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Debate

OQUE PODEMOS FAZER PARA MELHORAR O ACESSO À INFORMAÇÃO DE QUALIDADE? COMO PODERÁ EVOLUIR O FENÓMENO DA INSTRUMENTALIZAÇÃO DO MEDO? Adrian refere que temos a responsabilidade de entender as informações que possuímos. Aprender como ter uma postura crítica em relação aos meios de comunicação que recebemos, às informações que temos. Portanto, a alfabetização mediática é extremamente importante, é algo que precisa ser ensinado, é um caminho crítico. Há uma razão pela qual muitas instituições democráticas básicas dizem que a escola pública é importante para ter uma democracia que funcione bem, as pessoas não devem apenas ter acesso à informação, mas devem saber como usá-la. O outro aspeto é pensar nas estruturas que temos e nas quais a informação se move. A desregulação da internet tem pontos bons e maus; é bom, pois significa que vozes que, de outra forma, não seriam ouvidas, têm uma plataforma. Mas é extremamente importante que os governos forneçam ao público informações claras e apoiadas da maneira correta, pois também há muita informação errada a circular. Mia salienta que a atuação e a intervenção do político populista de hoje se baseia na manipulação de um medo que é tido como uma vulnerabilidade que não precisa de uma causa, precisa de um “quem”, precisa de um culpado. Pretendem converter a população em desenganados, que não procuram explicações, não procuram causas, procuram culpados, querem vingança. Há grandes partes da população mundial que não creem em funcionários do aparelho de justiça clássico, formal, oficial e, por isso, há vingadores que são eleitos democraticamente e estão autorizados, dispensam tribunais, dispensam processos judiciais. Os suspeitos serão os que pensam de forma diferente. Esta cruzada começa na própria linguagem, apresentando-se como pessoas de ação.

QUAL É O PAPEL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL NA DIFUSÃO DO MEDO?

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A ideia mais simples, refere Mia, é que aquilo que produz medo vende bem. É uma informação que é conduzida por razões de mercado, por razões de audiência, de fabricação de audiência. Toda uma lógica que não tem a ver com aquilo que seria a informação que os jornalistas desejariam produzir, sobretudo no caso de Moçambique. No caso da pandemia, por exemplo, seria muito fácil que os números absolutos que foram sendo apresentados, que dizem muito pouco, fossem apresentados num contexto, nas taxas, nas percentagens, colocados numa perspetiva relativa para que não produzissem tanto medo, produzissem consciência e não medo.

COMO É QUE A TECNOLOGIA AO SERVIÇO DE REGIMES DITATORIAIS PODE, OU NÃO, ALTERAR O JOGO?

Raquel salienta a aposta da China na inteligência artificial e os chamados ditadores digitais, ou seja, a utilização da tecnologia justamente para controlo da sua própria população. Mia acredita que a realidade em Moçambique é distinta. Os grandes medos que são politicamente criados são fundados em coisas muito mais sociais. Há medo das redes familiares, das negociações de influências e a criação de transições de poder que são

invisíveis entre grupos, dentro da Frente de Libertação e dentro dos partidos, e entre a possibilidade de criar guerras por receio de perder aquilo que são as identidades étnicas. Os medos moçambicanos são muito pouco ligados a qualquer coisa que venha desse universo tecnológico da modernidade.

Adrian preocupa-se com o funcionamento pouco claro de certas tecnologias e sobre grupos afluentes privilegiados. As pessoas referem que a tecnologia é mais ou menos neutra, o que importa é como ela é usada. Adrian acredita que isso é muito ingénuo, pois há que saber quais são as perspectivas das pessoas que desenvolvem as novas tecnologias. Se a grande maioria das pessoas que as criam pertencerem a um determinado perfil e viverem em São Francisco, isso é problemático, porque terão um certo tipo de perspectiva e perderão novas respostas importantes de como essa tecnologia pode ser usada noutros contextos. É fundamental reconhecer que a tecnologia não é neutra, a tecnologia é algo que é construído e projetado, e evolui para certos fins, e se quisermos ter uma tecnologia que vá, de facto, trabalhar para uma melhoria, uma das coisas que precisamos fazer é garantir que suficientes vozes diversas estejam envolvidas na criação dessas tecnologias.

QUAIS AS RECOMENDAÇÕES PARA DIMINUIR O MEDO COMO ARMA POLÍTICA NAS NOSSAS SOCIEDADES?

Mia realça que, em Moçambique, não há medo do fim do mundo, a ideia de um fim do mundo. A sociedade moçambicana tem uma filosofia, uma religiosidade, uma cosmogonia, que afasta essa ideia de um tempo cronológico, é um tempo circular e portanto não há fim, não há princípio. No entanto, a visão que os moçambicanos têm não se reflete naquilo que é o programa, naquilo que são as filosofias de governação. A governação de Moçambique inspira-se no que sobrou da dominação europeia e é importante abrir espaço para diferentes vozes também dentro da política.

Adrian relembra que uma das principais fontes de medos é a falta de conhecimento, como tem acontecido no Reino Unido com as negociações do Brexit. E, portanto, para além de apostar em conhecimento, há também que diminuir as desigualdades e dar segurança às pessoas, três aspectos de proteção contra o uso do medo como ferramenta política.