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Quando nós escrevemos sobre nós

VENILSON SOUSA

Oreconhecimento da diversidade no campo da literatura levou décadas para ser efetivado, de forma que a arte da palavra também passasse a ser considerada um ato político. Essas escritas expressam, nos dias atuais, as dificuldades e a heterogeneidade sexual existente no Brasil, expondo preconceitos, silenciamentos e invisibilidades dos sujeitos, com interferências de gênero, classe e raça.

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Sabemos que na verdade não é a representação que incomoda, mas o modo como ela se mostra: o gay sendo motivo de chacota, a lésbica estereotipada e sexualizada, travestis e pessoas trans que são marginalizadas, colocadas como prostitutas e ridicularizadas. O que incomoda, para muitos, é a humanização dessas pessoas; é a possibilidade de encará-las como protagonistas e como espelho.

A importância de ressignificar as representações sobre a comunidade LGBTQIAP+ tem sido uma reflexão constante na Universidade através da produção de investigações científicas. É o caso de Gabriel Severino, 25 anos, formado em Comunicação Social- Jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão, mestrando pela mesma instituição. Seu estudo é uma extensão da Graduação no qual analisou a representatividade da comunidade LGBTQIAP+ em jornais impressos no Maranhão. No entanto, ele ainda sentia a necessidade de entender mais sobre a representatividade em outros meios ou plataformas de comunicação, então, no Mestrado, Severino decidiu estender sua pesquisa para a ficção seriada.

A Dissertação de Gabriel é voltada para compreender como se dá a representação da comunidade em produtos audiovisuais, tendo como objeto principal o seriado “Pose”, que está disponível na Netflix. “Para além de ser seriado que tem essa representatividade, pois tem personagens e atores e atrizes que são da comunidade, ele se passa em um momento onde o movimento lgbtqia+ teve força muito grande na década de 70 e 80 pois nesse momento teve o surto da AIDS e o movimento tomou forma, até mesmo após

A Rebelião de Stonewall. Então, entender como os atores fazem parte e representam ali a sociedade é interessante principalmente pensando nesse contexto histórico político e social que a série tem”.

Por outro lado, Luiz Gustavo Mayran, homem trans, 32 anos, professor, revisor e escritor, utiliza a literatura para expressar sua vivência e de outras pessoas da comunidade. Ele tem a escrita inserida na sua vida através da sua comunicação e na forma dele se reconhecer e alocar enquanto indivíduo. O escritor expõe que a invisibilidade e a falta de investimento são as maiores dificuldades enfrentadas por essa comunidade, principalmente ao acesso a agentes literários e às editoras. Também, é claro, o interesse destas em produzir e lançar o trabalho deles.

Apesar da sociedade ter evoluído bastante, as pessoas LGBTQIAP+ ainda são ignoradas e tiradas dos seus locais de protagonismo. Mayran pontua que ainda são invisibilizados pois nomes como

João W. Nery, Amara Moira, Vange Leonel, Poeta JoMaka, Kika Sena, seguem invisíveis no grande cenário, na grande crítica - com exceção da última. “Muito se ouviu falar de Oscar Wilde, por exemplo, mas não sabem que ele foi preso por ser gay e morreu pouco depois disso. Há um apagamento que é proporcional à resistência. Seguimos escrevendo através das eras”, relatou Luiz Gustavo.

Mayran está escrevendo uma coletânea de contos que visa protagonizar as vivências, experiências e expressões pela ótica transmasculina - ‘Transeuntes’. Neste projeto,

“A invisibilidade e a falta de investimento são as maiores dificuldades enfrentadas por essa comunidade, principalmente ao acesso a agentes literários e às editoras. “ Luiz Gustavo Mayran ele entrevistou homens trans e transmasculinos de várias partes do Brasil via vídeo e áudio, e também agregou experiências próprias para contar situações cotidianas, a partir desses relatos. Da comédia à tragédia, o susto, a surpresa, o amor, o sexo, a gratidão. A obra de Mayran vai abranger um pouco de tudo. O lançamento está previsto para 2023, antes de novembro. A escrita é uma expansão de horizontes, uma vez que é a partir da leitura que os sujeitos absorvem conhecimentos para desenvolver diversos pensamentos sociais e críticos. Na literatura ficcional podem aparecer histórias, fatos e vivências, utilizando da liberdade narrativa para a criação de personagens que darão vida a estes contos de maneira menos estereotipadas. Mas, nem por isso, fará com que o processo reflexivo iniciado com a leitura deixe de auxiliar na compreensão de uma determinada realidade, contribuindo para a construção da representatividade e empoderamento. Assim fazendo com que o leitor tenha proximidade com as diferenças e as semelhanças das problemáticas vividas pela comunidade, possibilitando a convivência em um mundo diverso.

A Comunidade LGBTQIAP+ tem voz, mas essas vozes ainda não estão nos principais palcos. É preciso pensar em formas de fortalecer a presença de pessoas gays, lésbicas, trans, travestis, entre outras, nas grandes editoras e entre as principais obras publicadas no país.