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Il dolce far niente

Márcia Maria Benvenutti *

A época de férias traz com o seu retorno muitas histórias sobre como estas foram vividas. Passeios, praia, campo, viagens ou uma rede tranquila, um momento de colocar em prática tudo o que não foi possível realizar enquanto se estava ocupado com o trabalho. Contudo, muitas pessoas retornam com a sensação de que o dia não teve horas suficientes para realizar tudo o que fora planejado, não sendo incomum o retorno das férias também ser marcado por cansaço, ansiedade e, por vezes, frustração.

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O que deveria ter sido um momento de descanso e daquilo que os italianos chamam de il dolce far niente, “a doçura de não fazer nada”, vira uma lista de atividades para realizar. Acrescenta-se o fato de não se conseguir largar o celular, seja para verificar e-mails, responder comentários nas redes sociais ou na busca contínua por entretenimento. Vivemos imersos num tempo em que somos convocados para realizar coi- sas o tempo todo, ainda que estas, por vezes, nos prejudiquem. E nesse sentido será que conseguimos desligar? Você conseguiria sentar e não fazer nada, sem pensar nas tarefas pendentes ou pensar que poderia estar fazendo algo melhor?

Recentemente, a revista Science publicou um experimento em que foi constatado que há pessoas que preferiram levar um choque elétrico a ter que ficar sozinhas com seus pensamentos. A pesquisa consistia em um grupo de pessoas que deveriam ficar sentadas em uma sala em silêncio por 15 minutos. A única pos- sibilidade que dispunham era apertar um botão e receber um pequeno choque elétrico. Quase metade dos participantes optou por apertar o botão, preferindo fazer qualquer coisa, ainda que negativa, a ficar sem fazer nada. E muitas delas, repetiram essa opção mais de uma vez.

Ainda de acordo com a publicação, poucas pessoas consideram como uma opção válida o tédio, contudo, essa experiência revelou como fundamental para o bom funcionamento do cérebro que trabalha 24 horas por dia, todos os dias, esses momentos que podem parecer en- fadonhos. Esvaziar a mente aumentaria a criatividade, a inspiração, pensamentos e reflexões mais inteligentes. Assim, a ociosidade seria tão importante para o cérebro como o são as vitaminas para o corpo.

No mundo contemporâneo, há um permanente estímulo para a realização, um imperativo para sermos produtivos, em que dar espaço para sentir tédio é altamente frustrante. Não nos permitimos sentir ociosos e não permitimos que nossas crianças se sintam entediadas. Procuramos mantê-las ocupadas com as mais diversas atividades o máximo do tempo, limitando-as em sua capacidade de criar estratégias para a resolução das dificuldades que se apresentam.

E você? Consegue se permiter il doce far niente sem culpa nenhuma como canta Rita Lee ou se inclui naqueles que correm para apertar o botão?

* Psicóloga e psicanalista em formação pelo Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre

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