Jataizinho empilhados na caBtazinha, ônibus da CTNP guiado por Mathias Heim, com desBno a Londrina. Pousamos no pequeno “Hotel Hikeda”, de Guengo Hikeda. Era uma casa de madeira onde nipônicos imigrantes se hospedavam ao chegar a Londrina. Outros que chegavam ficavam no Hotel Luxemburgo, que era de alemães. Tinha algumas casas de palmito por ali, hoje centro. Depois meu pai nos levou para Nova Dantzig para gente abrir um pedaço do terreno. Na vila que nascia Bnha a venda de um alemão, açougue que estavam fazendo e uma padaria em construção. Essas famílias Bnham chegado de Danzig. Além disso, não Bnha ainda alguma casa de moradia. Da cidade até no nosso lote vimos só uma casa de madeira, com pomar crescendo perto da estrada; sem morador ainda (sic).

Shunta e filhos fizeram um acampamento com um encerado velho e bambu – junto ao espigão da estrada da Prata:

– Ficamos ali uns 15 dias. Matava mosquito quase a noite inteira pra poder dormir. Depois meu pai foi buscar a mula, que veio de trem até Jathay. Nesse tempo a madrasta cozinhava num fogão tropeiro palmito com carne de cateto. Derrubamos mato e plantamos vinte mil pés de café. Um dia meu irmão saiu com um ‘revorvão’ na cinta e o inspetor de polícia, um tal de Chico Baiano tomou dele (sic).

João Ideriha lembra que, quando chegaram, a família de Ishaturo Miyazaki vivia na vizinhança há uns sete meses. Seus filhos hoje moram em Londrina, farmacêuBco e denBsta. “Ajudaram muito a gente”. Enquanto havia sol lá estavam Shunta e filhos, vivendo um misto de necessidade e esperança, derrubando mato e preparando a terra para o planBo do café. Chegavam ao anoitecer ao rancho de palmito. Enxadas e foices ficavam com o cheiro ferido da seiva nas lâminas. Sentavam-se no chão para comer arroz, palmito e a carne escura do porco do mato – que havia em abundância nas cercanias.

A luz da manhã fazia as folhas das mudinhas de café brilharem como esmeraldas. Issami voltava da nascente, levando água. Alguns macacos fugiam pelos cipós. Olhou pra cima e viu uma pintada. Correu até o barraco. João procurou a espingarda atrás da porta, chamou o vizinho, Névio Testa, filho dos italianos recém-chegados. Lá estava ela, deitada sobre um galho forte da figueira. Depois do Bro certeiro a queda. A morte silenciosa. A onça arregalou seus olhos, brilhando de uma fúria sem ódio. Ficou assim, para sempre, mirando seus algozes.

Uma viagem de carroça

Na primavera Shunta construiu uma carroça e estribos para a velha mula que trouxera de Nova Europa. Semanas depois disse para Issami e João:

– Amanhã cedo vocês vão até Jathay. Compra saco de arroz, óleo e querosene! (sic).

Que alegria para os dois irmãos! Depois de meses de trabalho lascado um passeio de carroça! Saíram antes do sol nascer, molhando a cabeça com o orvalho que pingava das árvores do caminho. Vez ou outra uma grande borboleta azul parecia guiá-los pelo estradão vermelho banhado da luz da manhã. O verde fecundo escondia seus mistérios, mas deixava no ar o canto das aves, a dissonante orquestra de insetos que parecia saudar o dia. João tentava assoviar, imitando os bem-te-vis. Até a mula parecia contente levantando pó, conforme movimentava os cascos. Chegaram ao desBno com o anoitecer. Apearam junto à venda de Benjamim Giavarina.

– Não tem arroz... Espero receber dentro de três dias.

Aguardaram no vilarejo até a chegada da Maria-Fumaça. Durante a viagem de volta João confidenciou a seu irmão que estava pensando em deixar a roça, arrumar emprego na cidade para poder estudar. Tinha dezesseis anos e mal sabia ler e escrever. CriBcou o pai por ter casado com uma mulher com cinco filhos. Aquele pedaço de terra não podia fazer o futuro de tantos filhos. Issami concordou silenciosamente, pensaBvo, descendo o reio na pobre da mula. (trechos)

Capítulo VIII

João Stefanini, bate-pau da polícia / Tempos de ditadura Festa na serraria / Bailando na roça

Filho de José Stefanini, italiano, e Ana Enfante, espanhola, João nasceu no interior paulista. Seus pais trabalhavam como colonos na região de Araraquara, abrindo clareiras na mata e plantando café:

– Nasci em Matão, Estado de São Paulo, no dia 6 de maio de 1918 – ano daquele giadão que matou todo café paulista. Meu pai era fiscal geral na fazenda de Carlos Leôncio de Magalhães, um português. Depois ele vendeu para uma companhia inglesa. Meu pai trabalhava numa seçãozinha chamada Guanabara, perBnho da cidade. Esse Magalhães Bnha umas quinze fazenda, cada seção Bnha uma máquina de beneficiar café, sede com luz elétrica, farmácia, cinema. O ramal da estrada de ferro de Araraquara entrava dentro da fazenda –uma linha que saía de Itápolis passava ali com carga e vagões de passageiros. Os colono por ali era maioria família italiana, espanhola e portuguesa. De cada cem uns dez ou quinze era caboclo brasileiro, mulato ou preto. Vi japoneis pela primeira vez em 1924, quando Bnha seis anos de idade (sic).

A região atraia também migrantes nordesBnos. Alguns chegavam a andar quarenta dias, desde a Bahia até São Paulo. Alguns vinham trazendo seus filhos, meninos de dez a doze anos e também os jovens, mas a maioria deixava a mulher e filhas lá no Nordeste. Enquanto colonos estrangeiros eram desBnados à cultura do café, desmate, planBo, capinagem e colheita, os nordesBnos, chamados norBstas, ficavam com serviços brutos, fazendo terraplanagem em terreiros, carregando terra com vagonetes. Eram apelidados de ‘gabriel’ ou ‘pião’. A maioria conseguia algum dinheiro e regressava à terra natal; outros avançavam em zonas pioneiras, como posseiros, abrindo estradas ou derrubando matas. Stefanini:

– Os colonos era pra tratá café. Conforme o tamanho da família cuidava de três a quinze mil pé de café. Era costume o patrão deixar um ou dois alqueire para eles plantá lavoura – fora dos cafezais. O patrão dava o mato derrubado, café plantado. Naquele tempo era plantado grãos, não mudas como hoje em dia. Casa era um Bpo de rancho feito de barro coberto de sapé. A família cuidava do café por quatro ano, ganhando tanto por cova. A primeira colheita de quatro ano era do empreiteiro. Outros que Bnha mais recurso, chegava, fazia seu rancho por conta deles, derrubava mato, plantava e cuidava do cafezal por seis anos. Tinha direito a três colheitas. Esses saía da terra fazendeiro porque o café ‘tava valorizando cada vez mais aqui. Tinha café que dois ou três pé dava três saca (sic).

A família Stefanini ficou naquela fazenda até 1929. Getúlio Vargas, líder revolucionário, com reforços de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, depôs o Dr. Washington Luís em outubro de 1930, e impediu a posse de Júlio Prestes, colocando fim a chamada “República velha”. O golpe repercuBu em todo o País.

– O Brasil teve três dia de Estado de SíBo, foi aquela bagunça nas ruas, o dinheiro perdeu valor. Ficamos um ano em Matão. Foi quando o anBgo patrão, Carlos Leôncio Magalhães, comprou a Fazenda Itaquerê e levou meu pai pra lá. Deixou a fazenda por conta de um filho meio maluco. Lá Bnha engenho central de açúcar cristal, igreja, escola. Terminei o 4º ano lá. Não era como hoje, dessas professorinha que em vez de ensiná a molecada, ensina sexo. Naquele tempo entrava às oito hora e saia às quatro e trinta da tarde (sic).

A economia também não ia bem. O café, cuja saca era vendida a 50.000 réis, caiu para 5.000 réis. O preço caiu cerca de 90% em 1930 – resultado da depressão econômica que teve origem na queda da Bolsa de Nova York, em 1929 e que, durante os anos 30, repercuBu também no Brasil.

Disciplina rígida e casBgos esicos

O sistema nas fazendas, sob o olhar de fiscais ou jagunços, não admiBa deslizes. João Stefanini testemunha o período de autoritarismo que vigorava naquelas décadas, especialmente no interior:

– Se o colono entortava, não trabalhava, aqueles pião vinha, encostava uma carroça na porta da casa, de madrugada, jogava a mudança do sujeito na carroça e despejava pra fora da divisa da fazenda. Não é que nem hoje, que convida pra sair. Outra coisa, se o cara roubava ou fazia alguma coisa errada apanhava de jiboia, reio de couro trançado pra gente lidá com cavalo na carroça. Só que a baBda era severa. Esse negócio de mexer com a família dos outros, que naquele tempo em cada mil acontecia um, mas acontecia, isso de mexer com mulher, uma mocinha. O gerente da fazenda mandava o jagunço pegar no sujeito. E ele mesmo pegava a jiboia e baBa. Quando terminava de batê telefonava pra polícia de Matão. A polícia pegava ele e acabava de matá – que polícia naquele tempo ripava mesmo! Lembro que moramo um ano em Matão, era vizinho da cadeia. Eu ia busca marmita prôs soldados... Eu via nego apanhar lá de derretê, urrava! (sic).

Em 1934, depois de uma visita de Raimundo Durães, que morava em TabaBnga, José Stefanini comprou 145 alqueires de terra da CTNP por 900$000 réis. Deu 30 mil de entrada e o restante para pagar em quatro anos, sem juros. A família chegou a Nova Dantzig em 1935. A crise prejudicava fazendeiros, cafeicultores, mas abria uma janela de oportunidade pra quem Bnha algum dinheiro guardado. Abria espaço para adquirir sua própria terra. Viajaram de trem até Londrina:

– A Loja FuganB era pequenininha, a Pernambucana era uma lojinha. De Londrina pra cá viemos de Jardineira. Ali na esquina do Fadel, beirando a estrada para a Prata, Bnha um hotelzão de palmito, coberto de folhas, que era o Hotel da Cia. Muita gente desembarcava ali, vinha com corretor para comprar lotes em Londrina, Nova Dantzig, Caviúna, Apucarana. Essa turma posava ali. No outro dia cedo a companhia oferecia carro pequeno ou uma peruazinha para o corretor mostrar a terra dali pra frente (sic).

João recordou anBgos moradores, famílias abrindo síBos junto à estrada: “Lá no doze Bnha o Fadel velho; depois, lá onde tem a Igreja, vivia o finado Lucas Pinheiro. No 15 morava os Machadinho. Os Pinheiro entrou ali por Sertanópolis – porque a Prata é mais véia que Cambé e Londrina. Naquele tempo eu ia até a Prata. Namorava uma caboclinha, em 1937. Eu ainda via aqueles caboclo com a calça amarrrada com palha. Eram criadô de porco. Usavam camisa de meia, assim, e gravata no pescoço, facão e garrucha do lado, naquele esBlo que eles Bnha ali” (sic).

Em Nova Dantzig, 1935, na então chamada rua Alemanha, refere-se à pensão dos Bocate, que depois passou a ser a “Casa Três irmãos”, dos Ricieri, e a “Pensão Cardoso”. O “Hotel Lisboa”, de tábua, ficava em frente da estação do Trem, cuja estrada de ferro estava chegando. João presenciou a inauguração da estação de Nova Dantzig, com a chegada do primeiro trem, no dia 15 de agosto de 1935: “Teve churrasco, aquela bagunça toda! Naquele tempo matavam um boi, temperavam, assavam os pedaços grandes em varas compridas. Todo mundo comia, porque naquele tempo um boi dava e sobrava” (sic).

O jornalista Humberto Puiggari CouBnho (24) registrou o acontecimento, citando autoridades e ilustres visitantes, presentes: “Willie Davids, James L. Adamson, Rosalino Fernandes, Carlos Almeida, Amadeu Bóggio, João Figueiredo, médico, Dr. Diment, Luiz Estrela, George Craig Smith, Maria Aparecida Santos, Hiroshi Kuma, Nair de Almeida, Luzia de Almeida e Isaura Ferreira Neves”, entre outros moradores, em festa.

Costumes e vida social

– O primeiro Delegado aqui foi um peão, Bradô de tora, moreno, magrinho. Foi subdelegado, o Raimundo Durães, que era também gerente do hotel de palmito. Quando fecharam esse hotel da companhia, em 1937, Raimundo abriu um, bem em frente da igreja, por conta dele. O hotel Bnha um salão grande e de vez em quando ele fazia baile pra gente se diverBr. No hotel Rio também Bnha baile. A gente dançava ali depois da janta. Recuava as mesas. Sabe quem tocava ali pra nós? Um alemão que trabalhava junto com o Alberto Koch, o Félix Sheller, catarinense! Já no seu Raimundo o baile era dançado na base da vitrola grande, com corda, no disco. Naquele tempo era mais valsa, rancheira, marchinha, mazurca. Tango ou bolero não era conhecido (sic).

Conforme João, os pares não dançavam agarradinhos:

– ExisBa mais consideração, respeito uns com outros, você entende? Eu lembro, em certos bailes que aparecia certos casais, certa dona meio assim, era posto pra fora. Tinha a polícia ou a própria sociedade. Quando eu ainda ‘tava no Estado de São Paulo, porque nações alemã, portuguesa, japonesa, em todo lugar eles têm sociedade. Nós brasileiros é que não tem. Em Nova Europa Bnha o Clube Alemão, em Matão Bnha a Sociedade Italiana. Aqui os alemão Bnham clube também. Eu, naquele tempo, com consideração e respeito frequentava esses lugares. Nas fazendas o fazendeiro deixava fazer baile quando acabava a colheita. Cobria um terreirão ou usava a tulha da máquina de café – terreno cercado, onde secam o colhido (sic).

Naquele tempo a moça era sempre acompanhada do pai, irmão ou mãe. O sanfoneiro ficava em um canto; as damas, como era tratada as jovens, ficavam juntas. Os cavalheiros, como era chamado os rapazes, em outro canto. Quando a sanfona tocava, seja uma rancheira, ou marcha, o jovem chegava convidava a moça pra dançar. Se ela consenBa ele pedia licença para a mãe, para dançar – com respeito e educação. Era proibido dar “tábua”, porque o pessoal de primeiro não aguentava desaforo. Eu chegava assim:

- ‘Quer ter o prazer dessa dança, moça? Vamos dançar? Eu levantava, me arrumava e dizia para a senhora, mãe dela: ‘A senhora dá licença pra eu dançar com sua filha?’ Pegava ela pela mão e levava ao centro do salão. Lá você dançava. Acabava a dança, pegava ela pela mão e trazia onde ela estava e agradecia a mãe. Porque levar uma moça pra dançar e largar é o mesmo que levar um animal no pasto e Brá o cabresto. Hoje isso acabou, larga pra lá... Aqui mesmo, em Nova Dantzig, o dono da casa exigia esse Bpo de jeito (sic).

Segundo Stefanini, naqueles anos trinta a moda era usar terno de linho branco. As mulheres passavam o terno com ferro aquecido com brasas dentro dele. Passavam a chapa para deixar o terno impecável. Depois o amarrotavam para seu esposo ou filho vesBrem em ocasiões especiais: casamentos, bailes, baBzado de filhos. O complemento era um chapéu, de preferência branco e lenço no bolsinho esquerdo do paletó.

João descreveu vários Bpos de dinâmicas, nos bailes anBgos. Quando o músico botava um lenço na sanfona o dono do baile anunciava: agora vai ter quatro ou cinco moda de lenço! O jovem vinha, botava um lenço ou um chapéu sobre a sanfona. Então quem ia escolher o cavaleiro era a dama. A moça ia Brar seu preferido. Dessa forma os convivas sabiam de quem a jovem gostava, ou de quem era namorada. Chamavam esse Bpo de “república”. O dono da festa anunciava: “Vai ter tantas modas de república” – ou, senão, apenas pendurava um lenço no lampião, sinalizando que as moças é que iam escolher seus pares. Havia também a “dança dos chapéus”. O jovem punha seu chapéu na cabeça de um homem que estava dançando, ele saia e o outro passava a dançar com a jovem ou senhora. Depois vinha outro, punha o chapéu no jovem a dançar, ele saia com o chapéu na cabeça enquanto o outro conBnuava a dançar com a moça ou senhora.

Era também costume, depois do baile, dançar quadrilha, se houvesse alguém entre os mais velhos que sabia marcar o compasso. Naqueles tempos, conta João, era diecil os bailes serem embalados com bebidas alcoólicas. Em seu ligar, ofereciam café no bule, pão de casa – ou anizete, o licor de anís, essência originária do Egito. Quando havia baile em Nova Dantzig, sempre mandavam um policial de Londrina, escalado. Na época o delegado era o Tenente Pimpão, “muito severo”.

João conta que foi instalada a primeira máquina de beneficiar arroz, no Km 9 da Estrada da Prata, que pertencia à família Manhane – um deles, o primeiro inspetor de polícia:

– Tive uma questão por causa de uma briga no baile e fui chamado a atenção, para dar depoimento. O capitão Pimpão gostou de mim e deu minha carteira de inspetor, em 1937. Desde aquele tempo sou bate-pau de polícia. Eu entreguei o sujeito, pois se não entregasse ia ficar deBdo. A ordem naquele tempo era severa, era borracha mesmo! Eu Bnha que andar pelos bailes, via quem estava armado, quem criava arrelia, puxar revólver – isso sempre teve. Fiquei autorizado. Sabendo que ia ter baile na fazenda dos Codato, aonde chegava esses meio jagunço eu avisava e dava o endereço. Ia separado da polícia. Não chegava junto porque, se a turma soubesse que eu era inspetor, acabava comigo, né! Eu dizia: Capitão, em tal lugar assim... Ele dizia: pode deixar que lá pra meia-noite nós vamos lá. Era quando chegava um cabo, dois, rodeava o lugar, que nem fazia a quadrilha do Lampião. Aí entrava dois ou três dentro e era aquela separação de mulher pra cá e era aquela revista, dos pés até à cabeça. Tomavam faca, revólver, garruchinha – o povo era besta, gostava de carregar essa porcariada, porque era sertão, era mato... Hoje tá pior ainda! (sic).

