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Noite
from Fausto 1
by UDL Educação
Terás liberdade irrestrita. Permito a dura experiência! Vamos ver se consegues afastá-lo da origem divina e conduzi-lo à vertigem.
Mefisto então agradeceu a oportunidade de trabalhar com os vivos, e disse:
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Nunca gostei de me ocupar dos mortos.
Aprecio o sangue vivo correndo nas faces.
Para os coveiros, nunca estou em casa.
Sou como o gato com o rato.
Com essas palavras, o céu se fechou, os arcanjos se dispersaram e Mefisto desceu à Terra para encontrar-se com Fausto e tentar aproximar-se dele.
noite
Dr. Henrique Fausto está sentado em sua poltrona junto à escrivaninha, num quarto pequeno e abafado, entulhado de frascos por todos os lados e de livros corroídos por vermes, cobertos de pó. A parede é forrada, até o topo da cimeira, com papel embolorado. Fausto, sonolento e irrequieto, balbucia, suspira e resmunga sozinho:
Ah, estudei até a exaustão a filosofia,
Ah, estudei até a exaustão a filosofia,
a medicina e a jurisprudência e avidamente também a teologia, tudo com a maior paciência. Mas eis-me aqui, pobre ignorante, não mais sabido do que antes. Sou professor, doutor até. Há dez anos fico atrás dos meus alunos, sem parar. Estudar, estudar e estudar! Mas vi que não é possível saber, e isso dilacera o meu coração. Não temo nem o inferno nem o diabo. Porém, a alegria me foi roubada.
Inconformado com sua impotência e desiludido com a vida que, apesar de todo estudo, não lhe trouxe todo o conhecimento desejado, desabafa:
A vida não me deu bens, muito menos dinheiro, nem honra, nem glória nesse mundo.
E segue reclamando, enquanto sua irritação só aumenta:
Nem mesmo um cão viveria desse jeito!
Por isso, entreguei-me à magia, para ver se consigo desvendar alguns mistérios.
Inconformado, Fausto olha pela janela e pede ajuda à Lua. Depois começa a folhear um livro e, de repente, avista o misterioso sinal do Macrocosmo.
Que sinal mais belo! — exclama. Ah que encanto flui dessa visão! Como se transforma diante dos meus olhos. Como sobem e descem as forças celestes! Que espetáculo! Mas só espetáculo ainda.
Aborrecido e desiludido, conclui:
Eu consigo ver o sinal, mas não consigo entendê-lo.
Segue folheando o livro e vê o signo do Espírito da Terra:
Agora sim. Este signo da Terra está mais próximo, provoca um efeito diferente em mim!
Talvez eu consiga atraí-lo por meio de magia.
Continua tentando, e vai se empolgando mais e mais:
Já consigo sentir a sua presença.
Todos os meus sentidos se agitam!
Sinto todo meu coração entregue a ti!
Aparece! Aparece! Ainda que me custe a vida! — grita Fausto, que agarra o livro e, com voz de mistério, pronuncia algumas palavras mágicas.
Mal termina ele de proferir as palavras, uma chama vermelha corisca e, de repente, dela, o Espírito aparece demonstrando desagrado, e lhe diz com voz abafada:
Quem me chama?
Ao ver o Espírito, Fausto esquiva-se assustado e xinga:
Eca! Mas que semblante repugnante! Não suporto olhar para você!
Como assim? — pergunta o Espírito. Primeiro me invocas com toda força, imploras querendo me ver. Atendendo ao teu pedido, cá estou, e agora foges tremendo, feito um verme retorcido pelo medo.
Sentindo-se desafiado, Fausto recupera a coragem e diz:
Fugir de quem, de ti, vulto em chama?
Sou eu, Fausto, teu igual.
Ao ouvir tais palavras, o Espírito solta um riso de escárnio, zomba do atrevimento de Fausto, e responde:
Tu te igualas ao espírito que concebes, não a mim!
Depois disso, a chama se apaga num estalo e o Espírito desaparece. Nesse mesmo instante, batem à porta. Fausto esbraveja aborrecido:
Só pode ser Wagner, meu assistente!
Bem agora que eu estava em contato com o Espírito ele tem de interromper!
Fausto abre a porta e entra seu assistente Wagner de roupão e touca de dormir, um lampião na mão. Fausto volta-se impaciente. Wagner, que admira muito o culto professor, diz animado:
Desculpe incomodar a essa hora! Ouvi o senhor declamando alto. Decerto lia uma tragédia grega. Se o senhor quiser, posso ficar aqui até o amanhecer para manter elevada conversação. Ou só estava estudando?
Irritado, Fausto, que não queria saber de conversa alguma, trata de se livrar de Wagner, mandando-o de volta para a cama. Depois se deixa cair cansado na poltrona e observa a estante cheia de livros e os objetos que se encontram em seu aposento, até mesmo uma caveira.
Ah, como eu gostaria de conhecer o mundo tão bem como o Espírito da Terra!
Mas ainda estou aqui, preso nesse quarto, entulhado de coisas, e continuo sendo só um ser humano.
Observa uma ânfora de cristal que contém veneno:
Ah, se eu pudesse adormecer para sempre, e não acordar nunca mais!
Frustrado por não conseguir alcançar o mundo dos espíritos, Fausto aproxima a taça com veneno dos lábios, mas para ao ouvir um burburinho vindo da rua.