Na década de 1930 os policiais usavam farda azul com uma Bra vermelha. O revólver era 44, a arma da polícia. Eram poucas as ocorrências: brigas, rixas, casos criados por causa de jogo de baralho, embriaguez, ciúmes de mulher. João Stefanini lembra de apenas um assalto, durante aqueles anos:

– Tinha um ranchinho de palmito onde depois teve o comércio “Três Irmãos”. Ali morava um tal de baianinho, que era um poceiro – cavador de poços. A mulher dele era nova, moreninha, Bnha filho pequeno. Perto do Lucas Pinheiro, no Km 9, Bnha um alemão, pioneiro aqui. Isso foi em 1937. Sei que ele Bnha umas vaquinhas de leite, porcada. Junto com ele morava um genro, morenão forte que Bnha vinte anos de polícia. Ele deu baixa e foi morar com o sogro. Na cidade Bnha um motorista chamado Jaimir. Ele Bnha um pé-de-bode. Então juntou o motorista, mais outro e esse baianinho, que era compadre do genro do alemão. A turma ia lá no alemão fazê serenata, comer frango assado, queijo, manteiga – brincar, diverBr! Então esse alemão vendeu uns porco em Londrina; fez doze contos. Quando ficaram sabendo juntou esses três pra roubá o alemão. Já Bnha a venda do Km 9. Pararam ali, na venda do Manhane, por volta das dez da noite. Tomaram cinzano, bateram papo e saíram dizendo que iam fazê serenata. Bateram na porta do alemão. Assim que abriu o homem levou um soco. Derrubaram o alemão. Veio a véia, puxaram ela, quebraram seu braço. Depois agarraram a filha, mas ela fugiu com a roupa rasgada, com medo, no escuro, correndo pra casa do cunhado Cataram o dinheiro, fugiram, mas o baianinho esqueceu a capa em cima da mesa. A moça corria e gritava por socorro. O cunhado veio, encontrou ela na estrada, voltaram. O cunhado viu a capa e disse: “Já é um documento!” Pegou essa capa e seguiu pra Nova Dantzig. Os três, de pé-de-bode, se espalharam. O baianinho chegou e deu o dinheiro pra mulher e desapareceu. O compadre foi na cidade. Ia pousar na casa do baianinho. Bateu, a porta foi aberta pela moreninha. Perguntou: “Cadê o compadre?” “Saiu de tarde e até agora não veio”. “Eu vim aqui pra passar a noite, até nascer o dia, porque roubaram meu sogro”. A mulher olhou pra sua mão direita e disse: “Essa capa é do meu marido!” “Então foi seu marido que ‘tava roubando!” Deteve a mulher, chamou o guarda da máquina de Café do Rômulo Bonalume, pra ser testemunha. Clareou o dia e chegou o delegado Pimpão, com quatro soldado. Ficaram na casa até cinco da tarde. A mulher gritava na cela, destratava e xingava, não entregou o baianinho. Os três não apareceram porque a polícia, naquele tempo, era fera. O tenente Pimpão chamou a finada mãe do Alfredo Ricieri e com outra senhora, entrou junto. Fizeram a mulher Brar a roupa. O dinheiro ‘tava amarrado na perna, embrulhado num lenço de cabeça, 12.500 réis – esse foi o único assalto naquele tempo. Pegaram todo mundo! (sic).

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Policial e cidadãos ao lado da primeira Delegacia de Polícia de Londrina, 1934.

Tempos de ditadura

– Naqueles anos bastava policial cismar. Pegava o sujeito levava prô delegado, capitão, sargento que fosse. Era interrogado. Um pouco que ele raBasse, saísse do prumo, ou ele contava – porque Bnha hora que o cara contava menBra porque entrava numa borracha dura. Então, aquilo era um meio mal adequado porque nem que ele não sabia ele contava e quando acabava de contá apanhava mais ainda porque confessou. Era dureza! Era prisão e borrachada. Em Londrina eu ia sempre na Delegacia, como informante. O Pimpão chamava o cara pessoalmente pra confessá, ser informado. Se o cara negava então o capitão dizia: soldado, vai e trás a testemunha! O sujeito brigava na casa da zona, vinha mulher da zona, ou mulher que o marido Bnha baBdo. De primeiro marido baBa na mulher e apanhava da polícia por causa disso. Hoje não, bate na mulher e acabou (sic).

– É esse meu marido e ele me bateu mesmo!

– Aí o cara entrava numa diferença, era borracha onde pegasse. Tinha uma borrachinha assim, colocada num cabo de borracha grosso que abria em cinco, seis tala. Ligavam o motorzinho elétrico e aquilo corria 80 por hora e chegava o cara naquela borracha. Ou, senão, dava choque elétrico – que hoje em dia ainda dão. Tinha lugar que Bnha um “porquinho elétrico”. Soltava e mandava o cara pegá. Se pega era um coice elétrico danado; senão era borrachada. Hoje delegacia tá um hotel, rapaiz! Era um ferro ligado com fio de eletricidade. O cara ia pegá aquilo e levava o soco – ou pega ou apanha (sic).

Matão vem novamente à memória de João Stefanini onde a tortura a presos, naqueles anos trinta, também era práBca corriqueira:

– Eu era moleque. Se quer saber de uma coisa, por exemplo, conforme o cara fazia ele só tomava uma sova, depois ia pro cemitério porque a polícia dava de cassetete nos pulmão. Dando dois soco no cara desloca o pulmão. Com dois dia sem tratamento apodrece e o cara morre (sic).

– É verdade o que dizem por aí que políciais jogavam bandidos no rio Tibagi?

– Eu achei que eles fazia coisa bem feita porque é o Bpo de arrastão que tem em Bauru, pra limpar a cidade. Tinha aquela piãozada derrubadô de mato, esses nego que vão abrir o sertão, pessoa que vai pra lá maioria é criminoso, ladrão, fugiBvo destemido. A polícia, por exemplo, nós ‘tava em três. Eles parava e escutava o que nós ‘tava conversando. Conforme o assunto, dizia: vocês têm cinco minutos pra vocês rareá – cada um vai tratá da sua vida. Depois voltava e dava o segundo aviso. No terceiro aviso a gente ia e fechava. Lá os cara ficava um, dois dias, tomava umas borrachadas e era solto. Se Bnha uma rodinha de 5 ou 6 eles esparramava porque criava confusão, beber, mexer com família, mulher, aquela bagunça. Se ia preso uma vez, duas, na de três tomava uma cadeia mais comprida. Quando juntava uns 10 ou 12 o delegado vinha lá, Brava pra fora, botava num caminhão e levava no rio Tibagi. Naquele tempo atravessava na balsa. Chegava no meio do rio, parava a balsa. Cada um tomava um litro de óleo de rícino – de mamona. Depois a polícia jogava na água Quem saia, saia, senão ia embora na correnteza. Aí só quem era bom nadadô e aguentasse o purgante saia lá pra baixo, e não voltava mais ali, não ia aprontá bagunça (sic).

Isso acontecia desde 1936 a 38. Ele dizia mesmo prô cara:

– Aqui dá-se o óleo, joga no rio se não endireita. Mostrava o fuzil e dizia: entra por esse buraco e sai por aqui! Naquele tempo uma menBra da polícia valia dez verdade do outro (sic).

Capítulo XII

A pequena cosmopolita / Miguel, o redator BraDslava, um ponto de encontro na História.

Alguns meses depois da iniciação como aprendiz de jornalista, Silvana promoveu nosso personagem. Ainda não Bnha carteira de trabalho registrada, mas já ganhava um pequeno salário mensal. Miguel, em suas entrevistas, passava a conhecer melhor a cidade e seus habitantes. Ficou maravilhado ao descobrir que a pequena comunidade abrigava advenfcios de mais de uma dezena de nacionalidades: Portugueses, japoneses, italianos, alemães, eslovacos, lituanos, armênios, libaneses, russos, espanhóis, franceses, gregos, suíços, judeus, etc. E brasileiros de várias regiões. Pensava, então, conversar com outras pessoas representaBvas de cada uma delas, no prosseguimento de seu trabalho. Assim, através desses saborosos papos, pesquisava e conhecia algo mais da História da humanidade. Juntou suas economias e comprou sua primeira máquina fotográfica. Passou a formar um acervo de fotos de pioneiros, juntamente com fotografias doadas por entrevistados.

Os amigos começaram a notar certo alheamento em nosso herói. Miguel, que não perdia uma aventura, ficava cada vez mais ausente. Nas conversas, sob o pé de araBcum, contava histórias que ouvia de seus entrevistados. Roberto foi o primeiro amigo a falar, francamente, sobre esse “estranho” comportamento:

– Miguel, que é que está acontecendo com você? Parece que está perdendo o pique. Só fala em jornal, pioneiros... Parece que não tem mais o pé no presente! Você, que sempre criBca os outros por causa de tanta preocupação com o futuro, agora vive com a cabeça no passado. Acorda, meu!

– Roberto, você bem me conhece. Sabe que quando eu me empolgo com alguma coisa, vou em frente. Eu estou pesquisando a história da nossa cidade, quero saber o que aconteceu por aqui, na época em que tudo começou. Quero mergulhar cada vez mais no passado. Esta terra era floresta pura. Há séculos viviam milhares de índios por aqui, Guaranis, Caingangues, Coroados... A gente precisa conhecer bem o assunto que nos interessa. Mas, você tem razão, em parte. Eu fico amolando vocês com essa minha aBvidade. Prometo que não falo mais nisso, por hoje.

O geógrafo paranaense Reinhad Maack (50), reconstruiu em um mapa o iBnerário da travessia de Ulrich Schmidel, na região. Informa que, juntamente com um grupo de vinte índios, Schmidel deixou Assunção em 26 de dezembro de 1552, chegando a São Vicente em 13 de junho de 1553, posteriormente regressando à Europa. No trajeto cita anBgas tribos indígenas que viviam na região compreendida entre o sul de São Paulo e norte de Santa Catarina: Tupinambás, Carijós (Cários), Guarani-Tapé, Tupiniquins, Tupis, Mbiazais-Tinguis. Eram centenas de milhares hoje reduzidos a poucos milhares.

No dia seguinte, nosso repórter saía em busca de mais um pioneiro. Queria que, dessa vez, fosse alguém de um país longínquo, pouco conhecido. Absorto em seus pensamentos, quase trombou com Ana colega do ginásio.

– Fala, Miguel, está com a cabeça no céu?

– Oi, minha amiga. Escuta, qual é o sobrenome do seu avô?

– Por parte de pai ou mãe?

– Os dois!

– Tenho um avô que se chama José Kubalak Filho, veio da Romênia quando Bnha 11 anos. Ele tem uma história muito interessante ...

– Escuta, vamos até à casa do seu avô, o Kubalak? Quero conversar com ele, fazer uma entrevista para o jornal.

– Só se for depois do almoço; agora tenho que levar essas compras em casa. Você passa lá?

– Passo.

Glória, irmãos

Caro leitor, é necessário retornarmos à Europa; embrenharmos ainda mais no passado. Vamos conhecer um pouco da História do povo eslovaco. Em seguida, acompanharemos Miguel e sua amiga à casa de Kubalak, em Nova Dantzig.

Por volta do ano 800 D.C, uma pequena cidade, situada há sessenta quilômetros de Viena, ganhou notoriedade. ParBndo de Istambul, em direção norte, os Avaros, avançando desde a Ásia, nômades, invadiram parte da Europa, seguindo para Viena, que pretendiam tomar. Prevendo a derrota, os húngaros pediram auxílio a alemães e poloneses. Juntos, numa cidadezinha de população eslovaca, conseguiram resisBr à ocupação, repelindo os invasores. Por esse feito, a cidadezinha foi chamada BraBslava – que significa “Glória, irmãos” – em função da memorável vitória. (trecho)

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José Kubalak e sua esposa Ana.

Até o Século VII, os eslovacos Bnham apenas a língua materna e rudimentos orais de sua História. A fim de ampliar a influência do VaBcano, no leste da Europa, o Papa enviou um bispo germânico para catequizar aquele povo. O religioso fracassou por desconhecer o idioma naBvo. Atendendo ao apelo de Svatopluk I, rei da Grande Morávia, o reinado de Constância enviou dois monges gregos. Durante décadas, Cyrillo e Metodium viveram entre eles e outros povos eslavos. Passaram a traduzir a Bíblia e a ensinar o povo a falar e escrever gramaBcalmente sua língua, forjando os fundamentos da cultura eslovaca. Esse legado garanBulhes idenBdade nacional durante os mil anos que esBveram sob o governo da monarquia Austro-Húngara –que conheceu sua queda a parBr dos conflitos que deram origem à Primeira Guerra Mundial. Esses rudimentos da história eslovaca foram assimilados por Miguel através de conversas com Francisco Harcar, jornalista eslovaco refugiado no Brasil.

Na década de 1240, um grupo expressivo de eslovacos buscou o exílio. Fugia da dominação imperial, em direção à Transilvânia. Naquela região montanhosa e coberta de florestas, passaram a dedicar-se à agricultura; ou como lenhadores a serviço da indústria naval húngara. Séculos mais tarde, como talhadores de dormentes para a construção de estradas de ferro. Durante mais de meio milênio, manBveram língua e tradições que os idenBficava como nação. Mas, também, como estrangeiros.

Em 1914, quando teve início a Primeira Guerra Mundial, o jovem Milan RasBslav Štefánik vivia em Paris, onde pretendia estudar astronomia. Em função do grande conflito, o estudante passou a arBcular um movimento de resistência, pois os eslovacos eram obrigados a lutar ao lado de húngaros e alemães. Milan e sua organização pretendiam livrar eslovacos e tchecos do domínio da Áustria-Hungria. Com o apoio do exército francês, reuniu tchecos da América do Norte e eslovacos que viviam na Rússia. Treinou e formou legiões armadas, na Sibéria. Essas legiões passaram a combater usando uniformes de soldados franceses ou italianos, alcançando expressivas vitórias para os aliados.

Os intelectuais também desempenharam papel vital, na arBculação desse movimento, sob o aspecto políBco. Influenciaram organizações internacionais, como a Liga das Nações. Com o Tratado de Paz de Versalhes, nascia a Tchecoslováquia.

Um fato histórico expressivo, a famosa “Primavera de Praga” teve início na BraBslava, a capital eslovaca, liderada por Alexander Dubcek. Foi um movimento popular pela liberação do regime comunista na Tchecoslováquia, que culminou em 1968, com a invasão do país por tanques e divisões do exército soviéBco. Anos depois Alexander foi reabilitado e elevado a Presidente do Parlamento, em função da democraBzação do regime.

Em 1993, após acordos políBcos, tendo em vista o resultado de um plebiscito, o país foi subdividido em duas repúblicas: Eslováquia e República Tcheca. O velho sonho da nação eslovaca agora é realidade. Sua bandeira – branca, azul e vermelha – tremula entre as nações livres do planeta.

BraDslava, um ponto de encontro na História (7)

Em 1847, o senador e cafeicultor paulista Nicolau de Campos Vergueiro, inaugurava um novo sistema emigratório – introduzia cerca de duzentas famílias de alemães, belgas, suíços e portugueses, em sua fazenda de Limeira-SP. O transporte dos emigrantes era financiado pelo proprietário e, posteriormente, pago em prestações, pelo interessado. Esse sistema vigorou até 1927.

Em função de abusos sofridos por colonos europeus, a Prússia, em 1859, passou a proibir a emigração para o Brasil; desde 1862, escasseavam os colonos alemães e portugueses. Em 1902, ficava proibida a emigração de italianos ao Brasil, sob regime de viagem financiada. Com a escassez de mão de obra estrangeira nas fazendas, era intensificada na Europa, após a Primeira Guerra Mundial, a propaganda para atrair trabalhadores ao Brasil. Havia então, recrutadores espalhados em outros países, buscando húngaros, eslovacos e descendentes de alemães que viviam na Rússia. Miguel e Ana são recebidos com simplicidade e alegria por José e Ana Kubalak. Ele, um homem forte, alto, cabeça grande e olhos claros. Sua fisionomia revela um coração puro e generoso, moldada através dos anos pela convivência com a terra. Ana, sua esposa, tem os cabelos grisalhos e as mãos marcadas pelo trabalho na lavoura. A pele, amorenada pelo sol; os olhos negros, inquietos. Sentam-se todos em volta da mesa. Enquanto conversam, são servidos pela dona da casa com pedaços de bolo de fubá e xícaras de café.

– Seu José, conta pra gente sua história – começa Miguel a entrevista.

– Compadre, eu Bnha onze anos de idade quando entrei no navio. Foi uma viagem alegre, boa cama e comida. Brasil! Parecia que a gente ia em direção ao paraíso!

José Kubalak, seu pai, como milhares de outros eslovacos da Transilvânia, em meio ao caos do pós-guerra, sofriam as consequências das mudanças. A região onde viviam deixava de ser húngara e, para os romenos, novos proprietários, os eslovacos eram indesejáveis. Sob pressões e restrições, o jeito era emigrarem.

– Chegamos em 1924. Do porto de Santos fomos levados, de trem, fechados num vagão, até a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo. Depois mandaram a gente – éramos umas cinquenta famílias de eslovacos –para a Fazenda Guarantã, perto de Ribeirão Preto. Era tão grande que havia várias estações de trem dentro de seu território, e vinte e oito colônias, além e milhões de pés de café produzindo.

Cada família subvencionada assumia o compromisso de cuidar de alguns milhares de pés de café – de acordo com o número de pessoas. Conforme o contrato descrito na carteira, expedida pelo Patronato Agrícola do Estado de São Paulo, cada família Bnha obrigação de “tratar dos cafezais a seu cargo, de modo a conservá-los sempre muito limpos, a replantá-los nas falhas que porventura houver, tratar bem a replantação, Brar toda a brotação inúBl que for saindo dos cafezais, fazer a limpeza, recolher os frutos, ensacá-los e levá-los à sede da fazenda”, para serem depositados nos gigantescos terreiros, para secagem dos grãos. Outro arBgo do contrato esBpulava que o colono era obrigado a fazer, sem remuneração, a “conservação de carreadores e caminhos para a estrada de ferro; cortar o mato de suas margens e arrumar as cercas”. Era também obrigado a “apagar incêndios nas matas, cercas ou casas da fazenda”. Tinha direito ao “transporte gratuito até a fazenda, casa de moradia e pasto para um ou dois animais”.

– Por quanto tempo eram obrigados a ficar nessa fazenda?

Kubalak responde:

– Se você é trabalhador, você está muito feliz no navio, com a passagem paga. Só que não sabe em que ratoeira está entrando. Só depois de quatro anos volta a ser dono de si.

Além da grande dificuldade em se comunicarem com outros colonos, os eslovacos daquela fazenda logo perceberam que a passagem financiada pelos fazendeiros teria que ser paga com muito sacriecio. O sino despertava-os na madrugada; serviço bruto sob o sol tropical. Puxavam a enxada até as mãos ficarem cheias de bolhas, que sangravam, formando calos; feriam o corpo contra as galhadas de frutos vermelhos, na estação fria. Mulheres e crianças abanavam o café colhido, com peneiras; rastelavam-no em terreiros, para secarem. Os homens carregavam os sacos nas costas, até aos armazéns da fazenda.

– Meu pai Bnha quarenta anos. Logo ele revoltou-se: dizia que não era escravo. Começou a liderar os patrícios. Não reclamavam do trabalho, da dureza, mas por causa do pagamento. Pagavam bem menos que na fazenda vizinha, cada mil pés de café tratados. Foi até a presença do patronato, na sede. Ele era muito áspero e sua palavra machucava os patrões – por isso eles jogavam mais carga nas nossas costas. Certo dia, todo mundo foi reclamar da situação. Os jagunços armados protegiam os administradores. José Kubalak, meu pai, deu uns passos, na frente dos eslovacos. Abriu a camisa, batendo no peito:

– Podem aBrar! Depois vocês vão ter que cuidar dos meus seis filhos!

Para evitar a debandada dos colonos, os patrões tentaram negociar com José Kubalak, prometendo-lhe dinheiro e certas vantagens. Mas, ele não aceitou convencer seu povo a permanecer por mais três anos naquela propriedade. Indignado, teve que dispor de sua reserva de dólares para comprar a liberdade. Porém poucas famílias Bnham tais recursos. Algumas fugiram, buscando trabalho em fazendas de municípios vizinhos. A maioria, temerosa e com filhos menores, teve que cumprir os quatro anos impostos pelo contrato. José deixa sua xícara sobre a mesa e começa a rir quando se lembra da história de um conterrâneo:

Ele chamava-se Gardach. Era o sanfoneiro que animava os bailes da roça. Acho que ninguém mais foi tão vigarista como esse patrício. Pegou bastante mercadoria fiado, na venda da fazenda. Depois foi até a sede; disse que ia dizer uma coisa que não devia. InsisBram e ele revelou: “Vocês tomem cuidado, tem gente que planejou fugir esta noite, abram o olho!” Com essa armação ele conquistou a confiança dos guardas. Ainda disse: na minha vizinhança vocês podem ficar tranquilos, eu tomo conta! Enquanto os guardas eram atraídos para outras colônias, ele juntou suas coisas, compras, os trens, encostou o carroção e foi embora, tranquilo, junto com outros companheiros. No meio da noite, três quilômetros depois, eles cortaram o fio do telefone. Depois pegaram o trem, sumiram do mapa!

Nessa época, a família Kubalak era composta por dezessete pessoas. Nos dois anos seguintes trabalharam em outra fazenda. Depois, juntaram uma pequena poupança e foram para a capital. Dois meses depois conBnuavam desempregados em São Paulo. Foi quando um corretor ofereceu a eles terras a baixo preço numa região de mato: Caiuá.

Ana, filha de MarBn Kois, também veio da Romênia. Seu pai, quando jovem, resolveu estudar num seminário, para evitar serviço pesado. Mas teve que interromper os estudos, convocado para os campos de batalha, na primeira guerra. Em 1918, casou-se com Catarina Ivan, camponesa que, a exemplo de outras mulheres da Transilvânia, cuidava do gado, plantava centeio e linho – dessa nobre fibra faziam roupas para toda a família.

FaBando o bolo que está a servir, conta que sua família foi trabalhar na Fazenda Peroba, onde havia cerca de trinta famílias de eslovacos e húngaros:

– Chegamos lá só com a roupa do corpo. Dormíamos no chão, porque não Bnha cama; todo mundo numa casona só. Na hora de comer, a gente estendia uma toalha no chão; quem Bnha pratos, muito bem, os outros colocavam a comida sobre o pano, comendo com as mãos.

Os húngaros, mais anBgos no Brasil, serviam como intérpretes dos eslovacos. Na Fazenda Peroba ninguém conhecia “a cor do dinheiro”: Recebiam o pagamento através de vales, que eram trocados por mercadorias na própria fazenda – um sistema que forçava a permanência dos colonos na propriedade.

Em 1926, MarBn Kois reuniu a família e fugiu. Entre os húngaros corria a nofcia de que alguns patrícios conseguiram terras no final da estrada de ferro Sorocabana, a noroeste do Estado. Várias famílias eslovacas também se dirigiram para lá. Ana Kois Bnha sete anos quando chegou a Caiuá – lembra-se dos tempos de uma vida mais livre, porém não menos laboriosa, na terra que compraram:

– Era puro mato. Fizeram um ranchinho de pau-a-pique e cobriram com ananás – aquele abacaxi do mato. Caiuá era apenas a estaçãozinha do trem e umas casinhas. No começo a gente plantava, mas as formigas saúvas estragavam tudo. Meu pai ia até a cidade, comprava veneno que usava no fumigador. Punha brasas, junto com o veneno, e soprava aquela fumaça nos buracos das formigas. Quando a gente via a fumaça saindo por outro buraco, corria e o tampava, para elas não fugirem (sic).

Anos depois, viviam em Caiuá cerca de 250 famílias de húngaros e 50 de eslovacos – enfrentavam terra fraca, dominada pelas formigas. Todas essas aflições não impediram de florescer uma pequena comunidade rural. Mais tarde descobriram que o terreno arenoso era mais propício à criação de porcos, gado leiteiro e cabras.

Depois da primeira colheita, quando o rebanho crescia com o nascimento dos bezerros e iniciavam a fabricação de queijos, húngaros e eslovacos se uniram para construir uma modesta igreja de madeira. MarBn Kois, desde então, pode dedicar-se à missão de ministro leigo. A guerra o havia impedido de concluir seus estudos, mas o que sabia oferecia com alegria à pequena comunidade, isolada do mundo. Dedicava-se, também, ao ensino das primeiras letras no idioma natal às crianças, carentes de escola.

Antes de formarem rebanhos e galinheiros, os eslovacos – a exemplo dos húngaros – ganharam o primeiro dinheiro cortando lenha, que vendiam por metro à companhia ferroviária. Os toretes eram devorados como combusfvel, no interior das locomoBvas.

Além de José Kubalak, Miguel conheceu a viúva de José Hesko, fundador do povoado rural da BraBslava brasileira. Catarina, uma senhora de idade avançada, falava com sotaque. Apesar de seus 83 anos de idade, Bnha uma memória fabulosa:

– Meu falecido marido era um rapaz simples, da lavoura. Na Europa, quando não plantava o trigo, batatas, ou cevada, estava cuidando do gado, alimentando ou ordenhando as vacas. Antes do inverno, juntava os vizinhos para a colheita da alfafa. Amontoavam os feixes em celeiros, para alimentar o gado durante os seis meses de frio. Era quando os homens, jovens e adultos, deixavam em casa as mulheres, crianças e os velhos. Eram contratados para derrubar mato para os barões da Transilvânia, ou fazendo dormentes para ferrovias (sic).

O transilvano, como outros milhões de jovens, foi arrancado de sua vida pacata e pacífica, constrangido a mergulhar na hedionda aventura da Primeira Guerra Mundial. Retornava depois de quatro anos à sua aldeia – iluminada para receber os moços ainda vivos. Outras famílias cobriam-se de luto porque os filhos não regressaram.

Era abril, as árvores outra vez vesBam-se de verde, quando José e Maria se casaram. Os campos de batalha voltavam a ser terra pacífica, sulcada com arados guiados por homens ou mulheres, arrastados por cavalos que sobreviveram ao conflito. Sementes na velha terra, galinhas ciscando, mugido do rebanho, pão de cevada sobre a mesa.

José Hesko ficou decepcionado com o binacionalismo imposto pelo Tratado de Versalhes – que tornava oficial o fim da guerra. Como milhares de outros eslovacos, não aguentou as pressões dos romenos. Dobrou uma bandeira eslovaca e guardou-a na mala. Era 1926, ele mirava céu e água, percorrendo o mesmo caminho de outros patrícios. Sofria a angúsBa de navegar em senBdo oposto à sonhada Eslováquia, acalentada pátria. Mas, apertava Maria carinhosamente e dizia:

– Do outro lado do oceano há uma terra nova, desconhecida, livre e selvagem. Sei que vamos trabalhar duro em chão alheio, mas tenho certeza que um dia teremos nosso pedaço de terra para criar nossos brasileirinhos!

A guerra não havia conseguido acabar com sua juventude. A vida correndo nas veias, esse era seu trunfo, a única vitória conquistada nos amargos campos de batalha; nas úmidas, frias e enlameadas trincheiras da Rússia.

Depois da Hospedaria dos Imigrantes um desBno: Fazenda Peroba. Não demorou para José Hesko colecionar decepções. As relações entre patrões e empregados, no Brasil, assentavam-se sobre o lastro de quatro séculos de trabalho escravo. Reencontrava os senhores da terra – de forma semelhante aos patrões da Transilvânia. SenBa na carne e na alma o peso daqueles que Bravam vantagens da situação dos imigrantes, prisioneiros de um compromisso assumido do outro lado do mundo. A esperança, que o animava era poder, um dia, ter sua própria terra.

Certo dia, impedido - por um capataz rusguento - de colher o feijão que havia plantado entre as fileiras de cafezais, decidiu fugir. Durante algumas noites colheu e bateu as vagens de feijão na frente de sua casa, com a ajuda solidária de vizinhos, à luz trêmula de um lampião. Juntou sua colheita numa carroça; vendeu-a na cidade mais próxima, antes que o sol o denunciasse.

Quando sacolejava a bordo do trem da Alta Sorocabana, rumo a Caiuá, ao lado da esposa grávida, pensava no desBno miserável de outros eslovacos em fazendas de São Joaquim da Barra, Orlândia e Morro Agudo.

Em Caiuá, também não foi feliz. Alguns meses depois de instalado em sua terrinha, levava sua esposa delirando com febre Bfo a uma vila sem médico. O único socorro dependia de um farmacêuBco analfabeto; a mulher não resisBu. O menino que perdera a mãe aos cinco dias de vida era seu filho. Chegou à casa do amigo Ivan com o rosto desfigurado, cheio de um sofrimento silencioso. Cabeça baixa, a criança no colo. Meses depois, casava-se com Catarina, filha do amigo que cuidava de seu pequeno.

A sequência da história da BraBslava brasileira foi contada a Miguel, vários anos depois, por Stefan Hesko, que vivia em Marilândia do Sul-PR. Miguel já havia regressado de São Paulo, onde vivera doze anos, e resolvera conBnuar sua pesquisa.

A nofcia de que havia terra férBl e barata, no Paraná, chegou a Caiuá em 1932. Os compadres José Hesko e Stefan chegaram a Londrina em julho daquele ano. Um corretor da Companhia de Terras Norte do Paraná levou-os a conhecer as glebas vizinhas. Foram oferecidas a eles terras que ficavam ao sul de Nova Dantzig, vizinhas à colônia dos alemães de Dantzig. Stefan recordou a passagem por Nova Dantzig:

– Paramos no lugarzinho. Tinha uns quatro ranchos de palmito e a venda do alemão, onde tomamos uma cachaça.

José escolheu o nome do local reservado pela CTNP: BraBslava. Compraram seus lotes, pagando 450$000 por alqueire; reservaram duzentos e cinquenta alqueires para os patrícios. Regressaram a Caiuá, empolgados, em busca das mudanças e famílias. Liquidaram seus negócios e regressaram em outubro, acompanhados das famílias Oliva, Penhaki, Philip e Mondeck.

No ano seguinte, a mão branca da geada visitou Nova Dantzig, especialmente as terras baixas do São Domingos e BraBslava. Catarina e José Hesko, que haviam plantado cereais e batata, que cresciam belos na clareira aberta na mata, perderam toda a roça. O jeito foi deixar esposa e filhos no rancho e, junto com o compadre Stefan, trabalhar na construção da estrada de ferro cujos trilhos, naquele ano, chegavam à Ibiporã.

Meses depois, com algum dinheiro no bolso, deixou provisões para a família e voltou ao interior de São Paulo. Tinha uma tarefa a cumprir, um sonho a realizar. Hesko visitava seus irmãos eslovacos, nas fazendas; reuniaos e incenBvava-os a comprar terras na gleba reservada:

– Quem não tem seu pedaço de terra nunca será livre; quem trabalha em terra alheia sempre será escravo do patrão! Vamos, minha gente, nossa BraBslava fica bem perto! Ah! Meu velho coração sonha que não está longe o dia de vivermos juntos, como nas aldeias da Transilvânia. Que futuro terão nossos filhos se não aprenderem nossa linguagem e não conhecerem nossa cultura, se não puderem pisar numa terra sua, forte, como essa? (trecho)

Capítulo XIII

Rápida passagem pela revolução soviéDca / Um fidalgo entre camponeses da Rússia / A estrada ferindo a floresta /

Fridtjof Nansen: esforço para salvar 25 milhões de russos (trechos)

Em dezembro de 1987 Miguel viajou até São Paulo para conhecer e ouvir outro pioneiro da colonização do norte do Paraná. Cruzou o Viaduto do Chá, rindo de si mesmo ao lembrar-se de seus primeiros dias na capital paulista, em 1968. Ainda não completara dezenove anos e ziguezagueava por entre a mulBdão, como uma “barata tonta”, em busca do endereço onde conseguiria sua primeira carteira profissional. Riu também ao lembrar-se de quando chegou à Secretaria do Trabalho, na rua MarBns Fontes: faltavam fotos três por quatro. Imediatamente apareceu um fotógrafo lambe-lambe. Conduziu o rapaz para uma salinha. Ali fizeram-no vesBr um paletó meio amarrotado e uma gravata ensebada. Saiu da secretaria contente, com o documento na mão, apesar da cara sonolenta e espantada na foto carimbada.

Miguel seguiu até à Praça do Patriarca, dobrou à esquerda, entrando na rua São Bento. Foi encontrar o próximo personagem desta história no oitavo andar de um ediecio de esquina.

Eugênio Victor Larionóff: tradição e revolução

Até 1920, o Cáucaso esteve fora da influência dos revolucionários liderados por Vladimir Ilitch Ulianovconhecido como Lênin. Esse fato se deu graças à resistência do chamado Exército Branco, leal ao Império russo. Naquele ano, temendo uma derrota iminente diante das forças majoritárias do Exército Vermelho, toda uma escola militar da região buscou o exílio. Os jovens cadetes atravessaram a fronteira, embarcaram num vapor com desBno à Alexandria, no Egito, à custa da Coroa Britânica. Entre eles estava Eugênio Victor Larionóff, personagem principal deste capítulo. Os alunos da escola teriam sido dizimados, pois seus integrantes eram todos filhos da elite soviéBca.

A guerra civil, detonada em 1917, com a abdicação do Czar, mergulhou a Rússia num mar de sangue, com a morte de milhões de pessoas e dois milhões de exilados. Conforme Larionóff “toda a classe dirigente do anBgo regime foi massacrada: oficiais militares, proprietários rurais, sacerdotes, intelectuais, políBcos e industriais. Para Lênin era “preferível fuzilar cem inocentes a deixar escapar um contrarrevolucionário”.

Antecedentes

Em 1825, um grupo de intelectuais, influenciados pela Revolução Francesa, pensadores do ocidente, como o suíço Jean Jacques Rousseau, arBculou uma conspiração, logo abafada pelas forças do Império Russo. Até 186l, quando o Czar Alexander II deu liberdade a todos os camponeses, a Rússia ainda vivia sob regime feudal - só não explosivo porque havia fartura nos vastos campos culBvados, onde vivia grande parte da população do país. Morto por um atentado terrorista em 1881, quando se preparava para assinar um manifesto ao povo, concedendo caráter parlamentar ao poder imperial, foi subsBtuído pela mão de ferro de Alexander III. Em 1904, a Rússia perdia uma guerra para o Japão. No ano seguinte estourava uma pequena revolução de inspiração marxista, liderada por Trotsky, entre outros líderes comunistas que, a parBr de 1917, poria fim a mais de 300 anos da dinasBa dos Romanov. Outro fato histórico que precipitou a queda do Império foi a entrada da Rússia na guerra mundial de 1914. Eugênio Victor Larionóff, monarquista e estudioso da História de sua pátria, analisa esses antecedentes, e afirma:

– O Czar Nikolai II não soube resisBr à pressão de certos generais, vindo declarar guerra à Alemanha, um país com o qual a Rússia manBnha amizade há mais de 200 anos e cujo Imperador era amigo do Czar. O resultado foi funesto, pois logo o melhor do exército russo foi aniquilado, com mais de um milhão de soldados mortos. Mais tarde aparecia a fome e a agitação no país. Abdicando o Czar em 1917, o poder caiu nas mãos de um socialista demagogo, Alexander Fyódorovich Kérensky, que não desejava o fim da guerra, temendo perder o apoio dos aliados.

Conforme relato de Larionóff, nesse período, os alemães, para liquidar rapidamente a luta no Leste e poder concentrar todas as suas forças contra a França e a Inglaterra, resolveram reBrar da Suíça, onde se escondia, o agitador revolucionário Lênin – que, escondido, se exilara em Berna e, depois, em Zurique. Enviaram-no, pois, “com um grupo de seus asseclas, num vagão lacrado, como se fosse uma peste, através da Alemanha à Rússia, prevendo que ele iria promover a revolução contra o regime de Kérensky” - disse Eugênio.

Em seu livro “Rumo à Estação Finlândia”(79) o jornalista Edmund Wilson descreve a jornada de Lênin, do exílio ao triunfo revolucionário. Afirma que ele teria Bdo ajuda de líderes suíços, de esquerda, para atravessar a Alemanha de trem, regressando a São Petersburgo, em abril de 1917. Com certeza os cem mil olhos do regime não o teriam deixado embarcar, se não lhes fosse conveniente.

Petrogrado, a capital czarista, vivia sob um clima turvo, de crescente tensão, com grandes manifestações populares, em meio a descontentamento generalizado, onde fome e filas de racionamento compunham um cenário propício à insurreição. Sob essa pressão, a 27 de fevereiro, Nicolau II abdicava. Oito meses depois caía o governo provisório e Lênin conseguia liderar forças revolucionárias heterogêneas, como socialistas, mencheviques, bolcheviques e cadetes dissidentes. Estava destronada a autocracia. Com a tomada do poder, Lênin anuncia a instalação do socialismo no país e decreta o fim da grande propriedade. Decreta também, o controle do ParBdo único sobre a produção, e o armisfcio às nações beligerantes.

Eugênio Victor Larionóff nasceu em 1906, na fronteira caucasiana com a Turquia. Ali seu pai, tenente recémcasado, fora enviado e começava sua carreira militar num regimento de infantaria, como tenente. Promovido a capitão Larionóff foi designado para comandar uma companhia de famosos aBradores siberianos, estacionada à beira do rio Amur, na fronteira com a China.

Em 1812, na célebre batalha contra Napoleão, em Borodino, certo capitão de nome Larionóff, se disBnguiu com feitos heroicos, que o fez merecedor de uma medalha – que, desde então, passou a adornar o peito de todos os primogênitos da família - militares e donos de propriedades rurais. De suas lembranças, Eugênio resgata imagens de oficiais garbosos, e mulheres magnificamente trajadas nos primorosos salões da aristocracia. O menino se inspirava nas grandes paradas militares e, inclinando-se à tradição hereditária, confidenciava ao pai: “Serei militar!”. Foi assim que passou sua infância, entre a Sibéria e a Rússia europeia: – Volta e meia minha mãe me levava numa viagem de trem, que durava oito dias, atravessando a Mandchúria e por dentro das florestas de taiga da gigantesca Sibéria. Chegávamos então a Dimitrovsk, na Província de Kursk, centro da Rússia, onde nossa família Bnha terras.

Não só os uniformes, o brilho dourado dos sabres e medalhas, fascinavam o pequeno. Quando chegava à fazenda, gostava mesmo era de misturar-se aos camponeses. Era convidado a parBcipar de sua mesa. A comida era servida numa grande bacia. Todos se sentavam em roda e serviam-se com garfos de madeira. Frequentemente saboreava com eles a famosa sopa russa, “borscht”.

– Eles eram alegres, faziam grandes festas e dançavam usando coloridos vestuários tradicionais. Naquele tempo, a Rússia era o celeiro da Europa. Em 1973, visitei a União SoviéBca: encontrei um povo triste e desconfiado.

Em 1914, aos oito anos de idade, tudo começou a mudar na vida de Eugênio e de sua pátria. Viu seu pai parBr, com os soldados siberianos, para a guerra. Voltou ferido, lamentando seu magnífico regimento, completamente aniquilado.

– Eu Bnha onze anos e estava na cidade de Kislovodsk, Cáucaso, em férias. Foi quando li um cartaz, anunciando que o Czar havia abdicado. SenB algo estranho, inesperado. Fiquei triste.

A queda do imperador abalou profundamente a vida de toda a Rússia. Veio então o reino do terror. Seu pai escondeu-se, para depois juntar-se ao Exército Branco. Lutou durante os anos da guerra civil, até o úlBmo baluarte, na Criméia. Conseguiu enviar a esposa e filha para a ilha de Chipre. Eugênio, dos 14 aos 16 anos, viveu sob tendas de lona à beira do Canal de Suez, sob os cuidados de soldados ingleses. DesaBvada sua escola militar, parBu para a Alexandria, onde se reuniu com o que restava de sua família. Graças à boa educação falava bem o Inglês e o Francês. Isso facilitou sua vida quando chegou a São Paulo, em agosto de 1924.

Ainda no navio, ao divisar a exuberante e exóBca Serra do Mar, nasceu-lhe o desejo de conhecer melhor o Brasil, suas florestas e animais. Mas, essa mesma sede de aventuras levou-o aos Estados Unidos, de onde regressou em 1929.

Numa noitada alegre, em São Paulo, eu tomava vodka caseira em companhia de alguns rapazes russos, cantando músicas da terra, como sempre se faz. Ao meu lado estava Zelebéeff, um topógrafo, que trabalhava na Companhia de Terras Norte do Paraná, e que me disse:

– Eugênio, você que fala tão bem o Inglês, por que não vai falar com o Capitão McDonald? Ele é o engenheirochefe da construção da estrada de ferro que aBngirá as terras compradas pelos ingleses. Amanhã ele estará em São Paulo.

No dia seguinte Eugênio estava contratado como secretário da McDonnald, Gibbs & Cº. Ltd. Desde julho de 1929 começou a realizar o sonho de conhecer o interior do Brasil. Chegou ao acampamento ferroviário, perto de Cambará, vilarejo do outro lado do rio Paranapanema, quando iniciavam a construção do primeiro trecho da estrada de ferro, em direção à pequena Jathay. Eugênio olha para Miguel com seus olhos claros, saudosos dos dias de juventude:

– Não houve mais dias insípidos. Entrei em contato com as florestas milenares que, naquele tempo, cobriam todo o norte do Paraná. Tudo que via e aprendia era, para mim precioso e fascinante. Dia após dia a linha férrea, com a construção de pontes, aberturas de cortes, aterros para colocação de dormentes e trilhos, rapidamente se aproximava das terras além do rio Tibagi.

Neste ponto vamos abrir parênteses, recuando aos primórdios da ocupação da região conhecida como norte pioneiro (no noroeste do Paraná). Nadir Cancian(18), revela que, a parBr de 1850, com a chegada de migrantes mineiros a essa região, onde “se defrontaram com indígenas” em busca de terras, teve início no Estado, uma incipiente cultura de café. Informa que “a cafeicultura avançou na região com a chegada de fazendeiros já capitalizados com a cultura praBcada no interior de São Paulo. Por volta de 1910, o Major Barbosa Ferraz vendia suas terras em Ribeirão Preto e comprava vasta área entre Ourinhos e Cambará, onde então, faz plantar cerca de um milhão de pés de café”.

No início da segunda década do século, Barbosa juntava-se a outros fazendeiros para fundar a Estrada de Ferro Noroeste do Paraná, braço de aço avançando e ferindo o sertão, para facilitar o transporte das safras e avançar em direção a novas glebas, propícias a cultura do café.

Em 1988, Miguel esteve visitando a região para confirmar a história da resistência indígena à construção da ferrovia, nesse primeiro trecho, antes da McDonnald, Gibbs & Cº. Ltd. Próximo da rodoviária de Cambará, conversou com José Varuto, morador da zona rural de Andirá. Contou que seu avô, Victório Trombe^a, imigrante italiano, trabalhou na construção da estrada e sempre contava o que testemunhou. Dizia que os índios destruíam durante a noite, o que a turma fazia durante o dia. Afirmou também que, por isso, a construtora resolveu eletrificar os trilhos, o que provocou a morte de muitos índios. Esse é mais um trecho obscuro da História do Paraná, em cujas clareiras podemos vislumbrar os índios defendendo seu território, acossados pela desbravadora ação dos novos bandeirantes. Os jagunços armados até os dentes, iam à frente, protegendo os derrubadores de mato, tocaiando os bugres ferozes. Botas, carabinas e cavalos avançando; flechas, armadilhas e ataques aos acampamentos, na fronteira entre o mundo primiBvo e o avanço da civilização ocidental.

Na retaguarda iam os mateiros, depois os caboclos e nordesBnos abrindo o leito da estrada com a força bruta dos músculos, assentando os trilhos, lascando toras para os dormentes. Topógrafos, engenheiros, aventureiros, mascates, prosBtutas, mosquitos, maleita, cachaça, posseiros, garimpeiros, “grileiros”, carabinas, conflitos. Em 1922, a estrada de ferro chegava a meio caminho entre Ourinhos e Cambará – que, nas primeiras décadas do século, era também conhecida pelo trágico apelido de “açougue humano”.

Em 1929, Cambará era uma pequena vila de ruas tortas. Tinha alguns estabelecimentos comerciais e um hotel, considerado bom para a época. Eugênio, aos domingos, reunia-se em almoço com os ingleses, que haviam comprado o trecho construído e a concessão da estrada de ferro, aos fazendeiros. A crise econômica internacional forçava a baixa na cotação do café no mercado externo, impossibilitando novos invesBmentos na estrada, no trecho pioneiro.

Cada colosso que tombava fazia estremecer o coração de Larionóff. Ele se calava, mas não deixava de ouvir o protesto gutural dos símios, a estridência de aves em debandada. Para levar a estrada de ferro até Jathay trabalhava duro uma turma de trezentos camaradas. Alguns engenheiros ingleses, como o Dr. James Lister Adamson, T. D. Hamilton, Dr. William Reid e Dr. Wallace Hepburn Morton, lideravam os brasileiros. Esses trabalhadores ganhavam algum dinheiro, mas viviam precariamente sob as lonas das barracas. A maioria não poupava, gastava o fruto do suor do rosto de forma dissoluta, com cachaça e prosBtutas.

Eugênio Larionóff (46) escreveu em Inglês suas memórias da avó norueguesa, “The Belle of Hammerfest” e o contexto da revolução Russa de 1917. A seguir, alguns trechos traduzidos das 12 laudas desses escritos: (trecho)

Eugênio conclui suas lembranças afeBvas, tendo como foco a história de sua avó, que se casou com o médico russo, dizendo:

– Foi durante sua permanência na casa de meus pais, até o início da Primeira Guerra Mundial, que seu amor e bondade para comigo me fizeram gostar tanto dela. Ela me viu crescendo de um bebê para um jovem de oito anos de idade, e eu devo ter ajudado ela a atenuar espiritualmente o desejo constante por seus filhos falecidos. Até agora, não sei onde está localizada sua sepultura em Famagusta, no entanto, já cumpri minha promessa sagrada de visitar Hammerfest assim que uma oportunidade se apresentasse. Fiz isso em 1963 e, em breve, vou para lá novamente – quem sabe pela úlBma vez, porque não sou mais jovem. A memória dela permanece vívida em minha mente. As grandes fotos dela e de Hammerfest estão sempre no meu quarto, trazendo sempre à mente a história românBca na vida de meus ancestrais e daquela época em que a vida humana ainda Bnha cavalheirismo, nobreza e charme.

Capítulo XVI

O pensamento universalista de Goethe Hitler e o nacionalismo / Sobre cristais quebrados / Refugiados em Shangai

Em Rolândia, Miguel conheceu alguns refugiados da Alemanha. Depois de várias conversas com Max Moser, entre outros, passou a interessar-se por mais esse episódio da História universal. Antes de levarmos o prezado leitor a parBlhar a peregrinação de Max, da Europa à Ásia e depois ao Brasil, vamos analisar a situação da Europa, na antevéspera da 1ª Guerra Mundial; observemos como a vontade do poder e a ambição sem limites, podem levar o caos às nações. Antes de 1914, alguns poucos e poderosos impérios dominavam grande parte dos povos do mundo. O Império Austro-Húngaro regia poliBcamente sobre nações europeias, que falavam quatorze idiomas disBntos. Apesar disso havia méritos inegáveis: cada uma dessas nações possuía um Parlamento nacional que representava os respecBvos cidadãos em Viena, capital do Império. Em 1957 nascia União Europeia, que fez da Europa uma das grandes economias do mundo. Apenas em 1973 o Reino Unido aderiu ao conglomerado – deixando-o, oficialmente, em 31 de janeiro de 2020, cerca de três anos depois do referendo do “brexit” – a saída britânica do mercado comum europeu.

Os ingleses se orgulhavam em dizer que “o sol nunca se põe no Império Britânico”, graças às suas colônias gigantescas, na África, Ásia, Oceania e América. Alemães e ingleses rivalizavam pelo domínio de mares e oceanos. O Império Russo, de língua eslava, buscava expandir-se na Europa Central e queria um acesso ao mar Mediterrâneo: alegava defender os povos de língua eslava sob domínio do Império Austro-Húngaro. As ambições faziam crescer a tensão que, num episódio aparentemente isolado, teve seu ponto de ruptura e explosão. Isso aconteceu com o assassinato do arquiduque Fernando, herdeiro do trono austríaco, e sua esposa, em Sarajevo. A Áustria exigia a entrega dos assassinos, pela Sérvia, para serem julgados nos tribunais do Império. Diante da reiterada negaBva, a Áustria declarou-lhe guerra. Na esteira dos acontecimentos, movidos por interesses estratégicos, os impérios da Rússia, França e Inglaterra uniram-se contra o Império Austro-Húngaro e a Alemanha, que consideravam inimigos comuns.

Não importa tanto a versão dos fatos da História, não se pode minimizar a ação maléfica de velhos senBmentos, que tantas vezes impediram o progresso da civilização: cobiça e soberba. Avançando no tempo algumas décadas, vamos encontrar na Alemanha, moBvos semelhantes que, entre outros, levaria o mundo a outro grande conflito. Através da viagem aos fatos históricos, é possível traçar um perfil do ser humano, de seu comportamento, sua inclinação para a intolerância, o preconceito de raça, religião e cultura. A perseguição aos ciganos, judeus e alemães, que abertamente criBcavam a monstruosa políBca colocada em práBca naquele país, sob o governo nazista – a qual exterminou milhões de víBmas nos campos de concentração – é um trágico exemplo do que podem fazer homens sob o governo de Branias totalitárias, nas mãos frias do fanaBsmo. Por outro lado, percebemos que até mesmo dentro de situações de submissão à opressão, a alma humana é capaz de se manifestar, amenizando a agonia, abrindo mãos solidárias, exercendo a misericórdia. A mão no ombro, o unguento na ferida, o pão, lágrimas e dores parBlhadas. Mesmo no escuro da masmorra pode florescer o belo, nascer a intensa luz da bondade. O triunfo da humanidade repousa na generosidade e na coragem dos que de alguma forma, em sua circunstância, rejeitam a opressão e lutam pelo triunfo da dignidade humana, no exercício da liberdade.

“É uma coisa singular o ódio nacional. Esse senBmento você o encontrará tanto mais tenaz e tanto mais violento, quanto mais baixo for o nível de cultura a que descer. Mas há um grau superior em que ele desaparece completamente, onde você se encontra, por assim dizer, acima das nações, em que você sente um acontecimento feliz ou desgraçado que se dá com um povo vizinho, tal como se ele se produzisse ao seu próprio país. Esse nível superior de cultura corresponde à minha natureza ínBma e para me elevar até ele eu não esperei sessenta anos”.

Com este pensamento Johann Wolfgang Goethe evidencia o antagonismo entre nacionalismo extremado e civilização, oferecendo à nação alemã e a toda humanidade, um caminho espiritualmente elevado, firmado no senBmento de solidariedade, crença na dignidade dos homens, independente de raça, pátria ou posição social.

Em oposição ao pensamento universalista de Goethe, uma corrente filosófica começou a ganhar força na Alemanha do Século XIX, buscando formar e exaltar o senBmento nacionalista.

Jean-Edouard Spenlé (69) lembra que “todo o esforço de certos historiadores, literatos, filósofos, linguistas e até mesmo arBstas e sábios da Alemanha, se aplicará daí em diante a definir o caráter alemão em sua oposição com o resto da humanidade: ‘Nós somos o povo eleito, o povo do futuro, nós somos a consciência superior da humanidade”. Esse nacionalismo começou a firmar raízes com os “Discursos à Nação Alemã”, de Johann Go^lieb Fichte que, posteriormente, chegou a clamar por “um ditador que obrigasse, pela violência, o mundo a tornar-se alemão”. Ele estava convencido de que “o povo metafisicamente predesBnado Brava desta missão o direito moral de se realizar por todos os meios da astúcia e da força”.

Goethe, expressão máxima da poesia alemã, queria libertar a alma germânica de “um caos bárbaro, disciplinar suas violências primiBvas, purificar suas aspirações confusas, exorcismar os demônios maléficos e os impulsos destruBvos que o obsedam, fazê-lo abjurar sua magia diabólica”. Da contracorrente emergia Nietzsche e sua exaltação do “super-homem” – porém humilhando a germanidade. Fichte, ao contrário, culBvava sua obsessão de uma grande Alemanha. Essa pretensão seria decodificada filosoficamente por Hegel e concreBzada pela “RealpoliBk” de Bismark. Disciplina, cega obediência, organização coleBva: máximas prussianas que, sustentadas pelo nacionalismo exacerbado, preparavam a alma do povo alemão para a aceitação do nazismo em sua soberba miséria.

Alguns anos antes da primeira Guerra Mundial, Guilherme II, Imperador da Alemanha e Rei da Prússia, declarou que “o triunfo da Grande Alemanha, que deve um dia dominar a Europa inteira, é o único fim da luta que sustentamos”. A ambiciosa aBtude do soberano, mostra o estado de espírito da elite dirigente, autocrata e militarista que, à custa de muita luta e diplomacia, conseguira unificar tribos germânicas. Sob esse clima triunfalista, a Alemanha une-se à Áustria-Hungria contra um entendimento cordial entre Inglaterra e França - formando, então, a “Tríplice Entente” com a adesão da Rússia. Em 1918, fugindo entre as ruínas do Império construído por Bismarck, Guilherme II exilava-se na Holanda, para nunca mais reinar.

Uma Europa doente submergia no caos econômico imposto pela guerra. Os governos não Bnham alternaBva senão trilharem o caminho inflacionário. Essa situação fazia germinar por toda a Alemanha grupos revolucionários, dispostos a derrubar o regime republicano – cujos líderes chegaram ao poder graças à derrota na guerra. A revolução russa, bem como a ameaça socialista na Itália e Alemanha, faziam recrudescer organizações políBcas, à direita. Munique tornava-se forte reduto dessas facções, que pregavam a derrubada do regime e a desobediência ao Tratado de Paz de Versalhes – que consideravam injusto e humilhante para a Alemanha. Eram, em sua maioria, oficiais afastados de seus postos, soldados marcados pelo conflito –profetas e videntes de todos os calibres que queriam a ressurreição da “grande Alemanha”.

Um desses homens, que também não se conformava com os termos da rendição. Movia-se com indignação e ódio. Era um soldado austríaco, trinta anos, que se recuperava no Hospital de Pasewalk. O desconhecido, desclassificado nas artes plásBcas, sem amigos, oecio ou emprego, decidia entrar na políBca, fato muito comum na senda dos que anelam cargos públicos por meio de organizações políBcas. Em setembro de 1919, ao espionar uma reunião do obscuro ParBdo dos Trabalhadores Alemães – a serviço do Departamento PolíBco do Exército – conheceu o ferreiro Anton Drexler, um dos fundadores do “nacional-socialismo”. Meses depois, o espião passava a liderar o grupo. Em 1934, graças ao seu talento eletrizante de orador, à organização e propaganda, chegava a Chanceler da Alemanha. Adolf Hitler tornava-se o Führer. Liderando generalizada insaBsfação, o arBsta que não deu certo iria botar fogo no mundo alimentado por uma mísBca diabólica –como diriam mais tarde Louis Pauwels e Jacques Bergier (64), autores de “O Despertar dos Mágicos”, referindo-se aos subterrâneos espirituais como um caldeirão onde vicejavam astrologia, esoterismo, sociedades secretas, que unia o misBcismo à políBca, na guerra pelo poder.

Cristais quebrados

Nuremberg, 1935 – O governo nazista promulga leis restringindo o direito dos judeus alemães à cidadania. Proíbem casamentos, relações sexuais, negócios e qualquer outra forma de relacionamentos com alemães. Max Moser senBu de perto o hálito desse período de trevas. Era um sujeito alto, magro e bem humoradoapesar das trágicas circunstâncias pelas quais passou, como perseguido e exilado. Miguel conversou com ele em sua chácara, em Rolândia. Max Moser descreveu a situação em que viveu no país de seu nascimento:

– A situação econômica da Alemanha estava cada vez pior, por causa da primeira guerra. Mas, diziam, “a culpa é dos judeus”. As perseguições pessoais começaram a quem fosse pronunciadamente judeu, como rabinos e ortodoxos, cuja aparência os idenBficava de longe. Até 1936, nossa família pode viver tranquila, por não termos as caracterísBcas que geralmente os caricaturistas fazem dos judeus.

Ainda naquele ano um policial descobriu que a família Moser professava discretamente a religião de Moisés. A riqueza da família tornou-a vulnerável. O pai administrava uma grande fortuna em propriedades e casas comerciais. Em um período em que poucos cidadãos possuíam automóveis, a família Moser Bnha três automóveis na garagem. O velho passou a sofrer assédio do policial, para extorqui-lo, ameaçava denunciar toda a família. A pressão cresceu a nível insuportável. O ancião, apegado rigidamente a seus princípios, suicidou-se para não ser obrigado a traí-los. Max Moser era jovem e não mais podia frequentar teatro, cinema ou restaurante. Os empregados “arianos” da família Bveram que ser dispensados. AnBgos amigos afastaramse dele, como de uma peste; semelhante amizade poderia levar o judeu à prisão, a ser surrado ou ser forçado a tomar óleo de rícino até morrer. Amizade entre judeus e alemães passou a ser vista como conspiração contra a pátria.

Desde 1932, milhares de judeus, prevendo a ascensão do nazismo, haviam deixado à Alemanha. Os que ficaram começaram a prever o pior. Em novembro de 1938, depois que um judeu polonês, para vingar-se da perseguição a seu povo, assassinou o secretário da legação alemã em Paris, Ernest Von Rath, o governo alemão condenou todos os judeus a pagarem ao Estado a quanBa de um bilhão de marcos, como indenização.

Para demonstrar a “espontânea” revolta do povo alemão pela morte do secretário, foi organizada, de 9 para 10 de novembro, a “Noite dos Cristais”: ataques contra sinagogas, residências e estabelecimentos judeus em toda a Alemanha. Incêndios, mortes, prisões, depredações e espancamentos marcaram a longa, infame noite. Desde então os judeus eram obrigados a vender casas e demais propriedades. Expulsos de suas residências, levados a trabalhos forçados ou presos aos milhares.

Max Moser conBnua seu depoimento a Miguel:

– Eu vivia em Dusseldorf, onde gerenciava uma loja do meu pai. Fui preso nessa “Noite dos Cristais”, às cinco horas da manhã, junto com mais três mil pessoas. Depois de quatro semanas, Braram-nos das celas. Um sujeito da SS gritou para nós, reunidos no páBo:

– Quem quiser pode abandonar a Alemanha, agora, sem levar nada, nem dinheiro, nem joias.

Mas, saindo da prisão, um novo moBvo de desespero os aguardava: nenhum país queria aceita-los como exilados. Shangai, conforme Max Moser, era o único lugar do mundo que, naquele momento, deixava entrar os refugiados da Europa que esBvessem sem passaporte ou dinheiro: e foi para lá que a família Moser se dirigiu.

– Antes da gente sair da Alemanha, os nazistas revistavam cada buraco do corpo para ver se a gente escondia diamantes ou joias. Até com meu filho de cinco anos foi assim. Com minha esposa e outras mulheres, a revista era pior.

Shangai era uma cidade em crise, ocupada por japoneses em guerra com a China. Cerca de quinze mil judeus já viviam ali e, a cada dia, chegavam outros. Sobreviviam miseravelmente lado a lado com outros milhares de refugiados russos, que fugiram durante e após a revolução comunista:

– Aquele lugar era um inferno, uma armadilha. Você podia entrar, mas não Bnha como sair. Tivemos sorte porque minha esposa Bnha um primo no Brasil. Depois de longa espera recebemos os vistos. Mas poucos de nós conseguiram permissão para entrar no Brasil nessa época. Posso imaginar quantos morreram em Shangai. Pessoas que conhecemos na viagem à China – ingleses, americanos e até um chinês que foi com nossa cara –fizeram uma coleta: com esse dinheiro compramos passagens e embarcamos num navio japonês, cheio de emigrantes. Eram lavradores que também Bnham o Brasil como porto final da viagem.

Quando o navio ancorava nos portos – Hong Kong, Filipinas, Singapura, Egito, Itália – os refugiados judeus pediam asilo, mas nenhum desses países os aceitava. Mas, em cada um desses portos, eram recebidos por comitês de judeus que os ajudavam com manBmentos e um pouco de dinheiro, que dava para se manterem com o essencial.

Em 1940, Moser estava vivendo em Rolândia, numa pequena chácara. Se em sua juventude vivia em um palacete com empregados, chofer e todo conforto, no Paraná teve que viver numa “casa miserável, com água de poço, latrina fora de casa e fogão de lenha”. Mas, dedicando-se ao comércio, pode, mais tarde, comprar a propriedade onde hoje goza seus anos de aposentadoria. Entre os refugiados, alemães e judeus de Rolândia, havia pianistas, cantores de ópera, agrônomos, advogados, políBcos e até um ex-ministro de Estado. Nas primeiras décadas do patrimônio, fundaram uma associação cultural, que manBnha uma agenda de alto nível, onde não faltavam palestras, recitais de música e poesia e exposições de arte.

Max Moser assim concluiu seu depoimento a Miguel; restava-lhe ainda um travo, uma raiz de amargura: – O Brasil é a minha pátria. Nunca mais poderia morar na Alemanha. Antes da guerra havia meio milhão de judeus lá, agora não passam de quarenta mil. Hoje deve estar tudo mudado, mas nunca mais voltarei.

No ensaio “Eichmann em Jerusalém”, Hannah Arendt, intelectual judia, ao descrever o julgamento do nazista, criminoso de guerra, criBca alguns líderes de colônias judaicas na Europa, por terem sido submissos, colaborando com seus carrascos, nos campos de concentração, cedendo e facilitando o trabalho dos policiais. Considera essa aBtude “para os judeus, o capítulo mais sombrio desta história”. Essa trágica obediência exemplifica a fragilidade da condição humana. Mesmo dotados de consciência e valores éBcos, há momentos em que a violência e o desespero fazem a pessoa capitular e renunciar a estes sagrados valores, levando seres humanos a negarem o que creem, a deporem a consciência e a obedecerem aos próprios verdugos, em prejuízo de si mesmo e de parceiros de infortúnio. O que faria Arendt em situação semelhante? Como julgar aBtudes de quem está vivendo extremos radicais da miséria que humilha e enlouquece?

(FOTOS) – LEGENDAS:

9-10.11.1938 – A “Noite dos Cristais Quebrados” na Alemanha, Áustria e até na cidade livre de Danzig, grupos nazistas atacaram judeus e suas propriedades, com pilhagem, quebra-quebra e incêndios. Foto: Sinagoga de Boerneplatz em chamas.

Campos de concentração e fornos crematórios: genocídio de milhões de judeus, e também poloneses, ciganos prisioneiros inimigos e deficientes esicos. O darwinismo, raiz de arianismo nazista, levado ao extremo da loucura e da maldade humana.

Capítulo XIX

Uma viagem de trem

Na avenida torta a mulher sob a sombrinha vermelha, uma criança no colo. Poças de água formam lagos rasos, barrentos. Ela anda com dificuldade, protegendo o pequeno, em direção da estrada de ferro. A estação está apinhada de gente, aguardando a chegada do trem. A mulher fecha a sombrinha e descansa, encostada a uma parede. Presta atenção, mas não consegue entender nada do que se fala: línguas e sotaques tropeçando, palavras de sonoridade estranha em meio a outras, familiares. Cinco minutos depois do apito, na curva, chega o monstrengo de aço, puxando os vagões molhados. A máquina relincha seu dialeto mecânico, em meio ao fumegante vapor ardente. Crianças tremem assustadas, levam as mãos tapando ouvidos, cerrando olhos. Algumas famílias desembarcam, depois ficam aguardando malas e mudanças dos vagões cargueiros, carregadas por negros suarentos. Os que embarcam vão até Londrina. Outros, nos bancos de madeira dos vagões, seguem a Ourinhos, São Paulo, mundo afora.

Podemos observar mulheres bem vesBdas, chapéus europeus, altos saltos sob os sapatos finos. Existem também caboclos descalços; uns mascam fumo, cospem nos trilhos; outros carregam sacas nas costas lotando vagões de carga. Um molequinho moreno, cara de indiozinho, urina da plataforma. Há uma família de japoneses. Ele ao lado de três malas de madeira, a mulher carrega seu bebê, dentro de um suporte de pano bordado, atado às costas, pela cintura, sustentado também por Bras que sobem e descem por sobre os ombros – semelhante à figura da “Coroada and child”, desenho de Bigg-Whiter.

No páBo da estação, ao lado de um bebedouro para animais e sob a sombra de uma gigantesca árvore nominada ‘Santa Bárbara’, descansa a porcada. Um menino cuida dos bichos. Não tem mais de cinco anos, o cara suja. Carrega um facão amarrado na cintura – tão grande para ele, que a ponta afiada risca o chão, quando anda. O dono dos porcos, um barbudo magro da cara amarrada, move-se sobre seu cavalo branco. Os peões, depois de andarem léguas, desde Faxinal, estão deitados no chão: quase desmaiados dentro de suas roupas de barro. Alguns suínos, excepcionalmente irritados, brigam trocando dentadas, grunhidos escandalosos.

Várias de carroças, puxadas por cavalos ou éguas, aguardam em fila, cheias de sacas de café beneficiado. Uma a uma aproximam-se dos vagões cargueiros. Homens musculosos levantam as sacas, sustentam-nas, duas a duas, sobre a cabeça, levando-as até aos vagões. Esses trabalhadores, em sua maioria, são migrantes nordesBnos. Junto à entrada das composições um conferente mergulha, em cada uma das sacas da rubiácea, um funil metálico, arrancando amostras dos grãos de café, conferindo a qualidade. Depois disso outro carregador ajeita a sacaria dentro do vagão. Uma mulher desce de uma charrete de aluguel: segue em direção à estação, levanta a barra do vesBdo, evitando poças d’água.

Enfim, os porcos estão sendo conduzidos a outros vagões. Um porcadeiro masca fumo e conta sua safra, já dentro do vagão. O sino bate três vezes e os úlBmos passageiros embarcam. Cheiro de merda e lama alcança os vagões de passageiros, na primeira curva. Crianças excitadas correm entre sacas de manBmentos, malas e cachos de bananas. Outras metem a cara pra fora das janelas onde a paisagem deslisa. Um ancião acende um cigarro de palha. A caBnga do fumo forte mistura-se ao fedor da porcada. Um negro forte, luzindo, banhado em suor, joga lascas de madeira na fornalha. O vapor d’água, produzido pela caldeira, forma a energia do combusfvel, alimentando o motor que move a locomoBva. No arranque a chaminé lança ao ar fumaça escura, fagulhas incandescentes, enquanto roda. O monstro de metal devora toneladas de lenha em seu coração de fogo. Em direção oposta ao trem a estrada avança sobre a mata virgem, rumo a Apucarana: trabalhadores sem camisa, machados, picaretas, vagonetes cheios de terra. Mais à frente, troncos gemendo, ranger de galhos, fauna desesperada.

Na cinéBca paisagem os meninos veem clareiras e ranchos, lavouras de milho entre os cafezais, capões de mato, um homem martelando, sobre o telhado, outro Brando seu chapéu de palha, saudando os passageiros, bananeiras nos quintais, menininhos pelados segurando a barra do vesBdo da mãe que está gerando outro, a barriga crescida. Garotos sardentos sobre éguas lerdas, sete vacas gordas pastando, plácidas; uma tribo de macucos, cujo canto selvagem ecoa como cornetas no espaço. Um gavião preparando o ataque aos pintainhos da galinha carijó – ela arrepia-se toda e enfrenta a ave de rapina com coragem insBnBva. Eles se escondem sob suas asas, mas o mais lerdo é alçado ao ar pelas garras. Um cão ladra ao entardecer. O trem apita novamente, aproximando-se de Londrina.

Anos depois a imponente estação ferroviária de Londrina, construída entre 1945 a 1950, ergue-se bela, como um anBgo ediecio europeu. Foi inaugurada no dia 19 de julho de 1950 e, desde 1986, abriga a sede do Museu Histórico Padre Carlos Weiss, que preserva o acervo histórico, que começou com a iniciaBva do padre homenageado com seu nome.

Capítulo XXVII

Viagem ao coração da selva

Aos onze anos de idade o garoto George Craig Smith, paulistano e filho de ingleses, vivia na cidade de Winchester, no sul da Inglaterra. Estudava, junto com Sydney, irmão mais velho, no Clayesmore Schooll. Foram anos inesquecíveis para George, pelo alto padrão de ensino e pela orientação cristã de seus dirigentes: – Infelizmente, como o câmbio ficava cada vez pior, e a libra esterlina cada vez mais cara tornou-se diecil para meu pai nos sustentar na Inglaterra. Eu não pude me formar e Bvemos que voltar, em 1924.

Em São Paulo, o garoto estudou no Makenzie College, mas a diferença do ensino no Brasil, na época, fazia-o senBr-se desesBmulado para conBnuar os estudos. O garoto queria liberdade, viajar e conhecer o selvagem interior do Brasil. Essa oportunidade surgiu quando sua mãe apresentou-o ao Mr. Arthur Thomas, que era o gerente da Brasil PlantaBons Syndicate Ltd., onde conseguiu emprego. Até 1928 trabalhou na administração da Fazenda Cayuá – junto às barrancas do Paranapanema – onde culBvavam o algodão. Depois de um ano servindo ao exército, no Tiro de Guerra, passou a trabalhar como auxiliar de Gordon Fox Rule, no escritório central da empresa, em São Paulo.

Aos vinte anos de idade o jovem foi indicado, por Arthur Thomas, então diretor-gerente da Companhia de Terras Norte do Paraná, para comandar a primeira caravana às terras adquiridas no sertão do Norte do Paraná. O objeBvo era tomar posse e iniciar os primeiros trabalhos – derrubadas para a núcleo urbano pioneiro, levantamento de rios e espigões, construção de casas e abertura de estradas. George Craig Smith:

– Na madrugada do dia 20 de agosto de 1929, após muitos preparaBvos, compra de alimentos, arreios, cangalhas, ferramentas, armas e munições, parBmos de Ourinhos, num caminhão Ford 1929, em direção a Cambará.

Na viagem pioneira, além do responsável pela expedição, estava o Dr. Alexandre Razgulaeff – russo, engenheiro agrimensor, contratado pela Cia. de Terras; Alberto Loureiro – brasileiro, filho de portugueses, empreiteiro; Joaquim B. Barbosa – brasileiro, sócio do empreiteiro; Spartaco Bambi – brasileiro, auxiliar do agrimensor; Erwin Froelich – brasileiro, filho de alemães, cozinheiro da caravana; Geraldo Maia e outros cinco trabalhadores braçais.

Smith conBnua sua descrição da viagem pioneira, a Miguel:

Até Cornélio Procópio Bvemos uma viagem normal, sobre a estrada primiBva, porque não estava chovendo Os rios Cinzas e Laranjinha, atravessamos em balsas primiBvas. Quando chegamos ao rio Congonhas, não havia ponte, nem balsa. E agora, o que fazer? Como não era época de cheia e o leito do rio sendo de pedras, com coragem e fé avançamos devagarinho, por dentro das águas, com o caminhão carregado. Pela graça de Deus, conseguimos atravessar o rio e, com o motor roncando com toda a sua potência, subimos a barranca da outra margem. ConBnuamos a viagem até chegarmos à famosa Serra Morena, que era o pavor dos motoristas, pois a estrada que ladeava o morro era muito ruim e cheia de pedras soltas. Se não subisse de um só arranco, poderia o veículo voltar para trás e, se não Bvesse breques bons, correria perigo de cair no abismo – como de fato aconteceu para alguns.

No alto da serra vivia um português, João Gomes. Segundo o alemão Kurt Jakowatz que, juntamente com o barão Von Drachenfels e Werner Deringer, faria o mesmo percurso, meses depois, esse português havia criado alguns índios, desde crianças – seriam órfãos?

– Ele amansou os índios e eles o respeitavam. O português disse pra gente não se assustar: Durante a noite eles vêm caçar, mas vocês não manifestam, deixam eles sossegados, não precisa dar Bro neles! (sic)

A caravana e seus homens parou ali. Puderam descansar e tomar um banho. Depois de enfrentarem vários quilômetros de atoleiros, haviam ficado cobertos de barro. Aquele lugar Bnha uma posição privilegiada para observar a mata. Árvores vesBdas com as cores da primavera, orquídeas despencando de velhos troncos, macacos e araras inquietas, movendo-se sobre galhos e cipoais. Os aventureiros seguiram viagem. A doce floresta, recebendo a luz do sol, fazia tremeluzir as folhas, refleBndo no caminho a suave claridade. A mata alimentava com ar puro e fresco o leito da estrada.

George Smith conBnua seu relato ao jovem repórter:

– Chegamos a vila de Jathay no mesmo dia. Era uma vilazinha muito mal cuidada. Tinha uma praça central cheia de mato; ao redor havia pequenas casas. Todos seus habitantes estavam com maleita que, diziam, “dava até nas árvores”. Hospedamo-nos em dois ranchos de palmito, que mandamos o escocês Ian Fraser construir, para servir de alojamento e escritório provisório da Cia. de Terras e armazém. Ao chegarmos à vila, descarregamos o caminhão e tomamos banho nas ainda cristalinas águas do rio Tibagi e subimos para um suculento jantar. No dia seguinte, tratei de comprar mulas e burros necessários e alugar várias canoas, para fazermos a travessia daquelas águas turbulentas. Contratamos um índio manso, que morava em Jathay, como nosso primeiro tropeiro. Ele falava com as mulas em sua língua indígena e elas obedeciam-no prontamente. Infelizmente esse índio gostava de cachaça e, muitas vezes, quando estava tudo pronto para seguir viagem de Jathay até o patrimônio Três Bocas, ele desaparecia. Os animais Bveram que fazer a travessia a nado Enquanto uma pessoa ia remando furiosamente, outra – na canoa – segurava o cabresto do bicho. Foi um trabalho insano, pois o rio era largo e perigoso. Era necessário saber remar bem, caso contrário a canoa iria parar bem abaixo, na outra margem. Finalmente, sobre o lombo dos burros, em cangalhas de couro, foi iniciada a longa, perigosa e penosa viagem até as terras da companhia inglesa – por um picadão escuro e lamacento.

Dois ranchos: Marco inicial de Londrina – Foto: GCS

Depois de algumas horas cavalgando os vinte e dois quilômetros de trilha, o engenheiro Alexandre Razgulaeff, consultando seus mapas e conferindo as marcas que encontrava pelo caminho, exclamou: – Chegamos!

– Chegamos onde? – perguntou George Smith.

– Chegamos na divisa das glebas da Companhia de Terras Norte do Paraná!

Na tarde do dia 21 de agosto de 1929, quando Razgulaeff fincou o marco de madeira no chão vermelho, Londrina começava a nascer. Smith descreve esse alvorecer:

– Apeamos dos animais. O empreiteiro Alberto Loureiro mandou seus trabalhadores mateiros fazerem uma pequena clareira na densa floresta e erguer dois ranchos de palmito. Eram as duas primeiras habitações da futura Londrina.

George Craig Smith(27) se lembra de uma abençoada planta que, aos milhões, erguia-se reBlínea e magra por entre as outras pequenas e grandes árvores, e abria no alto seu leque verde e delicado:

– Havia palmito em abundância e nós os aproveitamos para matar a fome. Seus troncos, rachados longitudinalmente, serviram para construir os ranchos e fazer as camas. As folhas foram uBlizadas para cobrir os ranchos, forrar as camas e alimentar os burros de carga. A mata nos dava de tudo e acredito que usufruíamos da primeira dádiva generosa daquelas terras férteis.

Dois ranchos e uma história de liberdade

Durante a noite a floresta se vingava dos intrusos, com a visita de milhares de mosquitos e pernilongos aos barracos, onde os heróis da civilização tentavam dormir – merecido descanso, depois da trabalhosa viagem. Tiveram que fazer pequenas fogueiras dentro de cada um dos barracos, para defenderem-se dos impiedosos enviados da natureza. George Smith: “Aqueles dois ranchos serviram-nos de moradia até o início de 1930, quando completamos a derrubada de dez alqueires e construímos um grande hotel campestre e armazém de madeiras serradas à mão, por uma turma de portugueses contratados pela companhia”. (...)

O lugar passou a ser chamado Três Bocas por causa do rio, que passa próximo àqueles dois primeiros ranchos.

O jornalista Widson Schwartz (28/6) associou esse rio a um grupo de refugiados: “Na margem esquerda do rio Tibagi Londrina surgiria também à esquerda do rio Três Bocas, que logo seria mencionado numa história de liberdade: 13 famílias russas fugiBvas do comunismo se estabeleceram à margem do ribeirão, em 1935. Estavam refugiadas na Índia e para trazê-las a Liga das Nações comprou lotes de cinco alqueires da Cia de Terras Norte do Paraná, que designou um funcionário russo, Vladmir Revensk, para recebê-los” (sic).

George Craig Smith era alto e Bnha saúde e energia dos vinte anos - curiosos e brilhantes olhos azuis. Passou, desde então, a fazer constantes viagens até Ourinhos. Como outros pioneiros encontrou e venceu a temida inimiga que, dos banhados, espreita viajantes: a maleita que, se não mata, deixa a pessoa arrasada. Na luta contra o parasita Smith teve que ser tratado com doses gigantes de “Paludam”, aplicadas por meio de dolorosas injeções. Irmã da malária, faz milhões de víBmas, principalmente em regiões de clima quente. Entra no corpo através de picadas de mosquitos e aBnge os glóbulos vermelhos do sangue.

Alguns dias depois, estava de volta à estrada, levando víveres para os desbravadores do sertão – inclusive mil folhas de zinco, sobre os lombos arcados da tropa de burros. Desde então, aquele trecho de florestas teve que deixar o sossego milenar, dando lugar à picadões, estradas, lavouras, ranchos, núcleos rurais. Cidades brotando como cogumelos sobre a terra vermelha, construídas por gente que chegava dos distantes rincões do mais belo planeta da Via Láctea.

Capítulo XXIX Descrição da terra

Vem amigo! Sim, nesta altura já não és um simples leitor seguindo Miguel, mas um companheiro de viagem. Vamos caminhar por estas trilhas, sobre as pegadas do topógrafo, seus picadeiros e dos cargueiros, que levam os víveres e instrumentos. Vamos segui-los, reinventando seu discurso. O memorial descriBvo tem que ser objeBvo e preciso – seu senBdo é demarcar a posse, traçar o mapa, riscar as linhas entre um marco e outro, fincados na terra virgem. Trata-se de marcar limites entre uma propriedade e outra; pode-se detalhar, mas apenas para indicar a ferBlidade da terra, conformação geológica, acidentes geográficos, vesfgios humanos etc. A linguagem do engenheiro é monótona – afinal, não se trata de um lírico explorador naturalista do séculos passados – sem a telúrica agitação dos pássaros, as cores em movimento, sonoridades, alteridades, iridescências. Para ele tudo é mato; nomeia-o apenas quando indicaBvo de terra férBl ou fraca.

O topógrafo observa a agulha magnéBca, o ponteiro tremulando na direção norte, mirando o sol. Durante a noite orienta-se observando as estrelas da constelação da Alpha Ursa Maior, cujos focos luminosos brilham em distancias iguais. Com isso delimita o Norte Verdadeiro – Polo Norte. Este é o ponto em que se situam as terras, no planeta: 4 graus, 50 minutos e 5 graus e 30 minutos W.

Estamos no dia 30 de julho de 1926. O dia frio amanhece com o pálido ouro tremulando sobre brumas que lentamente dispersam-se sobre as águas do legendário Paranapanema. Nestas margens, há cerca de quatro séculos, brincavam crianças morenas, que cantavam um dialeto que se perdeu para sempre; sobre este leito deslizavam canoas indígenas. Este chão foi marcado pelas sandálias dos jesuítas, botas de bandeirantes e acampamentos de espanhóis, em suas malocas. Cantam os pássaros da alvorada, que já riscam o céu onde a formosa águia reina; delgadas garças brancas mergulham suas cabeças na superecie líquida, trazendo peixes caBvos em seus ponBagudos bicos. Deixamos a “Corredeira do Estreito” penetrando na floresta pela trilha aberta pelos afiados facões dos caboclos, em direção ao rio Ivaí. Vales ondulantes, cristalinos arroios, bromélias e requintadas orquídeas agarradas a gigantescos hospedeiros – paus d’alho, figueiras brancas elevando-se, majestosas, sobre suas catanas, de onde despencam cipós; sobre seus galhos altaneiros coriscos macacos, estridentes, inquietos, agarrando-se às raízes aéreas e observando-nos com curiosidade e temor ancestral. Filhotes agarram-se às mães, em meio à confusão formada a qual se junta à cantoria escandalosa das arapongas e o amarelo vibrante dos tucanos. Ao entardecer mudam-se maBzes; há outra linguagem ecoando. Nas ramadas a passarinhada disputa os lugares protegidos pelas folhas.

As solitárias águias recebem o úlBmo calor e luz do flamejante astro que desaparece. Uivos distantes, no escurecer. Junto à fogueira os picadeiros comem arroz, feijão, carne seca fritada numa panela suspensa sobre as chamas; pode ser também carne de anta, porco do mato. Um gole de cachaça, entre as garfadas; depois, uma caneca de café, trago no palheiro, um dedo de prosa. O sono chega logo sobre os músculos cansados. As chamas são alimentadas pela senBnela. Vigilante, o caboclo mantém o dedo no gaBlho do fuzil, atento a cada ruído que possa destoar na canBlena dos grilos, sapos ou pequenos predadores de hábitos noturnos. Atento, alerta enquanto seus companheiros dormem. Mira o céu intensamente estrelado, de inverno; inventa uma canção que assovia na solidão noturna.

Seguimos em frente, manhã seguinte, subindo suavemente um divisor de águas, até uma alBtude de quinhentos metros, depois declinando e descendo mais – então vislumbramos o formoso vale do rio Caiuá –terra forte às margens do rio, por onde brotaram vigorosos bosques. Distanciando do manancial a terra perde vigor, ostentando uma vegetação mais fmida. Cerca de dez quilômetros depois o solo ganha força novamente. Cresceram sobre ele palmitais que avançam para o sul e pelo divisor das águas dos rios Diabo e Caiuá.

Chegando ao rio Bandeirantes do Norte percebemos topografia variada, com elevações e depressões. Em cada um desses habitats vivem diferentes espécies de plantas, arbustos, insetos, musgos alimentando-se da seiva das pedras banhadas por respingos de aguazinhas que caem entre declives. As aves estão por toda a parte, orquestrando amanhecer e pôr do sol. Depois dessa acidentada paisagem, onde a flora é menos alBva, mas não menos nobre, reencontramos terrenos gordos de húmus, onde imperam árvores gigantescas e, novamente, palmitais, bosques de cedros e perobas seculares. Neste ponto a alBtude oscila entre trezentos e quinhentos metros. Aqui, anota o engenheiro, poderão crescer culturas exigentes, como o café, apesar das manchas arenosas nos vales do Diabo e Caiuá. A região descrita é banhada por três notáveis tributários do Paranapanema: Diabo, Caiuá e Pirapó e por grande número de arroios que jogam suas águas nesses afluentes – como uma generosa cabeleira de filetes, canais naturais de irrigação do solo. Não existem serras escarpadas, neste trecho, apenas mansas elevações sem grandes contrastes.

Neste esboço da realidade geográfica de cento e vinte mil alqueires – primeira gleba – o topógrafo anota vesfgios do animal humano: Uma estrada que parte de Presidente Prudente, no Estado de São Paulo, passando por Paraguaçu e Conceição do Monte Alegre, até ser interrompida pelo rio Paranapanema, defronte a barra do rio Pirapó. Para a travessia do manancial existe um precário serviço de balsa. Da margem paranaense a estrada segue pelo espigão que divide as águas do Pirapó e Diabo, até certa altura. Depois, sempre à oeste, até alcançar ao sul o espigão que separa os vales Paranapanema e Ivaí. Existe outra estrada, que vai até a anBga concessão da BRAVIACO – Cia. Brasileira de Viação e Comércio – atravessando essas terras em direção Leste-Oeste, sempre nas proximidades do Paranapanema. O rio Pirapó, desde esta altura até ao porto Pirapó, junto ao Paranapanema, é navegável para pequenas embarcações – pode-se fazer este trajeto em apenas algumas horas, se esBverem providas de motor. As corredeiras Toy-Uyú, Diabo e Pedregulho permitem passagem por meio de alguns canais estreitos. Na margem da estrada, junto à barra do Pirapó, há uma construção de madeira – peroba e cedro – recentemente erguida. Trata-se da estalagem da CTNP; junto a ela existe uma garagem, depósitos e pequeno entreposto de gêneros. Penetramos mais profundamente no seio destas matas subtropicais. Vislumbramos agora o vale que oscila entre duzentos e cinquenta a quinhentos metros de alBtude, desenhando – morro abaixo – as nascentes do rio Ivaí. Podemos observar grande variedade de vegetação, predominando nos divisores secundários, os padrões de terra vermelha –palmitais, paus d’alho, cebolões. Nas baixadas, serpenteando o contorno das águas, vicejam criciúmas e grande variedade de madeiras-de-lei – excelentes terras para a agricultura, com trechos muito propícios a culturas tropicais.

O rio Ivaí, principal acidente geográfico deste trecho, foi visitado em 1866 pelos engenheiros Keller. Os irmãos engenheiros estavam a serviço do Império Brasileiro, para procederem a exploração e conhecimento hidrográfico deste e de outros mananciais: Paraná, Ivinhema, Paranapanema. Essa missão lhes foi confiada em função da Guerra do Paraguai. Havia dificuldades das tropas brasileiras locomoverem-se em direção ao front; por isso buscava-se alternaBvas. Oferecia maior possibilidade de sucesso uma passagem que, parBndo de CuriBba seguia até a colônia Tereza, à margem do Ivaí, por uma estrada de rodagem, aproveitando – na sequência – o leito do rio Ivaí; desse ponto até o rio Paraná, por uma frota de pequenas embarcações. Do Paranazão em diante far-se-ia a ligação pelos rios Ivinhema, Brilhante e outros, até chegar aos sertões do sul do Mato Grosso – foco maior do sangrento conflito. Na ocasião os irmãos Keller fizeram minuciosos estudos das descargas do Ivaí, descrevendo declividades, demonstrando sua navegabilidade num trecho de 163 km, compreendido entre a Corredeira do Ferro e a barra do rio Paraná. Na altura em que estamos, a parBr da barra do rio Corumbataí, o comprimento do rio é de 110 km. Na parte média de seu rumoroso curso predomina vegetação parenta próxima da tropical, forjando espécies de tamanho e qualidade superior as que dominam o curso superior do mesmo rio, mais acima, na barra do rio Alonso. Adjacentes ao rio predominam, além de palmitais, laranjeiras azedas. Abaixo da úlBma corredeira, nominada Ferro, os Keller descobriram bosques com boas madeiras para construção, desaparecendo as laranjeiras, como os palmitais. Então, as plantas mais delicadas são subsBtuídas por gigantescos bambuzais – que rangem e gemem a passagem do vento – além de cactos e palmeiras tucum. Se um agricultor experiente, conhecedor da flora desta região, sobrevoar a floresta poderá – observando as espécies de vegetação – diagnosBcar a qualidade da terra sobre a qual elas crescem. Em regiões mais elevadas, se houver perobas esparsas, palmito branco, marfim, gabiroba e saúva no alto, a terra é de boa qualidade. Mas se houver pindaíba, guaritá vermelho, palmito roxo e alecrim, a terra é fraca. Se houver pinheirais densos a terra é ressecada. Se os pinheiros rarearem sobre fundos de vales o solo pode ser férBl, dependendo das espécies encontradas nas elevações do terreno.

Para o observador especializado não é diecil detectar vesfgios minerais nestes vales – cobre, ferro. Na anBga Vila Rica, cidade espanhola da Província do Paraguai, fundada há mais de quatro séculos, exisBu uma fundição de ferro, a julgar pelos débeis sinais não tragados pelo tempo – voraz transformador de tudo. Revelaram os irmãos Keller detalhes dos baixios, ao examinar esses “gabinetes mineralógicos”, indícios de carvão de pedra, sem sucesso. Se houver – concluíram – esconde-se nas camadas inferiores até as úlBmas camadas do arenito. Ao pé das ruínas correm cem metros cúbicos de água, por segundo – no tempo de águas baixas; elevando-se para 200 metros por segundo, junto à barra do Ivaí, ainda nas águas baixas – aBngindo 3.500 metros/s nas enchentes. Esta gleba tem boa distribuição hidrográfica, destacando-se entre os maiores afluentes do Ivaí os rios Bandeirantes do Norte, Keller, Lloyd Paranhos, além de inúmeros regatos. Os terrenos conBnuam ondulados, com espigões semelhantes aos da primeira gleba – só que com acidentes mais pronunciados. Uma solidão profunda parece habitar estes vales. Onde antes viviam poderosas e numerosas tribos – gente aguerrida e altaneira em tempo de guerra, mas pacífica e laboriosa em tempo de paz. Ao olharmos para trás percebemos os sinais da nossa peregrinação – picadas em meio ao torvelinho verde. Uma indagação nos inquieta: para onde foram os índios, sobreviventes das “encomendas” espanholas e das invasões bandeirantes? Teriam abandonado a região na época da Guerra do Paraguai, emigrando para o País vizinho? Assim as botas palmilharam mais cento e vinte mil alqueires. Quem sabe, nômades e arredios, sobrevivem pequenos grupos cautelosos sempre a frente da temida presença de brancos, cheios de cobiça e de fúria. Seguimos avante, amigo. Nós podemos nos embriagar deste perfume que emana das flores, obcecados pelo chamado selvagem. Podemos beber da mansa energia que flui nesta atmosfera refrigerada. Os que medem, marcam divisas e cravam marcos não têm tempo para a poesia, nem para a idílica comunhão com a natureza que nos envolve. Antecedem as levas que em breve farão desses ermos, onde a vida prospera e se inventa sem limites, derrubadas e queimadas. Os cafezais se alinharão como impávido exército, aliado do invasor; pastos sonolentos, monótonos canaviais, chão rasgado por tratores, solo ubérrimo removido por arados mecânicos, movidos a óleo diesel, desnudando o chão até as margens dos rios, ignorando até matas ciliares, que protegem o leito de riachos e ribeirões – pisando as letras mortas dos códigos florestais, governantes e burocratas relapsos, indiferentes ao drama da fauna e flora, agonizantes – sem dó, nem piedade. Depois, campos de trigo, vasfssimas plantações de oleaginosas. Os rios, não mais cristalinos, correrão barrentos, devorando o precioso solo formado durante os úlBmos milênios – canais de esgoto, raros peixes sujeitos a deformações genéBcas por causa de resíduos de agrotóxicos – vilões, subprodutos de uma agricultura mecanizada, submeBda ao lucro obsessivo, imediaBsta, e a exportação e falta de planejamento racional. Navegarão os dejetos dos povoados, que crescerão como cogumelos, pela mulBdão sedenta de espaço, tocaiada por guerras, revoluções, secas, desemprego, perseguições; a humanidade movendo-se sempre em direção à fronteira oeste do Planeta, anos luz solitário na Galáxia.

Regressamos ao vale do Pirapó, que se estende até as elevações que delimitam o Paranapanema e Ivaí. Seguimos, linha seca, rumo Este-Oeste verdadeiro, limite sul da Concessão A. Alves de Almeida. O limite Leste consBtui-se pelo prolongamento da linha de divisa da Fazenda Ribeirão Vermelho, cuja história é, em parte, resgatada no próximo capítulo. Neste ponto, um marco de madeira é cravado no chão. Em frente seguimos –numa reta – até ser fincado novo marco, agora no divisor principal do Paranapanema-Ivaí. À oeste a terra é dividida por uma linha reta – eficaz, imaginária – no rumo sul verdadeiro, entre o divisor sul da concessão citada e o espigão divisor dos vales Paranapanema-Ivaí.

Percorremos espigões que oscilam entre trezentos e cinquenta a setecentos metros de alBtude, admirando o verde vale onde desliza o rio Pirapó. Somos atraídos pela irresisfvel beleza desta paisagem, cuja grandeza contrasta com nossa pequenez e desafia nossos senBdos – tudo poderia ficar assim, para sempre. Mas, não; aqui, nessas pegadas, a gênese de seu apocalipse. Os humanos analisaram os mapas, farejaram lucro. Pertencemos a uma civilização inquieta e insaciável – sem tempo para contemplar, nem ao menos para criar as bases de um planejamento eficaz da ocupação inevitável. Mais além, o divisor dos rios Tibagi-Pirapó, limite leste desta gleba; a terra conBnua vermelha, porém prevalece a taquara que, numa estreita faixa, define o espigão. Esse arbusto, anBga matéria-prima de cestos perfeitamente trançados pelas mulheres das aldeias, matéria prima de arcos e flechas dos guerreiros, logo desaparece – o terreno declina para oeste, revelando bosques imponentes, deixando a descoberto as cabeceiras do Pirapó. Seguimos o invisível traçado, EsteOeste, que limita ao norte esta gleba. Divisamos os dois braços do Pirapó, ambos de apreciável volume de água. Um a norte, formando o rio Bandeirantes do Norte; outro contravertendo com desBno ao Ivaí e, no seu curso, atraindo muitas aguazinhas que nascem no divisor principal. Florestas onduladas a norte e noroeste, subindo conformações serranas a sul e oeste, que se definem em espigões que separam as águas do Paranapanema, Ivaí e Tibagi.

Nesta gleba a presença humana, segundo o engenheiro, é denunciada por uma trilha de cargueiros que tem seu ponto inicial no estremo da estrada que parte da barra do Pirapó, serpenteante em direção ao modorrento distrito de Jathay. Quem ainda habita o coração dessas florestas? Índios nômades, caçadores, traficantes de peles, exploradores clandesBnos das preciosas essências naBvas, garimpeiros enfeiBçados pelos veios diamanfferos do vale do rio Tibagi? Assim percorremos mais 42.190 alqueires da terceira gleba –devidamente demarcados.

Palmilhamos a quarta gleba que, juntando-se às outras já delimitadas, aBngirão quase 350 mil alqueires comprados pelos ingleses da Paraná PlantaBons e sua sócia brasileira, a Companhia de Terras Norte do Paraná. Esta área pertence ainda ao vale do Ivaí que, neste ponto, recebe pela margem direita o rio Bom. Terra vermelha, propícia para culturas que gostam de calor, como o café – nas imediações do rio Bom. Enfiando as mãos na terra, cheirando-a, senBmos sua saúde, sua generosidade que poderá alimentar centenas de milhares de pessoas, viventes das insaciáveis cidades, daqui e além-mar; ou apenas saciar alguns milhares de cabeças de vaca – que hão de saciar o apeBte de muitas gerações humanas.

O rio Ivaí é o limite sul dessas terras. Quem deixa a foz do rio Bom e percorre até o limite oeste do terreno encontrará uma série de anomalias topográficas, que torna diecil a navegação. Nestes trechos o Ivaí se contorce nos saltos da Ilha Grande, suas águas são emparafusadas nas corredeiras do Biguá, da Bulha, Grande, Comprida e em outras menos salientes. Os rios Keller, Mandaguari e Barra Grande são os veios principais que alimentam o rio Bom. Este chão que antes era natureza, agora propriedade privada, tem aspecto variado, com acidentes orográficos à leste, com os contrafortes da Serra Apucarana – a mais notável, em toda a região. Os espigões se elevam em direção sul a sudoeste. Recurvas e intrincadas são as linhas que definem sua aparência, acontecendo à transição de ondulados, a noroeste, para elevados e serranos que caracterizam o espigão que isola os vales do Tibagi e do Ivaí, nas imediações do rio Alonso. Agora seguem paralelos esses dois mananciais – Tibagi e Ivaí. Depois, aos poucos, vão adquirindo feições disBntas as terras, na medida em que mais se bifurcam – cada um assumindo sua personalidade. Lá pelos confins do noroeste, onde navega o senhor de todos esses rios, o ‘Paranazão’ que, ao encontrar o negro cenário de basalto precipita com estrondo suas águas comprimidas, formando – como descreveram os mais anBgos forasteiros sete sinais de vapor d’água, passando, ainda ruidosamente em seu leito pétreo, junto às ruínas de Ciudad Real de Guairá; cumprindo seu desBno no “hermoso” estuário do rio da Prata até salgar suas águas no oceano AtlânBco.

Em 1982, na proximidade do fim do Parque Nacional de Sete Quedas, criado por Decreto do Presidente Jânio Quadros, para preservar para sempre as maiores cachoeiras do mundo, em volume de águas, juntamente com dezenas de milhares de outras vozes, Carlos Drummond de Andrade, cantou um “Adeus a Sete Quedas”. Planejada por tecnocratas ávidos de grandeza, durante o regime militar, a Usina de Itaipu seria louvada como a “maior hidrelétrica do mundo”. A Obra contestada por muitos pois inundaria uma área equivalente a três baias da Guanabara, desalojando cerca de 10 mil pequenos e médios agricultores, além de inundar áreas selvagens em que viviam índios da tribo dos “Avá-Guarani”, além de fazer submergir as Sete Quedas, uma das maravilhas do Planeta. Lamentou, então, o poeta: “Sete Quedas, por mim passaram, e todas sete se esvaíram / Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele / a memória dos índios, pulverizada, / já não desperta o mínimo arrepio./ Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes, / aos apagados fogos de Ciudad Real de Guairá / vão juntar-se os sete fantasmas das águas assassinadas / por mão do homem, dono do planeta” (...)

Capítulo XXXI

Da velha Áustria a Serra dos Dourados

Sumiço dos Coroados / Testemunha de uma chacina / José Jofilly / Barão de Antonina / Coroados / Xetás: “Peixe em Lagoa Seca” (trechos)

Em 1918, Michael Licha, por causa de galopante inflação, perdeu seu síBo, na Boêmia. Vendeu-o para comprar outro maior, mas com o dinheiro perdia o valor a cada dia, pode comprar apenas cinco mil metros de terra – insuficientes para sustentar sua grande família.

Emigrar – esta foi a solução encontrada pelo patriarca. Em 1924, viviam como colonos na Fazenda Bela Vista, junto a Ipaussú, interior de São Paulo, onde a família permaneceu até 1931. Então, com quase seis contos de réis guardados, Michael resolveu comprar terras no Paraná, incenBvado pelo barão Drachenfels, também personagem nesta história.

Desde 1930 um dos filhos, José Licha, vivia no Patrimônio Três Bocas, futura Londrina, trabalhando como tropeiro para a CTNP. Sozinho, ele guiava uma tropa de quatorze animais, por meio de trilhas precárias. Muitas vezes deixava o patrimônio para embrenhar-se na mata fechada, debaixo de chuva. Levava provisões a topógrafos e sua equipe, encarregados de fazer levantamentos e divisões de lotes, planejamento de estradas etc. José dizia ter várias vezes encontrado felinos em suas viagens – não Bnha medo, mas enfrentava muita dificuldade em controlar sua tropa nessas ocasiões, especialmente quando a onça pintada urrava. Cada animal carregava uma cangalha: grande armação de couro cru com duas bolsas, onde cabia um saco de sessenta quilos. Essa armação era sustentada sobre o dorso da mula, com carga suspensa em ambos os lados do corpo.

O tropeiro Bnha receio, apenas, das serpentes – dependendo da distância, uma picada de jararaca, cascavel ou urutu, era morte certa; seria tarde demais chegar à Londrina ou Cornélio Procópio, para tomar o soro anBoedico. Geralmente as cobras se afastam à proximidade humana, a não ser que estejam enroladas: picam apenas quando se sentem ameaçadas ou pisadas. A urutu, pelo contrário, ao senBr a aproximação de alguém, levanta parte do corpo e emite um som semelhante ao guiso da cascavel, fazendo tremer a ponta do rabo. Em seguida, vem em direção da pessoa, arrastando parte do corpo no chão e com a cabeça levantada cerca de meio metro.

Franz Licha descreve a urutu:

– Apesar de perigosa, a urutu é uma das cobras mais bonitas, dorso cor marom escura, estrias claras na lateral do corpo, seguem dois riscos de um amarelo vivo e brilhante que se cruzam sobre sua cabeça – por isso ganha o nome de Urutu Cruzeiro (sic).

O trágico fim dos índios Coroados na terra vermelha

Graças a seu interesse pelos índios da região, Franz Licha, irmão de José, o tropeiro, pode preservar para a memória histórica, alguns fatos importantes, até agora inéditos, relatados a Miguel fez questão de pedir a assinatura na úlBma página da entrevista, gravada e transcrita: Emenegildo Ribeiro e José Trigo contaram a Franz Licha o seguinte episódio, ocorrido em 1930, aproximadamente:

– Quando a turma do desmatamento, para prosseguir a construção da estrada de ferro até Jathay, chegou ao rio Laranjinha, apareceu o cacique dos Coroados, juntamente com um grupo de guerreiros. Eles alertaram que, se não cessassem a derrubada do mato, haveria guerra. Houve uma conferência onde estavam presentes, além de Emenegildo e José Trigo, um sertanista do anBgo S.P.I. – Serviço de Proteção ao Índio. Apesar disso, conBnuaram a abertura da clareira linear, já do outro lado do rio. Por não serem ouvidos, os índios invadiram e destruíram completamente o acampamento da MacDonald and Co. Ltd., a empreiteira. Naquele momento, apenas o cozinheiro estava ali, e foi morto por uma flechada, quando lavava louça às margens do rio Laranjinha. O fato provocou grande alvoroço entre o pessoal da estrada de ferro. Muitos abandonaram o serviço, temendo novo ataque. Mas isso nunca mais aconteceu. Os índios se reBraram do local em direção ao rio Congonhas, onde havia um grande acampamento dos Coroados –próximo de onde hoje está a cidade de Cornélio Procópio.

Em 1949, Franz Licha conheceu um homem chamado Paulo – apelidado Paulinho, que se dizia anBgo jagunço, e vivia em Jathay. Ele presenciou a sequência dos fatos: a família Barbosa, grande cafeicultora na região, Bnha comprado trinta mil alqueires de terras na região do rio Congonhas, em 1923. Um de seus filhos visitava a região, prevendo sua futura ocupação, já que era valorizada pela passagem das locomoBvas. Franz Licha contou a Miguel, o que ouviu do senhor Paulo, que testemunhou o incidente:

O filho do grande fazendeiro da região pioneira estava com uma turma de mateiros, visitando a região e, quando subiam o rio Congonhas, encontraram uma índia que levava um pote de barro na cabeça. O susto aconteceu para ambas às partes. A índia deixou no chão o pote, juntou suas mãos em forma de concha, levando-as até a boca, soltando um grito estridente que ecoou pela floresta. Logo chegaram respostas da aldeia indígena. Dizem que o susto do rapaz foi tão grande, que ele molhou as calças – tremendo sob os alaridos. Dias depois, um fazendeiro juntou uma turma de jagunços e, com eles, atacou a aldeia dos índios. Eles fuzilaram tudo o que havia pela frente, não pouparam crianças nem mulheres. O senhor Paulinho disse que foi uma coisa horrível, aquele ataque de surpresa. Havia mulheres com crianças no colo, implorando, mas ninguém senBa compaixão: fuzilaram todos! Desde então, caçadores e pescadores, ainda em 1950, evitavam se aproximar do local do massacre, devido às caveiras que ainda se viam esparramadas pela mata. Os índios que conseguiram fugir, rio Congonhas acima, acamparam próximo do anBgo Patrimônio da Luz, hoje Nova FáBma. Desde então, as índias que restaram se recusavam a engravidar, por causa da amarga lembrança do genocídio. Em 1944, Licha estava na venda de J.J. Cane, fazendo compras (no Patrimônio da Luz) e viu um dos úlBmos Coroados. Haviam sido levados para o ribeirão do Pinhal pelo S.P.I. – Serviço de Proteção aos Índios, fazendo-os ficar na reserva dos índios Caingangues. Eis a descrição que Licha fez do coroado:

– Tinha a face Bpo mongoloide e altura de um metro e setenta. Sua cabeça era mais estreita, diferenciada do Caingangue, que tem a cabeça mais quadrada. Em 1978, a FUNAI – Fundação Nacional do Índio –constatou a existência de apenas sete índios Coroados no Paraná.

José Joffily, ingleses da CTNP e o sumiço dos Coroados

O escritor José Joffily (39) quesBona a presença dos ingleses no Norte do Paraná, como uma imposição estrangeira em função do endividamento do País. Claro, advindos de éBca protestante, cultura e economia liberal, empresários ingleses vieram para comprar e vender terras, após o conhecimento da disponibilidade de empreendimento na região de solos de origem basálBca e enriquecidos durante milênios por florestas que sugavam sua ferBlidade, devolvendo ao solo o riquíssimo húmus, que fortaleceu ainda mais sua ferBlidade. Era um negócio, queriam lucro, mas agiram de forma éBca e baseada na legalidade das transações e documentos juridicamente incontestáveis, de acordo com a legislação vigente.

Joffily criBca o que ele chama de “historiografia oficial” ao se referir a colonizadora de capital inglês. Afirma:

“É impossível conhecer a colonização do norte do Paraná sem passar pelo nosso endividamento externo, assim como seria absurdo conhecer a colonização do Brasil sem passar pelas capitanias hereditárias. Pelo muito que fizeram os ingleses são merecedores da nossa graBdão tanto quanto o primeiro donatário MarBn Afonso de Souza. Igualmente inaceitável é dissociar Londrina dos banqueiros mulBnacionais – N.M. Rothschild & Sons – com seus emissários”.

Apesar de sua boa intenção de explicar o sumiço dos índios Coroados, no Norte do Paraná, seu conhecimento parcial da história levou-o a equívocos.

Capítulo XXXIX

Revisitando os “Manuscritos da Coleção de Angelis”

Os “Manuscritos da Coleção de Angelis” é um raro e precioso acervo de documentos, originais, comprados pelo Império do Brasil ao estudioso italiano a parBr de negociações, desde 1846 até vésperas da Guerra do Paraguai – moBvada por questão de fronteiras entre os dois países. Aliás, a região estudada, desde os primórdios da colonização, foi palco de disputa entre portugueses e espanhóis: trágicos capítulos nos quais a população naBva sofreu um dos mais bárbaros genocídios que se tem nofcia na crônica de nossa civilização. Por meio desses documentos podemos melhor compreender o universo histórico, sociológico e religioso do anBgo território da Província do Paraguai, que compreendia, no século XVI, quase toda região sul do Brasil, até à foz do rio da Prata, parte norte da ArgenBna, Chile, Peru e atual território do Paraguai.

O drama vivido pelos índios, espanhóis, portugueses e jesuítas – entre os anos 1594 a 1640 – é parcialmente revelado nessas cartas, oecios e relatórios, abaixo analisados, e dos quais extraímos os textos publicados em sua anBga grafia original.

Primórdios da Cia. de Jesus no Guairá

Em 1594, conforme carta de doação de uma sorte de terras a jesuítas portugueses, pelo capitão Rui Dias de Guzman – a serviço do “adelantado” da província Espanhola do Paraguai – a missão da Companhia de Jesus já havia dado seus primeiros passos em Vila Rica do Espirito Santo, com a construção de “una casa y sumptuoso templo de la adbocacion del glorioso Sanct Juan bapBsta”. Desde então já eram registrados conflitos de interesses entre os religiosos e seus vizinhos espanhóis. O capitão Juan Merino, que subsBtuía Ruy Diaz em Vila Rica, havia se apossado das terras doadas pela viúva do cacique Melchior à Companhia de Jesus. Em 1595, em função da demanda, o alcaide Jeronimo de Garcete passava a declaração de posse do dito terreno ao padre Manoel Ortega. Desde o início da ocupação a práBca da “encomienda” – uma forma de submissão legal do genBo, a espanhóis, era outorgada pelas autoridades. Em 1596, por exemplo, o governador D. Juan Ramirez de Velasco doava “18 yánaconas” a casa e igreja da Cia. de Jesus, em Vila Rica. Com a “encomienda” de caciques e índios nos rios “Ubaí, Corumbataí, Tibajiva, Ivaí” e outras comarcas do Guairá “para el servy. del convento o obra pia que s. senalare, yale hizo çedula de encomyenda en forma” (sic). Em 1597 percebe-se a rápida expansão da região de influência dos jesuítas na Província do Paraguai. Nessa época os tupis já penetravam a região. Num documento de “merce e encomyenda” a João Gonçalves, entre os índios relacionados consta também “los doze restantes solos que se escaparon de los tupis de um pueblo que desbarataron el da provy. de guayra” (sic).

Em 1609 os padres Cataldino e Masseta se propõem a fundar reduções. Nesse senBdo o tenente do governador do Paraguai e do rio da Prata dom Antonio de Anasco, solicita apoio e auxílio junto à Companhia de Jesus: “Por el presente mando al cap. Pero garcia y otra qualquer jusBcia de guayra, que en ning.a manera preçisa asta que otra cosa se ordene y mande, no salgan ni embien a hacer malocas Jornadas ni entradas ningª. a la Prov. del yparanapane y ABbaxiva, ni otro ningun rio que cayga en el paranapane, porque de presente se pretende reduçir a los naturales della por medio del padre Joseph Cataldino y el P e. Simon Maseta de la compania del nombre de Jesus” (sic).

Malocas da escravidão

As “malocas” eram incursões de soldados ou civis espanhóis a territórios indígenas, para aprisioná-los e colocá-los sob a servidão do regime de “encomiendas”. O padre Diogo Gonçalves, em seu parecer sobre as diferentes malocas, considerava “justas” aquelas feitas contra “yndios enemigos del nombre xpno y de la propagacion de la fee, porque ynpide pasar a otras gentes que podriamos yr a coberBr”. Diogo Gonçalves, no entanto, condenava os excessos dessas práBcas espanholas.

Em 1612 o missionário MarBn Xavier relatava sua viagem, de Assunção às reduções do rio Paranapanema, Pueblo e Santo Inácio. Em sua carta conta que no Pueblo de Maracayu foi recebido pelos índios “en forma de Procession com cruz cantando la doctrina que fue para mi una vista de harto consuelo”. MarBn Xavier denuncia, no parágrafo seguinte, as condições de vida e trabalho daqueles índios, nos ervais do general D. Antonio Melgarejo: “Aqui, por vista de ojo el excessivo trabajo de los yndios que acarrean la yerva los quales con tan grande trabajo y como no les dan de comer sino que ellos en el Bempo que abran de descansar buscan algumas rayces para no morir de hambre andam flacos y en los huesos”.

Depois de passar pela Vila Rica do Espírito Santo parBu em uma canoa e depois de seis dias e meio chegava à redução de S. Loreto e, mais um dia rio Paranapanema acima, chegava à redução de Santo Inácio, onde foi recebido pelo cacique principal, Miguel ABguajé e outros “con muestras de mucha alegria con cruz y procesion com muchos arcos triunphales, etc”. Conta, entusiasmado, que o lugarejo contava com 700 índios, e que naquele mesmo dia houve baBzado de 50 crianças e 3 adultos, além de eleições para os cargos de alcaide e regedores.

Considerou estar ali um “consuelo muy parBcular”. Ao anoitecer sobre o rumoroso veludo do rio ouviu cânBcos. E de manhã, mesmo antes de se tocar os sinos, as orações dos converBdos se elevavam ao céu. O cardápio coBdiano em Santo Inácio não dispensava a mandioca, batatas, guisados de codornizes e outros animais caçados. Segundo afirmavam os habitantes da redução aquele campo era habitado por numerosas tribos “crueles y muy carniceros”.

A paisagem

Miguel deixa Nova Dantzig sob uma revoada de andorinhas e embrenha-se no passado. Antes de pisar o chão, contempla a floresta milenar. São tons do verde em todos os maBzes. Rebentam floradas brancas, azuis e escarlates. O sol, com seus dedos de luz, parece orquestrar as nuvens sobre o azul, fundo luminoso para milhões de pássaros.

Vê as gigantescas figueiras, velhas senhoras coroadas de flores brancas – sustentadas pelas suas catanas e vigorosa rede de raízes. Perobas reBlíneas erguem-se por entre galhos e cipós para estenderem seus braços fortes por sobre a paisagem – acima de cajaranas e caviúnas onde as preguiças sobem lentamente. Surpreende-se com um bando escandaloso de macacos. As arapongas são como ferreiros, batem martelo na bigorna. Encontra catetos, tamanduás, lontras, antas, pacas, capivaras, veados, coBas e cágados. Alimenta-se de jenipapos, ingás, pitangas, jabuBcabas, araBcuns, goiabas e araçás. Ramos secos sob os pés. O rufar dos galhos do cedro-rosa. Lá está uma família de vigorosos carvalhos e também pau-d’álhos e taquaras ressoantes ao vento. Sorri diante da passagem de centenas de beija-flores: zunem as asas, abastecidos do néctar das flores, que adoçam e perfumam a floresta. Um ser harmonioso e completo, misterioso e radiante – vibrando em cada espécie: aranhas, besouros, abelhas, vespas, mandruvás, centopeias, borboletas e minhocas – habitando terra vermelha, rica de húmus e sais minerais – habitada por trilhões de micro-organismos.

Baitacas, periquitos e tucanos ostentam vestes mulBcores. Macucos, marrecos, inhambus, emas, jacus e mutuns juntam-se a bem-te-vis, pássaros-pretos, sabiás, gralhas, gaviões, jaós, perdizes, irerês, gansos e anus: fazem de sua linguagem canora a mais bela das orquestras. Suave e dissonante aos ouvidos do viajante que veio do futuro. Não teme suçuarana, nem jaguaBrica ou o lobo-guará. Segue a vertente florida e uma onça pintada guia-o pelos mistérios profundos da mata. Vê adiante a anta e seus filhotes banharemse tranquilamente nas cachoeiras de um riacho cristalino: lajeado de pedras onde medram musgos e samambaias: sob a água nadam dourados, cascudos, piracanjubas, bagres, Blápias, piaus, curimbatás e lambaris. Olha nos olhos de um menino selvagem que anda distraído a imitar o voo da borboleta azul. Ele sorri surpreso, sob o bosque de graciosos palmitos. Examina curioso, sua roupa, sapatos de lona e o alforje sobre os ombros. Depois aponta a trilha da aldeia. Miguel segue-o em seu caminho suave: “peabiru”.

Chega a uma clareira. O sol mergulha seus raios de ouro nas ramagens, por sobre uma grande habitação com cerca de trinta metros de largura, coberta e cercada com folhas de palmeira. Entra por uma pequena abertura, que serve de porta. Não há divisão interna e ali vivem várias famílias. Quando a noite chega, o centro do rancho fica iluminado por pequenas fogueiras; logo mais, os índios vão dormir sobre cascas de árvores, estendidas no chão, com os pés voltados para o calor do fogo.

Crianças e adultos andam nus: apenas cordéis trançados à cintura. As mulheres usam tangas que cobrem a cintura, até os joelhos e colares ornando o pescoço. Elas tecem essas roupas com fibras de urBga. Levamnas amarradas em volta da barriga por um cinto largo, feito de fibras de casca de árvore, nos quais esfregam brotos de taquara para ficarem de cor preta.

Esses selvagens cor de cobre geralmente têm o esico bem formado, estatura regular, peito vigoroso, pulmões largos, mãos e pés pequenos. Sob a testa pequena, olhos negros, inquietos e oblíquos; ossos faciais salientes, grossos lábios, grandes dentes e pescoço curto. Sua beleza não pode ser encontrada nas feições rudes, mas no conjunto alegre e comunicaBvo – calma inquietude. São curiosos e espertos e podem aprender com facilidade o que se lhes ensina. Entre eles, para alguém ser respeitado e obedecido, deve provar sua superioridade esica e agilidade. Em caso de conflito, os parentes da víBma exigem tratamento semelhante, ao agressor – ou uma compensação, como um objeto por ele oferecido.

Cada grupo de cinquenta a cem indivíduos é liderado por caciques, que só podem governar com brandura e persuasão: o chefe conserva os súditos sob sua influência, oferecendo-lhes dádivas e presentes. Se for despóBco ou pouco liberal, eles o abandonam, buscando outro cacique, menos “caínho” (egoísta). Os caciques são os mais pobres da aldeia, pois chamá-los de pouco generosos – “deimacá” – é uma injúria diecil de suportar. Esses caingangues são gente alBva e independente: não se submetem à obediência, a quem quer que seja – por isso os caciques devem ser bons diplomatas para governá-los e manter a harmonia e abundância de víveres na tribo.

O menino leva Miguel até Pón-i – o cacique. Ele olha-o nos olhos e sabe que a visita é de paz.

Pón-i está do nosso lado. Nós obedecemos a ele porque é bom e justo. Quando alguém se opõe Pón-i não fica brabo, mas convence com mansas palavras. Ele conhece a floresta, onde há frutos e onde se esconde a caça. Ele fala: é tempo de colher pinha, gente vai!

O cacique eleva as mãos vazias. Olha para o céu, à floresta adormecida e para seu povo:

– “Topẽ jykre sἰnvἰ vў jãnhkri nἰ!” (o sagrado é puro)

As mulheres ficam na grande habitação. Preparam uma bebida que os homens muito pareciam. Socam os frutos da palmeira em um pilão, até esmagá-los. Misturam a massa com água e deixam fermentar. Agora estão a coar a mistura – será servida numa grande cuia. As crianças brincam ao redor da fogueira: alegria em suas faces adornadas por cabelos negros, olhos oblíquos e curiosos. Alguns índios usam mantos, os “curú-cuchás”, tecidos com fios Brados da casca da urBga. Outros estão vesBdos com o “cranecrin” – feito de uma só peça, tendo no meio uma abertura, para a passagem da cabeça. E aberturas laterais para passagem dos braços. Esses mantos são decorados por bordados brancos e vermelhos. Outros têm enfeites representando machados, flechas ou figuras de animais

(TRECHOS)

Bibliografia

01. INSTITUIÇÕES

Arquivo Público do Paraná/CuriBba

Biblioteca Nacional/Rio de Janeiro

Biblioteca Pública do Paraná/CuriBba

Biblioteca Mário de Andrade/São Paulo

CBL – Câmara Brasileira do Livro/São Paulo

Folha de Londrina/Jornal – Londrina

Gazeta do Povo/Jornal – CuriBba

IAP – InsBtuto Ambiental do Paraná/CuriBba

InsBtuto Hans Staden/São Paulo

IHGPR – InsBtuto Histórico e Geográfico do Paraná/CuriBba

Museu da Imigração/São Paulo (Hospedaria dos Imigrantes)

Museus históricos de Cambé, Rolândia e Londrina

O Estado de S. Paulo/Jornal – São Paulo

RPC – TV Paranaense – CuriBba

Universidade de Frankfurt/Alemanha

DEPOIMENTOS E ENTREVISTAS GRAVADAS, AO AUTOR:

George Craig Smith

Eugenio Victor Larionóff

Massako Yamamura Ueda

Isaura Ferreira Neves

Clemente Soares

Olavo Godói

Gisela Nixdorf

Francisco Mendonça

Catarina Maria Kuns Noske

Margaretha Lapuse Willer

Catarina Ivan Hesko

Franz Licha (Francisco)

Hélio Paula Vieira

MaBlde Mayer

João Stefanini

Athanásio Bello

Arsênio Gomes da Silva

Manoel de Almeida

Ricieri Codato

Maximilian Moser

Alice Tkotz e Rita Tkotz Newbery

Francisco Harcar

José Kubalak

Pedro Belarmino de Faria

Ana Kois Kubalak

Altair Stutz

Frieda Fleuringer

José Cilião de Araújo

Lili Scheller

Ana Mazzei Zidchak

Olimpia Grou

Olinda Falcão de Freitas

03. LIVROS E PERIÓDICOS

Carlos Gubani

Manoel Teixeira de Souza

Carlos César

Kurt Jakowatz

Frieda Hotmann

Peter Smidth

João Schilling

Ermélio E. de Azevedo

Altair Stutz

Maria de Almeida Vaz

Olinda Falcão de Freitas

Olavo de Matos

Srefan Hescko

Benedita Maria dos Anjos (Ibiporã)

Saidh Chocair Tarran

Guilherme Fuschel

Manoel Almerindo da Silva

Adelino Giro^o

João Idheria

Nestor e Oswaldo Liboni

MarBn Iud (Rolândia)

MarBniano de Souza

Gervásio Mathias de Freitas

Margaretha Sawade Müller

José Correia Pires

João Correia da Rocha

Ana Rapcham Remesik

Jorge Strass e Olga Strass

Alba e Olga Zorteia

Aldo e MaBlde Marangoni

01. Abril Cultural. NOSSO TEMPO: A GUERRA CIVIL RUSSA, S.V.Lipitsky

– A ALEMANHA DE HITLER, Alan Bullock. Fascículos.

02. Alves, Edinelson. CLEMENTE ENFRENTOU BICHOS E PISTOLEIROS NO PARANÁ –Reportagem – Folha de Londrina-PR, 19.04.1992.

03. Angelis, Coleção de. CARTAS ÂNUAS DE LA PROVÍNCIA DEL PARAGUAY

– Tomo I – Manuscritos da Coleção De Angelis – Biblioteca Pública do PR.

04. Antologia de 50 entrevistas. A HISTÓRIA É AMARELA

– Revista Veja. São Paulo, 2017

05. Almeida, Alves A. O ESTRANGEIRISMO EM LUTA COM A BRASILIDADE

– Panfleto. Rio de Janeiro, 1938.

06. Arendt, Hannah. EICHMANN EM JERUSALÉM

– Companhia das Letras. São Paulo, 1999.

07. Azevedo, José Julio. BRATISLAVA, UM PONTO DE ENCONTRO NA HISTÓRIA. – Edição do Autor. Cambé-PR, 1996.

08. Azevedo, José Julio. CATEQUESE E POLÍTICA ÍNDIGENA GOVERNAMENTAL NO PARANÁ –1820-1930. Seminário Teológico Sul Americano. Londrina, 1997.

09. Azevedo, José Julio de. ALDEAMENTO INDIGENA DE SÃO JERONIMO NO PARANÁ, INÍCIO E EXTINÇÃO. CuriBba, 2019.

10. Azevedo, José Julio de. GEORGE CRAIG SMITH, CTNP, ÍNDIOS E PIONEIROS – BoleBm do InsBtuto Histórico e Geográfico do Paraná. CuriBba, 2020.

11. Bangert, William.V.S.J. HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS – Edições Loyola. São Paulo, 1985

12. Berman, Marshall. TUDO QUE É SÓLIDO DESMANCHA NO AR – Cia das Letras. São Paulo, 1990

13. Bibliographisches – InsBtut. MEYERS ENZYKO PADIES LEXIKON

– Volume 6 – Verbete: Danzig.

14. Bigg-Wither,Thomas Plantagenet. – NOVO CAMINHO NO BRASIL MERIDIONAL: – A PROVÍNCIA DO PARANÁ -Editora José Olímpio. São Paulo, 1974.

15. Boni, Paulo César. A FOTOGRAFIA COMO MÍDIA VISUAL DE RECUPERAÇÃO HISTÓRICA DE LONDRINA

– Universidade Estadual de Londrina – UEL, 2007.

16. Borba, Telêmaco. ACTUALIDADE INDÍGENA

– CuriBba-PR, 1908.

17. Bruit, Héctor Hernán. BARTOLOMÉ DE LAS CASAS E A SIMULAÇÃO DOS VENCIDOS.

– Iluminuras. São Paulo, 1995.

18. Cancian, Nadir Apparecida. CAFEICULTURA PARANAENSE – 1900/70

– Editora Grafipar. CuriBba, 1981

19. Carneiro, David A. S. BICENTENÁRIO DO BARÃO DE ANTONINA

– ArBgo Jornal Gazeta do Povo. CuriBba, 25.06.1982.

Carneiro, David A.S. Carneiro. JOHN HENRY ELLIOTT E OUTROS PIONEIROS

AMERICANOS NO PARANÁ. Editora Universitária Champagnat. PUC, CuriBba, 1987

20. Castro, Josué de. GEOGRAFIA DA FOME

– Editora Brasiliense, 1983

21. Cavasso, Emílio da Cavasso. APOSTOLI E PIONERI – AnBche Missione Nel Paraná.

– Grafiche Erredicì. Padova, Italy, 1980

22. Centenera, Barco. LA ARGENTINA (Canto XX), Fragmento s/d.

23. Cortesão, Jayme Zurarte. Introdução aos “MANUSCRITOS DA COLEÇÃO DE ANGELIS”

– JESUITAS E BANDEIRANTES NO GUAIRÁ (1549-1640)

– Exemplar da Biblioteca Pública do PR. Biblioteca Nacional, 1951.

24. CouBnho, Humberto Puiggare. LONDRINA, 25 ANOS DE SUA HISTÓRIA

– Edigraf; Londrina, 1959; “Paraná Norte”, 18.05.1935.

25. Cortez, Edna Scalon. DANTZIGER HOF: A HOSPEDARIA DOS DANZIGUENSES EM CAMBÉ –Museu Histórico de Cambé, 2012.

26. Demersay, L. Alfredo – HISTÓRIA GERAL DO PARAGUAY

– Typographia Perseverança-RJ, 1805.

27. Diversos autores. COLONIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO NORTE DO PARANÁ

– Companhia.Melhoramentos Norte do Paraná. São Paulo, 1975.

28. Diversos autores – RETRATO DO BRASIL

– Editora Três. São Paulo-SP, 1984.

29. Elio^, John Henry. RELATÓRIO DE UMA EXPEDIÇÃO

– BoleBm do InsBtuto Histórico e Geográfico do Paraná, Ano II. Romário MarBns editor. CuriBba, 1918.

30. Fernandes, Hellê Velosso. Monte Alegre, Cidade-Papel – Klabin do Paraná. Telêmaco Borba-PR, 1973.

31. Fontana, Francisco Fernando. DESVENDANDO MANOEL RIBAS

– O HOMEM, A OBRA, O MITO – SESC PR. CuriBba, 2015

32. Furtado, Celso. FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL

– Companhia das Letras. São Paulo, 2007.

33. Francis, Paulo. TRINTA ANOS ESTA NOITE: 1964, O QUE VI E VIVI

– Companhia das Letras. São Paulo, 1994.

34. Gay, João Pedro. HISTÓRIA DA REPÚBLICA JESUÍTICA DO PARAGUAY

– Imprensa Nacional, RJ, 1942.

35. Galbraith, John Kennedh. A ERA DA INCERTEZA

– Editora Pioneira, 2ª edição revista.

36. Gonzales Ne^o, José Garcia. CAMBÉ, CONFRONTO E COMPOSIÇÃO POLITICA, 1947-1968 –Livraria Ghignone Editora, CuriBba, 1987.

37. Gordon, Paulus. UM DER FREIHEIT WILLEN.

– Editora Pfullingen, Verlag Neske 1983.

38. IPAC/LDA. HEIMTAL: O PASSADO E O PRESENTE NO VALE DOS ALEMÃES.

– Cadernos do Patrimônio Cultural, 2. Grafman. Londrina, 1993.

39. Joffily, José. LONDRES – LONDRINA

– Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1985

40. Jung, Carl Gustav. CIVILIZAÇÃO EM TRANSIÇÃO

– Editora Vozes. Petrópolis-RJ, 2011.

41. Jung, C. G. SINCRONICIDADE: UM PRINCÍPIO DE CONEXÕES ACAUSAIS.

– 2ª Edição. Editora Vozes. Petrópolis-RJ, 1985

42. J.M.L, Doutor. NOTÍCIA GEOGRÁFICA DO ESTADO DO PARAGUAY

– Biblioteca Municipal Mário de Andrade – Obras raras. (Consulta) São Paulo.

43. Koch, Albert. ALS EINWANDERER IN BRASILLIEN

– Cópia enviada pela Universidade de Frankfurt, Alemanha, 1990.

44. Kohlhepp, Gerd et al. COLONIZAÇÃO AGRARIA NO PARANÁ: PROCESSOS GEOECONOMICOS E SOCIOGRÁFICOS DE DESENVOLVIMENTO DE UMA ZONA SUBTROPICAL DO BRASIL SOB A INFLUENCIA DA PLANTAÇÃO DE CAFÉ.

– Universidade Estadual de Maringá. Maringá-PR, 2014.

45. Kozák. Vladimir. OS ÍNDIOS HETÁS: PEIXE EM LAGOA SECA

– InsBtuto Histórico e Geográfico do Paraná.. (Co-autoria: David Baxter, Laila Williamson e Robert L. Carneiro). CuriBba, 1981.

46. Larionóff. Eugênio Victor. THE BELLE OF HAMMERFEST – Biografia inédita.

– São Paulo, 1982.

47. Levi-Strauss, Claude. TRISTES TRÓPICOS

Edições 70. Portugal, 1986.

48. Lima, Éber Ferreira Silveira. PÓSTOLO PÉ VERMELHO – Jonas Dias MarBns e a Evangelização do Norte do Paraná – Editora Pendão Real, São Paulo, 2002.

49. Mello, Lucius de. A TRAVESSIA DA TERRA VERMELHA. Editora Novo Século.

– Osasco, SP, 2007.

50. Maack Dr. Reinhard. GEOGRAFIA FÍSICA DO ESTADO DO PARANÁ

– Livraria José Olympio-RJ, 1981.

51. Maier, Max Hermann. RELATO DE UM IMIGRANTE (1938-1975)

– Tradução de Mathilde Maier e Elmar Joenck. Rolândia-PR, 1977.

52. MarBns, Romário. HISTÓRIA DO PARANÁ

– CuriBba-PR, 1937.

53. MarBns, Romário. PAIQUERÊ – MITOS E LENDAS

– CuriBba-PR, 1940

54. May & Co. DIE DEUTSCHEN IN LATEINAMERIKA

– Darmastadt. Alemanha, 1979.

55. Mistrik, F. EXSUL FAMÍLIA SLOVACORUM

– Tchecoeslováquia. BraBslava, 1962

56. Moeschlin, Felix. ICH SUCHE LAND IN SUDBRASILIEN

– Montana-Verlag. Suíça, 1936.

57. Monbeig, Pierre. PIONEIROS E FAZENDEIROS DE SÃO PAULO

– Editora Polis. São Paulo, 1984.

58. Mo^a Sobrinho. Alves. A CIVILIZAÇÃO DO CAFÉ.

– Prefácio de Caio Prado Junior, Editora Brasiliense. São Paulo, s/d.

59. Museu Histórico de Cambé. CAMBÉ: REPENSANDO SUA HISTÓRIA

– Equipe do Museu Histórico de Cambé. Cambé, 1992.

60. Museu Histórico de Cambé. CAMBÉ NAS LENTES DE ARTHUR EIDAM

– Equipe do Museu Histórico de Cambé. Cambé, 2009.

61. Nicoulin, MarBn. A GÊNESE DE NOVA FRIBURGO – EMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO SUIÇA NO BRASIL – 1817-1827 – Fundação Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, 1995.

62. Nixforf, Oswald. UM PIONEIRO NA SELVA BRASILEIRA

– Arquivo Memória. Eduel. Londrina, 2016.

63. Paraná, SebasBão. CHOROGRAPHIA DO PARANÁ

– Typographia da Livraria Economica, 1899. CuriBba.

64. Pauwels, Louis e Bergier, Jacques. O DESPERTAR DOS MÁGICOS

– Editora Bertrand Brasil-RJ, 1989

65. Prado Júnior, Caio. EVOLUÇÃO POLÍTICA DO BRASIL E OUTROS ESTUDOS

– Editora Brasiliense. São Paulo, 1975.

66. Pruser, Friedrich. ROLAND UND ROLÂNDIA: ZUR AUFREICHTUNG EINES

BREMES ROLANDES IM BRASILIANISCHEN ROLANDIA.

– Int’ Verlagsgesellsscha|, Bremem, 1957.

67. Saint’Hilaire, Auguste de. VIAGEM NO INTERIOR DO BRASIL EM 1820.

– Biblioteca Pública do Paraná – CuriBba (Consulta).

68. SILVA, Joaquim Carvalho da. TERRA ROXA DE SANGUE – A GUERRA DE PORECATU

– Editora UEL – Universidade Estadual de Londrina. Londrina, 1996.

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